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CRISE CLIMÁTICA

O que há de útil e de inútil em calcular a sua pegada de carbono

Tentar reduzir a sua pegada de carbono individual pode ser um exercício importante para pessoas mais ricas, em especial as de países desenvolvidos, que no geral são as que geram mais emissões

22 de agosto de 2022
8 min. de leitura
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Pessoa anda de bicicleta em Nova York, nos EUA. Foto: Carlo Allegri | Reuters

Um e-mail aparece na caixa de entrada de clientes da companhia aérea Gol assim que eles compram suas passagens de avião. A mensagem informa que a viagem gera uma pegada de carbono ou, em outras palavras, emite gases do efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. E traz orientações de como esse impacto pode ser compensado, por meio da compra de créditos de carbono.

Esse aviso faz parte de uma parceria lançada, em junho de 2021, entre a Gol e a startup “climatech” Moss, que trabalha com várias outras empresas brasileiras, como o iFood. Quem usa o app de delivery pode ter notado uma notificação que aparece quando se faz um pedido, avisando que as emissões da entrega “já foram compensadas”.

Iniciativas desse tipo têm se multiplicado em anos recentes, exortando as pessoas a calcularem, reduzirem e compensarem suas pegadas de carbono. Para muitos ambientalistas, no entanto, esse é um conceito usado para distrair da principal culpada pela crise climática: setores altamente poluentes, como a indústria de combustíveis fósseis. Neste texto, o Nexo explica o significado do termo e mostra em que medida ele pode ser útil ou danoso.

O que é a pegada de carbono

A pegada de carbono geralmente é definida como a soma total das emissões de gases do efeito estufa decorrentes de uma atividade ou processo. Gases do efeito estufa são aqueles que prendem o calor da luz solar na atmosfera e, assim, contribuem para a mudança climática.

O principal desses gases emitido pelas atividades humanas é o gás carbônico (CO2), por isso, a pegada de carbono é mensurada em quilos ou toneladas de CO2 liberados na atmosfera. Mas outras substâncias, como o metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e gases fluorados também são levadas em consideração; o peso delas é convertido a uma quantidade equivalente de gás carbônico.

O cálculo da pegada pode ser aplicado em diferentes escalas, para determinar o impacto deixado por uma pessoa, uma empresa, uma população, um país, etc. Fazem parte dessa conta tanto as emissões geradas diretamente pela atividade (como os gases emitidos na queima do combustível de um carro, por exemplo) quanto as emissões indiretas, referentes ao processo de geração da energia elétrica consumida.

A ideia da pegada de carbono deriva da pegada ecológica, um conceito mais amplo criado pelo ecologista canadense William Rees na década de 1990. Esta pegada representa a área total de terra usada para sustentar uma atividade ou população, incluindo o terreno usado com a produção de alimentos e os impactos do consumo de água.

No geral, países mais ricos têm pegadas de carbono per capita maiores do que países pobres, que tendem a ser menos industrializados e fazer menos queima de combustíveis fósseis. De acordo com dados do Global Carbon Project, em 2019, a pegada média de um cidadão de país desenvolvido foi 23 vezes maior do que a pegada deixada por um morador do grupo de 46 países menos desenvolvidos do mundo.

“O cidadão médio dos EUA leva só uns dois dias para se equiparar à pegada anual do nigeriano ou maliano médio”, escreve o pesquisador inglês Mike Berners-Lee no livro “The Carbon Footprint of Everything” (“A pegada de carbono de todas as coisas”, em tradução livre), lançado em abril no Canadá e ainda inédito no Brasil.

Redução e compensação

Há disponíveis na internet diversas ferramentas que permitem estimar a pegada de carbono de uma pessoa, como esta calculadora da Iniciativa Verde, ou esta, da Moss. O cálculo não oferece uma visão precisa das emissões associadas a determinado estilo de vida, e sim uma aproximação a partir da qual é possível pensar em medidas para reduzir a contribuição individual à crise climática.

A metodologia empregada varia de calculadora para calculadora, mas as contas geralmente se baseiam em fatores como o consumo doméstico de energia elétrica e gás, consumo de combustível no transporte individual (carro ou motocicleta), uso de transporte coletivo (ônibus, metrô, etc.), alimentação e viagens aéreas.

O consumo de energia e gás e o transporte representam a chamada “pegada de carbono primária”, aquela que é mais diretamente afetada pelas ações do indivíduo. Medidas para reduzir essa pegada incluem:

. Optar pelo transporte coletivo ou pela bicicleta no lugar do automóvel individual, sempre que possível
. Reduzir o número de viagens aéreas, que têm um dos maiores pesos sobre a pegada de carbono total
. Reduzir o consumo elétrico em casa ou usar energia de fontes renováveis, como painéis solares

Já a “pegada secundária” é relacionada às emissões geradas na produção e transporte dos alimentos e mercadorias que uma pessoa consome. Para reduzi-la, portanto, é preciso consumir apenas o que for essencial e ser mais consciente da origem dos produtos, buscando empresas com processos mais limpos e sustentáveis.

