Uso óculos desde os cinco anos de idade, minha audição não é perfeita em ambientes tumultuados e, como muitas outras pessoas, perdi meu sentido do paladar durante a covid-19, o que me desorientou muito.
Quando os nossos sentidos são forçados até o limite, podemos começar a valorizá-los muito mais. Mas certamente não somos os únicos seres que dependem de diversos sentidos. Os animais marinhos dependem deles para se comunicar, navegar, alimentar, ouvir e detectar perigos.
É difícil para nós imaginar como as criaturas marinhas interagem no seu mundo. O que sabemos é que o quadro é complexo e os impactos causados pelos seres humanos causam ainda mais dificuldades.
A poluição é onipresente, mas não é homogênea. Existe a exploração de petróleo e gás no leito marinho, além de exercícios militares, aumento do tráfego marítimo e a ameaça relativamente nova da mineração em águas profundas.
Acrescente-se o fluxo de esgoto e os resíduos industriais e agrícolas e teremos um ambiente marinho mais movimentado, barulhento e poluído. Que riscos ocultos tudo isso traz para a vida marinha?
Como voluntária para cuidar de encalhes de animais marinhos para o Devon Wildlife Trust, no sudoeste da Inglaterra, recebo frequentes pedidos para tirar fotos e medidas de mamíferos marinhos encalhados no litoral da minha região.
Às vezes, existem ferimentos visíveis, marcas de dentes, talvez de ataques de golfinhos-nariz-de-garrafa, longos cortes retos na pele causados por linhas de pesca ou, às vezes, um corte limpo na cauda por captura acidental. Mas, na maioria dos casos, é difícil identificar a real causa da morte.
Uma equipe especializada de cientistas encarregou-se da missão de descobrir mais sobre os impactos causados pelos seres humanos sobre as populações de botos, baleias e golfinhos no Reino Unido.
E, para aprender mais sobre a sua pesquisa, visitei Rob Deaville, cientista que estuda encalhes de animais no Programa de Pesquisa sobre Encalhes de Cetáceos do Reino Unido. Todos os anos, Deaville disseca cerca de 150 botos, baleias e golfinhos encalhados para descobrir a possível causa das suas mortes.
“Em alguns casos, pode ser muito evidente, como captura acidental, choques com navios, focas-cinzentas predadoras, ataques de golfinhos-nariz-de-garrafa. Estas causas de morte são bastante óbvias”, explica ele.
“Mas, mesmo em alto nível, a poluição não é necessariamente a causa da morte de um animal, é mais questão de associação”, segundo Deaville. “Você olha por um buraco de fechadura para um aspecto, no que eu chamo de desfecho terminal, e então tenta olhar para trás para ver quais foram as experiências daquele animal ao longo da vida.”
“Alta poluição sonora ou caça limitada, mudanças climáticas, poluição química – tudo isso causa impactos e é difícil separá-las de qualquer pressão individual isolada”, ele conta.
Observar Deaville abrir um boto foi uma aula de biologia fascinante. Mas, mais do que isso, foi possível destacar como aquelas criaturas podem refletir seu ambiente marinho e como elas vivem naquele ambiente.
Dos vermes parasitas abrigados nos pulmões, intestinos e fígado até os delicados ossos de peixe encontrados em um dos seus três estômagos, todas as indicações são valiosas.
Mas Deaville conta que o mais importante é a amostra daquela camada de gordura que fica logo abaixo da pele. Ele a corta desde a base da barbatana dorsal. A gordura tem cerca de 2,5 cm de espessura e serve de registro de substâncias.
Deaville irá enviar a amostra para especialistas em toxicologia, que analisarão os poluentes. Essa análise ajuda a formar um quadro de alguns dos impactos menos visíveis que podem afetar a vida marinha e possivelmente contribuir para a morte dos animais.
