Ele é um dos sócios de uma importante empresa multinacional que trabalha com tecnologia de ponta. Como muitos empresários bem-intencionados, ele patrocina diversos projetos sociais mundo afora, investindo centenas de milhões de dólares com sentimento respeitável de que algo tem que ser feito para ajudar a construir um mundo melhor.
Ouvindo seus relatos sobre projetos que patrocina, perguntei por que não participa também das causas animais. Ele ficou me olhando durante alguns longos segundos, desviou o olhar e repetiu o que eu tinha perguntado: por que eu não patrocino projeto de defesa dos animais? Nunca pensei nisso, isso nunca esteve na minha agenda de preocupações apesar de achar bem interessante esses movimentos de preservação da vida animal como a que defende pandas, baleias, golfinhos e tartarugas. Esses movimentos estão um pouco fora do foco de atuação das nossas empresas. Nós entramos em ações onde podemos fazer diferença, não só financeiramente, mas com nosso conhecimento e experiência. Não queremos ser vistos pelas organizações como distribuidores de dinheiro. Patrocinadores que não se preocupam com resultados, ou com o que as entidades fazem. Por isso, só entramos em projetos onde podemos fazer algo efetivo e onde podemos participar. Não perdemos o nosso foco não só em negócios, mas também na parte social.
Tudo bem, Andros, concordo que tenha que ser assim mesmo tratando-se de negócio, eu disse. Essa é a tendência mesmo. Mas continuo achando que você deveria experimentar destinar uma parte da sua verba para a causa animal. É muito difícil, ele respondeu. O nosso negócio não tem nada a ver com salvar animais abandonados, manter canis ou coisas assim. Além disso, acho que isso não tem futuro, é remediar um mal que só cresce, é se proteger da chuva com a peneira. Não tem resultado efetivo. Apesar de respeitar o que vocês fazem por esses bichos.
E você acha que abastecer com alimentos os refugiados da África, ou patrocinar ações de cultura popular tem resultados efetivos? Você pode ter alguma razão, disse ele. Isso pode ser mesmo remediar. Mas nós não doamos alimentos na África, ajudamos investindo dinheiro e conhecimentos na área de logística e temos auditores que acompanham diariamente a operação. No caso dos movimentos de cultura popular, estamos interessados na educação digital dos jovens, apoiamos com educadores especializados nisso. Confesso que em termos de resultados nessa área temos dúvidas mesmo e estamos avaliando.
Percebo que você tem foco fechado em gente, resolvi arriscar a questão. Falei que acredito que nessa ótica ele vai chegar à conclusão, cedo ou tarde, de que trabalhar com gente da forma como faz é também remediar. E não vai ter resultados como gostaria de ter. Disse a ele que os resultados realmente efetivos acontecem quando você trabalha a causa, a origem das coisas. E ir catando uma, duas, cem, mil pessoas pelo caminho é como ir resgatando os animais abandonados e maltratados pelas ruas. Mas a população de gente e de animais a serem salvos cresce sem parar. Isso não é remediar? Andros pensou. É no limite, talvez você tenha razão nisso.
De alguma forma, quando estou trabalhando com gente, estou beneficiando também os animais. Porque, afinal, é gente que maltrata, abandona e mata os bichos, não acha? Se as pessoas forem melhores, serão melhores para todas as vidas. Pois é, Andros, acho que sim. Mas aí chegamos à questão principal: como as pessoas vão aprender a ser melhores?
Ora, isso é fácil de responder, animou-se. Tendo emprego, oportunidade de crescimento, profissão, sendo incluídas na sociedade, saindo das ruas, das drogas.
Andros, você se considera uma boa pessoa? Heim? Tento ser, tenho lá os meus defeitos, mas tento fazer a diferença na vida das pessoas todos os dias. Legal, acho que você é uma boa pessoa sim, mas fico pensando de onde vêm essas suas ações generosas e esses bons sentimentos, provoquei. Eu acho que em muito a minha inspiração vem dos valores e princípios que aprendi dos meus pais e de algumas pessoas que conheci na minha vida. Pois então, Andros, sabe o Valério? Ah sim, cara, que tragédia, como é que ele foi matar a mulher dele? Que tragédia, disse fazendo cara de desagrado. Lembra – eu disse-, ele tinha profissão, era respeitado na sociedade, totalmente incluído no melhor dos mundos. Isso não adiantou de nada, não é?
Como você explica um negócio daquele, perguntou Andros. Você já me respondeu. Fez falta para ele os princípios e valores que você aprendeu no seu relacionamento com seus pais e com as pessoas com quem teve sorte de conviver na sua vida. Mas o que tem a ver isso com o nosso papo de me convencer a investir nos projetos de defesa dos animais?, perguntou ele.
Na verdade, a minha sugestão não foi de você pensar na defesa dos animais, mas na causa animal. É diferente, é maior do que simples defesa dos bichos. Falei em investir em algo que permita que os animais ajudem os seres humanos a resgatar os valores e princípios da paz, da fraternidade, da responsabilidade e da cooperação, por meio de um tipo de relacionamento que só eles são capazes de manter com os seres humanos. Eu só queria dizer que os bichos não são o problema, eles são a solução, assim como toda a natureza.
Quero conversar mais sobre essas coisas, disse Andros. Aperto de mão, abraço de despedida e lá se foi. Fiquei me perguntando se aquela conversa não teria sido uma perda de tempo. Não foi. Fiquei sabendo meses depois, por ele mesmo, que estava programando algumas visitas a alguns paraísos de animais para refletir sobre algumas coisas. Anotei na minha agenda para não me esquecer de falar com ele logo na volta da tal viagem. Achei que as conversas como aquela também deveriam começar a fazer parte do meu trabalho. Mesmo que não dê resultado imediato, mesmo que não dê resultado como eu gostaria que desse. Porque toda mudança começa assim, de um em um, quando o racional começa a tocar o emocional e quando o emocional começa a dialogar com o racional. E porque é muito bom fazer parte da construção desses movimentos na alma que vão conectando os lados até se transformarem em um sentido de viver.