O que as hienas, as orcas e os elefantes têm em comum? Eles fazem parte de um seleto grupo em que as fêmeas ditam as regras.
Pesquisas recentes descobriram que das mais de 5 mil espécies conhecidas de mamíferos, apenas uma pequena parcela tem liderança feminina.
Enquanto os seres humanos se esforçam para acabar com a desigualdade de gênero e colocar mais mulheres em cargos de chefia, será que é possível aprender algo com essas “exceções” do reino animal?
É uma ideia controversa, mas, de acordo com os cientistas responsáveis pelas descobertas, a resposta é sim.
Estilo selvagem
Em parceria com três colegas, Jennifer Smith, professora de comportamento animal do Mills College, em Oakland, nos EUA, identificou seis espécies de mamíferos que apresentam liderança feminina: orcas, leões, hienas-malhadas, bonobos (espécie de primata), lêmures e elefantes.
Para chegar a este grupo, a equipe pesquisou primeiro espécies sociais – aquelas com interação forte entre os membros – em que se verificava qualquer característica de liderança.
Ao analisarem aspectos como movimento, busca por alimentos e resolução de conflitos, selecionaram primeiramente 76 mamíferos. Dentro desse grupo, os pesquisadores procuraram evidências de liderança feminina e características que definem esse perfil.
“Acho que há muito a se aprender com essas sociedades não-humanas”, diz Smith.
Os cientistas ressaltam, no entanto, que é importante não confundir liderança com dominação.
“Liderança é algo que acontece porque existe um problema que precisa ser resolvido por algum tipo de ação coordenada”, explica Mark van Vugt, coautor do estudo e professor de psicologia evolutiva da Universidade de Amsterdã, na Holanda.
Exemplos de solução de problemas podem ser encontrados na procura por alimentos, defesa contra predadores ou resolução de conflitos. A dominação, por outro lado, tem mais a ver com a competição entre indivíduos.
Segundo a definição dos cientistas, líderes bem-sucedidos têm seguidores espontâneos – ou seja, não precisam convencer as pessoas a se juntarem a eles.
Faça amor, não faça guerra
Cerca de 99% do DNA humano é igual ao dos chimpanzés e bonobos, primatas mais próximos do homem. Mas enquanto os chimpanzés tendem a ser liderados por machos, os bonobos contam com lideranças femininas.
São as fêmeas que elaboram os planos de viagem, explica Takeshi Furuichi, da Universidade de Kyoto, no Japão, que estuda bonobos na República Democrática do Congo. São elas também que se alimentam primeiro, porque organizam o jantar.
Os conflitos são muito mais raros na estrutura social dos bonobos do que na dos chimpanzés. As líderes bonobos, embora menores que os machos, intervêm com frequência como pacificadoras. Apesar de perderem muitas vezes brigas individuais com os machos, “quando mais de duas fêmeas se juntam (para lutar), 100% das vezes, elas ganham”, diz ele.
Se puderem escolher, parece que os bonobos preferem fazer amor à guerra. O contato íntimo é comum, e as fêmeas usam o sexo frequentemente como uma ferramenta para aliviar as tensões entre membros da espécie. Com as fêmeas no comando, a sociedade dos bonobos é muito mais tranquila.
Elefantes e orcas matrilineares
Nas famílias de elefantes e orcas, as fêmeas mais velhas assumem a liderança. As sábias “avós” orcas ajudam o restante da família a prosperar por saber onde se encontram os salmões, por exemplo.
Quando se trata dos elefantes, “sabemos que eles têm memórias realmente boas de recursos fragmentados”, diz Vicki Fishlock, cientista da instituição Amboseli Trust for Elephants, no Quênia. São as matriarcas experientes que levam as manadas a encontrar água durante a seca.
Mas há uma diferença importante em relação a nós. A maioria das sociedades humanas é patrilinear, ou seja, se fundamenta na descendência paterna. Elefantes e orcas são matrilineares.
“As elefantas nasceram para liderar”, diz Cynthia Moss, diretora e fundadora do Amboseli Trust for Elephants, que estuda os elefantes desde os anos 1970.
“Não há qualquer disputa com os machos por liderança. Eles vivem separados e não atuam como líderes entre os grupos familiares de elefantes”, explica.
Ditando as regras
As hienas caçam em grupos. E são as fêmeas que ditam as regras. Elas são maiores e mais fortes que os machos e determinam para que direção o bando deve seguir. Normalmente, as fêmeas famintas que estão amamentando comandam.
A liderança feminina também é importante durante as guerras entre clãs, quando os grupos geralmente disputam território.
Quando as hienas fêmeas cheiram as regiões anogenitais uma da outra – um negócio arriscado para animais com mandíbulas tão letais – é algo análogo a um abraço, explica Smith.
Depois de estabelecer alianças confiáveis, elas unem forças em torno de outro comportamento potencialmente arriscado: os ataques. Mas não lideram apenas combates, também apaziguam conflitos dentro dos clãs.
Dicas selvagens
Embora se relacionar com os colegas de maneira semelhante às hienas e bonobos seja algo muito pouco provável para os humanos, costurar alianças à maneira dessas espécies pode ser absolutamente vital.
Uma lição que pode ser tirada da análise da liderança feminina entre os mamíferos é a importância crucial das coalizões: de quem você é amigo nos círculos sociais e o conhecimento adquirido com a idade e a experiência.
A liderança feminina, conforme sugere o mundo animal, tem mais chance de surgir quando as mulheres formam grupos de cooperação.
Mas é válido dar esse salto e comparar animais peludos com mulheres trabalhadoras? A ideia é controversa, Smith e os colegas admitem.
É problemático porque “o nível de complexidade e as diferenças nos sistemas sociais são muito grandes”, diz Christos Ioannou, da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
“É um salto tão grande que acho muito difícil fazer essas comparações”, acrescenta o pesquisador, que estuda comportamento coletivo e liderança.
Sugestões sutis
A equipe de Smith argumenta que algumas formas de liderança feminina são negligenciadas pelas pesquisas sobre o tema, que geralmente se concentram em hierarquias grandes e complexas dentro de corporações, governos ou forças armadas.
Mas a maneira como algumas formas de liderança feminina funcionam, dentro de arranjos familiares e pequenos grupos, por exemplo, é mais sutil – e todavia fornecem perspectivas valiosas.
Até mesmo em primatas, a liderança feminina pode passar despercebida. Julie Teichroeb, ecologista comportamental da Universidade de Toronto, no Canadá, estuda macacos vervet.
Como as fêmeas dessa espécie lideram a partir do meio ou da parte de trás do grupo – pense em uma gerência intermediária – os primeiros estudos determinaram erroneamente que a tomada de decisão era feita por machos de grande porte que estavam na frente, explica.
Nosso legado biológico é apenas um dos aspectos que explicam por que as mulheres são sub-representadas em papeis de liderança. O outro fator, dizem os cientistas, é cultural.
Os seres humanos são hábeis em promover inovações culturais que podem mudar nosso próprio ambiente – assim, a equipe de Smith argumenta que poderíamos moldar um futuro com mais oportunidades de liderança para as mulheres.
O estudo oferece mais ideias interessantes do que evidências concretas, mas os autores planejam conduzir análises quantitativas mais rigorosas no futuro.
Fonte: Época