Comecei a pesquisar como as formas menos visíveis de poluição de origem humana, tanto química quanto acústica, podem afetar os sentidos e a sobrevivência dos botos, golfinhos e baleias. E descobri que há muitas coisas acontecendo sob as ondas.
Supersentidos
“Para as baleias e os golfinhos, ouvir é tão importante quanto ver para os seres humanos, pois eles vivem em um mundo de água e som”, afirma Danny Groves, gerente de comunicações da organização sem fins lucrativos Whale and Dolphin Conservation. Ele acrescenta que os impactos dos distúrbios de origem humana sobre os cetáceos são “imensos”.
“A poluição sonora ameaça as populações de baleias e golfinhos, interrompendo seu comportamento normal, afastando-os das regiões importantes para sua sobrevivência [para reproduzir-se, socializar e alimentar-se], chegando a feri-los ou até causar a sua morte”, afirma ele.
Impactos naturais, como raios e terremotos, também causam grandes ruídos súbitos, mas tendem a ser mais intermitentes.
Os cetáceos com dentes – um grupo que inclui desde os narvais e as jubartes até os botos e golfinhos – caçam usando a ecolocalização ou biossonar. Eles ouvem faixas de altas frequências. Já as baleias de barbas ouvem em frequências mais baixas e, por isso, podem ser mais afetadas pelos ruídos da navegação.
E existem mais questões sobre o som além dos ruídos. A professora Joy Reidenberg, que estuda a anatomia das baleias na Faculdade Monte Sinai, em Nova York, nos Estados Unidos, explica que o som age como onda de pressão.
“Em qualquer lugar do corpo onde há espaços que contêm ar, eles podem comprimir-se e expandir-se enquanto a baleia mergulha e vem à superfície. Mas, se os tecidos não conseguirem se deformar adequadamente, eles irão se romper”, explica ela.
Sondagens sísmicas, usadas para identificar depósitos de petróleo e gás no leito marinho, são explosões sonoras altas e incrivelmente incômodas.
“Tenho certeza de que a baleia sentiria aquilo como uma onda de pressão que se move através do seu corpo e também como um som que ela pode ouvir”, afirma Reidenberg.
“Por isso, existe um aspecto táctil na audição que muitas vezes menosprezamos.”
Não se sabe o quanto dessa pressão é sentida pela pele.
A quimiorrecepção, que engloba o olfato e o paladar, também pode desempenhar papel importante. Reidenberg explica que as baleias de barbas possivelmente podem cheirar, enquanto algumas baleias têm receptores de sabor na língua, mas ainda não está claro exatamente o que elas detectam.
“Elas tendem a engolir presas inteiras, de forma que talvez sintam o sabor da água para detectar quando se aproximam da caça ou verificar a salinidade, o que pode ajudá-las a navegar”, afirma ela.
“É até possível que os narvais possam sentir a salinidade pelos poros sensíveis na sua presa – o que pode ser um sentido muito importante.”
A visão dos cetáceos é “muito melhor do que esperávamos”, segundo Reidenberg, embora algumas espécies dependam mais dela do que outras.
Os golfinhos dos rios Ganges e Indo são funcionalmente cegos, pois seu habitat turvo não exige que eles enxerguem. Já as orcas pulam para fora d’água para espionar enquanto caçam focas e sua visão é relativamente boa.
Oceano industrializado
Pesquisas indicam que todos esses sentidos estão sendo prejudicados pela atividade humana. Para as baleias, botos e golfinhos, a poluição química e acústica afeta o funcionamento dos seus corpos de diversas formas.
Alguns efeitos são agudos e imediatos, enquanto outros são mais crônicos e de longo prazo. Além de prejudicar os sentidos e sua capacidade de comunicar-se, a poluição marinha pode reduzir sua fertilidade e enfraquecer seus sistemas imunológicos.
Thomas Goetz, especialista em bioacústica da Universidade St. Andrews, na Escócia, estuda como os animais marinhos são afetados pelos ruídos humanos e como o som pode ser usado para evitar que os animais sejam prejudicados. Ele explica que o contexto é a chave.