Na alimentação, a principal recomendação é cortar o consumo de carne. A produção da carne tem um impacto ecológico maior do que a de produção de vegetais, porque envolve maior consumo de água, além de ração e terreno para criação dos animais. Bovinos também contribuem com o efeito estufa com o metano emitido nos seus gases.

Além das medidas de redução da pegada de carbono, vêm sendo criados também mecanismos para compensar pelo impacto individual deixado sobre as mudanças climáticas. A compensação é feita por meio da compra de créditos de carbono. Essencialmente, é um investimento monetário em projetos que atuam na redução de emissões de gases do efeito estufa, ou na captação de carbono da atmosfera (por meio do reflorestamento de áreas degradadas, por exemplo).

Algumas das calculadoras de pegada na internet são de empresas que fazem essa compensação. Junto à quantidade de emissões, elas já calculam também qual o tamanho do investimento equivalente em créditos de carbono e direcionam para o pagamento.

As críticas ao conceito

Pode parecer contraditório, mas uma das primeiras calculadoras de pegada de carbono foi desenvolvida pela gigante petrolífera BP, em 2004. A multinacional é creditada por ter popularizado o conceito com campanhas publicitárias que faziam perguntas como “o que diabos é uma pegada de carbono?” e “qual é o tamanho da sua pegada?”.

Ao mesmo tempo, apesar de ter feito promessas de zerar emissões líquidas de carbono de suas operações até 2050, a BP ainda produzia cerca de 1,85 milhão de barris de petróleo por dia em 2021. A queima do petróleo e outros combustíveis fósseis para geração de energia e aquecimento é a principal causa da crise climática, responsável por quase um terço das emissões globais de gases do efeito estufa.

A BP e outras empresas da indústria petrolífera também têm um histórico de investimento em organizações que promovem o negacionismo climático e fazem lobby contra políticas de transição para uma matriz energética renovável. Por isso, os esforços de conscientização desse setor sobre a pegada de carbono muitas vezes são vistos com ceticismo por ambientalistas.

Ferramentas como a calculadora lançada pela BP podem ter o efeito de transferir indevidamente a responsabilidade da crise climática para o plano individual, enquanto grandes empresas continuam sendo as principais culpadas pelas emissões globais de carbono. “Indivíduos são quase incapazes de fazer qualquer coisa”, disse William Rees, criador da pegada ecológica, ao site Grist. “Você pode mudar seus hábitos de consumo um pouco, mas no geral o que fazemos é relativamente trivial”.

“Governos e o setor corporativo não têm interesse em fazer as mudanças estruturais fundamentais para tornar a economia mais ‘sustentável’”

William Rees – ecologista canadense, ao site Grist

A pegada de carbono também é criticada por representar apenas um aspecto do impacto real de um indivíduo sobre o clima. A escritora Emma Pattee propõe o uso do termo “sombra climática” para englobar outros fatores que ficam de fora do cálculo da pegada, como o nível de engajamento de uma pessoa com a causa ambiental, seu posicionamento político, sua linha de trabalho, entre outros.

Tentar reduzir a sua pegada de carbono individual pode ser um exercício importante para pessoas mais ricas, em especial as de países desenvolvidos, que no geral são as que geram mais emissões. Maior poder aquisitivo dá acesso a maior consumo de produtos variados, transporte individual de carro e, em especial, viagens aéreas frequentes.

Essa também é a parcela da população mais bem posicionada para mudar esses hábitos e optar por itens produzidos de forma mais sustentável. Pessoas pobres de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, por outro lado, muitas vezes não têm uma ampla gama de produtos ao alcance para praticar sempre o consumo consciente, seja por limitações geográficas ou financeiras.

“Calculadoras de pegada de carbono são uma ferramenta útil para avaliar o impacto de suas ações imediatas: onde você mora, como você viaja, o que você come”, disse Katharine Hayhoe, cientista chefe da organização The Nature Conservancy (que tem sua própria calculadora), à revista National Geographic.

Mas, de acordo com Hayhoe, há outras questões ainda mais importantes, e que amplificam o impacto de mudanças para além do plano individual: “Onde você coloca seu dinheiro? Como você vota? E as empresas com que você trabalha, ou a universidade da qual você faz parte, ou o clube de voluntariado do qual você é membro — o que eles estão fazendo, e como você pode usar sua voz para criar mudanças?”

Fonte: Nexo

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