“What have we done to the world?”
O que fizemos com o mundo?
— trecho de Earth Song, Michael Jackson.
Enveredar por esses questionamentos — simples e objetivos e, simultaneamente reflexivos — relaciona-se com dois polos que atualmente encontram-se em um distanciamento geográfico: entre a diplomacia climática que será realizada na COP30, em Belém (PA) e o cenário da realidade acerca da poluição, em áreas de preservação de cidades como Tangará da Serra (MT), nas quais animais abandonados encontram refúgio, mas também riscos, assim como as próprias áreas preservadas que são poluídas.
COP30: uma conferência diplomática
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes – COP30), que acontecerá entre os dias 10 e 21 de novembro na cidade de Belém, capital do Pará — trará um encontro concebido para, idealmente, transformar diagnóstico em ação. A agenda oficial da presidência brasileira anunciou uma “Action Agenda” com metas e grupos de ativação, enquanto negociações preparatórias (Pre-COP) tentam estabelecer consensos sobre mitigação, adaptação e financiamento climático. Ao mesmo tempo, vazamentos e reportagens apresentam controvérsias sobre propostas e prioridades — por exemplo, debates sobre a expansão do uso de biocombustíveis e os riscos associados ao desmatamento e perda de biodiversidade.
O conflito principal da COP — e o motivo pelo qual o questionamento do eu-lírico e o compositor Michael Jackson permanece relevante — é esta: decisões realizadas em plenárias e salas de negociação reverberam às paisagens, rios e fragmentos florestais. Compreende-se que se determinados posicionamentos políticos forem direcionados ou privilegiados por interesses individualistas, os processos de intervenções contra os danos climáticos não serão solucionados, gerando reflexos de injustiça social que afeta tanto a biodiversidade da flora, quanto da fauna.
Earth Song como espelho ético
A composição de Michael Jackson não é somente um hino-pop: remete uma causa ambiental em defesa do planeta e dos seus seres vivos. Linhas repetidas como What have we done to the world? trazem reflexos em um espelho ético acerca, do quê, deve ser feito quando transformamos a natureza em processo evolutivo em sua biosfera de forma equilibrada, ou quando também antiteticamente esse reflexo é reproduzido com a sua deterioração em massa. O cunho motriz essencial do refrão impele a vislumbrar não só dióxido de carbono ou metas percentuais, mas rostos — humanos e não humanos — afetados pelas escolhas políticas e econômicas.
Tangará da Serra: preservação poluída e animais em fuga
Em Tangará da Serra, como em muitas cidades brasileiras, as áreas de preservação (APPs, margens de rios, fragmentos de mata) são frequentemente pressionadas por ocupação, descarte irregular de lixo e abandono. Estudos locais e trabalhos acadêmicos registraram degradação em margens de rios e fragmentos — sinais de que a paisagem natural está sendo fragmentada e degradada ao redor do arcabouço urbanístico.
De acordo com Maria Atanazio, estudante de biologia, residente do Jardim Monte Líbano, os próprios moradores não possuem consciência sobre as áreas preservadas próximas ao bairro. “Quando um animal foge ou é abandonado, ele procura refúgio próximo às nascentes de água. A área de preservação do Parque Figueira, por exemplo possui um córrego e tem partes degradadas também, alguns moradores do bairro descartam plásticos, vidro e até resquícios de móveis se decompondo”, menciona a acadêmica
Segundo a estudante existe a presença desses animais abandonados em estado de risco naquela localidade. “Uma vez presenciei um cachorro com corte em sua pata, próximo ao riacho, em circunstâncias de aparentar estar desnutrido, se alimentava de alguns dejetos em um plástico, como a área é de difícil acesso e uma parte desta está interditada pela prefeitura não consegui realizar o resgaste”, afirma a acadêmica.
Diante dessas notícias e iniciativas municipais que apresentam preocupação com políticas de educação ambiental e programas de apoio a animais vulneráveis; a Secretaria de Meio Ambiente local tem divulgado projetos como lares temporários e banco de ração para animais em situação de vulnerabilidade — sinais de que a administração reconhece o problema e busca respostas administrativas. Ainda assim, organizações locais de resgate passam por ausência de financiamento e capacidade operacional. Maria também
Existe, portanto, uma cadeia cotidiana simples e intolerante: moradores ou vizinhanças descartam lixo e entulho em áreas preservadas — seja por desconhecimento, descaso ou falta de alternativas de coleta —; essas áreas degradadas perdem recursos alimentares e abrigo; animais domésticos abandonados, que antes podiam sobreviver em quintais ou nas margens da cidade, acabam refugiando-se nesses locais de vegetação degradada, no qual se expõem a doenças, atropelamentos, envenenamentos e passam por diversas formas de violência.
O resultado desse fator é um círculo vicioso de abandono e sofrimento animal ligado à degradação ambiental humana. A professora de Ciências Biológicas Aline Rodrigues, também residente do Jardim Monte Líbano menciona que esse fato é recorrente pela ausência da educação ambiental. “A falta de educação ambiental é de pontos de recolhimento e incentiva o descarte irregular. Precisamos de campanhas locais, mutirões e políticas públicas que tratem o lixo como um problema da cidade inteira.” Esses fatores apresentam dois fatores: (1) o problema é prático — falta infraestrutura de coleta e fiscalização; (2) o problema é moral e cultural — há uma dissociação entre o espaço urbano e o espaço natural que obriga animais e pessoas a sofrerem consequências.
Da COP às cidades: como transformar escala em cuidado local
A retórica da COP30 diversas vezes trata sobre metas agregadas, finanças globais e invenções tecnológicas. Contudo, as iniciativas globais só serão legítimas se reverberarem também em políticas locais efetivas: coleta regular e acessível de resíduos, fiscalização dos descartes em áreas protegidas, investimentos no ensino ambiental e financiamento a abrigos e projetos de castração são medidas concretas que unem justiça social, bem-estar animal e conservação da biodiversidade.
Algumas linhas de ação mediadoras seria o de fortalecer programas municipais de educação ambiental para apresentar conexão entre descarte inadequado e perda de serviços ecossistêmicos (proteção de nascentes, controle de enchentes, habitat). Outro fator seria o de criar pontos de entrega voluntária de entulho e campanhas de mutirão com participação comunitária com uma maior fiscalização.
Assim como também o de apoiar financeiramente organizações de resgate e pontos de acolhimento temporário; programas de castração de baixo custo para reduzir abandono. E vincular as metas locais às metas da COP: por exemplo, programas de restauração de margens e corredores verdes podem ser apresentados como ações de adaptação e conservação elegíveis a financiamento climático ou parcerias técnicas.
Nesse sentido, o refrão: What have we done to the world? O questionamento não traz somente diagnóstico, traz reparação. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – COP30 pode — e deve — ser mais do que um contexto de divulgação: precisa ser um evento para reafirmar que políticas climáticas, sem equidade ambiental local torna-se contraditório aos preceitos que defende. Em Tangará da Serra, como em diversas outras cidades, a transformação necessária se inicia com o fim do descarte nas áreas preservadas, com apoio daqueles que resgatam animais e com o estabelecimento de alternativas objetivas para a sociedade.