“Para realmente entender os efeitos de um poluente, você precisa entender de fato a fisiologia do animal, dos sistemas sensoriais de cada espécie”, segundo Goetz. Cada poluente no habitat de um cetáceo pode ter efeitos diferentes.
“Infelizmente, não podemos deixar de observar detalhadamente e aceitar sua complexidade… porque talvez eles tenham evoluído órgãos sensoriais muito diferentes e suas percepções de mundo sejam distintas”, afirma Goetz.
A poluição sonora pode prejudicar os sons de comunicação e eco localização, mudar o comportamento dos animais e elevar os níveis de estresse.
Para as baleias-francas-do-atlântico-norte, o ruído de baixa frequência dos grandes navios pode resultar em aumento das substâncias relacionadas ao estresse, que causam supressão do crescimento, redução da fertilidade e mau funcionamento do sistema imunológico. Esse estresse crônico está causando impactos fisiológicos.
Ruídos impulsivos súbitos e agudos no ambiente marinho podem gerar hemorragia e trauma dos ouvidos, enquanto a exposição mais crônica a um zumbido constante em baixo nível de uma rota de navegação próxima talvez possa alterar seus padrões de comportamento e dificultar a comunicação ou a alimentação.
Os golfinhos e baleias de águas profundas também podem sofrer doença de descompressão, ou mal dos mergulhadores, quando sobem à superfície muito rapidamente. E, com o passar do tempo, surgem rasgos ou lesões no tecido interno devido à formação de bolhas de nitrogênio, mas é difícil concluir se elas se devem a causas naturais ou a ruídos de origem humana.
“Diferentes espécies são mais sensíveis ao som do que outras”, afirma Deaville, movendo-se em direção ao bico da baleia-bicuda-de-cuvier na mesa à sua frente.
“Esta é a espécie de cetáceo que mergulha mais fundo. Ela retém a respiração por cerca de três horas, mergulha até 3 mil metros em alguns casos e realmente se mantém no limite do fisiologicamente possível”, explica ele.
“Talvez por isso ela seja mais sensível aos distúrbios decorrentes dos ruídos. A maioria dos encalhes em massa causados por sonares de navegação em frequências intermediárias envolve baleias-bicudas, especialmente as baleias-bicudas-de-cuvier”, afirma Deaville. “Por isso, suspeito que, se elas mergulharem o mais profundamente possível, podem sofrer maior risco de vir à superfície rápido demais e enfrentar condições que podem ser problemáticas.”
A cientista Maria Morrel, da Universidade de Medicina Veterinária de Hanover, na Alemanha, estuda os ouvidos e ossos dos ouvidos de baleias com dentes que encalharam, como baleias-piloto. Ela está desenvolvendo um protocolo para avaliar a perda de audição das baleias.
Depois de estabilizado em formalina para preservar a amostra, Morrel analisa o ouvido com um microscópio eletrônico de varredura e observou que a perda das minúsculas células peludas e cicatrizes na membrana dentro do ouvido interno podem indicar perda da função auditiva. Mas ainda não se sabe exatamente como ocorreu a perda de audição, nem o que a causou.
Segundo Reidenberg, os pulsos de sonares militares agem como bombas sonoras e certas frequências podem causar a doença da descompressão. Mas ela acrescenta que a marinha norte-americana faz o melhor possível para proteger a vida marinha.
“O sonar passa por boa regulamentação, mas, em tempos de guerra, essas regulamentações são suspensas”, afirma ela. “A marinha concentra esforços extraordinários para marcar, rastrear e monitorar as baleias, a fim de protegê-las dos exercícios com sonares.”
Já as operações militares na Europa vêm sendo relacionadas à morte em massa de cetáceos.
Quando 85 toninhas-comuns encalharam ao longo de 100 km do litoral dinamarquês no intervalo de um mês em abril de 2005, determinou-se inicialmente que a captura acidental seria a causa da maior parte dos encalhes, devido às marcas de redes na pele e à perda de barbatanas da cauda dos animais. Os pescadores locais confirmaram que a captura acidental das toninhas foi muito maior que a habitual nas redes instaladas por eles para pescar peixes-lapa.
Mas investigações posteriores revelaram que havia navios militares na região naquela semana, a caminho de um enorme exercício naval.
O pesquisador de mamíferos marinhos Andrew Wright, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, concluiu que, embora não seja possível confirmar o uso de sonar, ele certamente não pode ser descartado como fator que contribuiu para o aumento das taxas de captura acidental.
Para ele, o sonar talvez resultasse em aumento da quantidade de cetáceos afastados pelo ruído em direção às redes, ou o distúrbio pode ter reduzido sua capacidade de detectar o equipamento de pesca fixo.
Como diz Deaville, “tudo isso se acumula em combinação”. O que evidencia ainda mais o problema – é impossível desassociar todos os efeitos.
A mineração em alto-mar
Pesquisas recentes indicam que a mineração em águas profundas também pode causar severas perturbações.
Os pesquisadores estimam que o ruído de apenas uma mina no leito marinho pode viajar por cerca de 500 km através da d’água, em condições de tempo favoráveis. E, em lugares onde diversas minas podem estar em operação, o efeito cumulativo da poluição sonora pode ser muito maior.
Como as companhias de mineração submarina ainda não divulgaram seus dados sobre a poluição sonora, o estudo empregou níveis de ruído de setores já avaliados, como os navios da indústria de petróleo e gás e dragas costeiras, para formar estimativas “conservadoras”. Mas especialistas afirmam que o equipamento real de mineração no leito submarino é muito maior e mais poderoso do que esses modelos.
Segundo afirma uma das autoras do estudo, a professora de acústica subaquática Christine Erbe, da Universidade Curtin, na Austrália, “estimar o ruído de equipamentos e instalações futuras é um desafio, mas não precisamos esperar que as primeiras minas estejam em operação para descobrir o ruído que elas fazem. Identificando o nível de ruído na fase de projeto de engenharia, podemos nos preparar melhor para saber qual pode ser o seu impacto sobre a vida marinha.”
No Ártico, os narvais – animais de águas profundas com um dente longo e protuberante, parecendo o chifre de um unicórnio – vivem relativamente longe da atividade humana. Mas, à medida que o gelo derrete, mais rotas de navegação estão se abrindo através da região e a exploração de petróleo e gás também está crescendo.
Cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram recentemente que, quando os narvais da Groenlândia foram expostos a pistolas de ar sísmico (instrumentos de pesquisa de petróleo e gás que produzem explosões sonoras de alta intensidade), eles imediatamente começam a mergulhar para baixo com rapidez, a partir da superfície.
Normalmente, eles deslizam para baixo, para conservar energia. Mas esta tática de fuga rápida afeta a quantidade de sangue e oxigênio em circulação no seu corpo. Ela também os afasta de outras ações, como alimentar-se, segundo dados coletados utilizando etiquetas de monitoramento.
Todos esses poluentes invisíveis precisam ser levados em consideração. Hanna Nuutila, pesquisadora de ecologia marinha da Universidade de Swansea, no País de Gales, afirma que é fundamental apreciar o efeito cumulativo de diferentes fatores de estresse e processos de interferência.
“A interferência é física, como as estruturas na água (incluindo todas as construções costeiras e em alto-mar, desde plataformas de petróleo e gás até pilares de parques eólicos, portos, marinas e estruturas de energia renovável), mas também móvel, como no caso de navios, balsas, petroleiros e cruzeiros de luxo”, afirma ela. Nuutila acrescenta que todas as fontes renováveis marinhas estão passando por escrutínio muito mais detalhado, em termos de impactos à vida selvagem, do que as indústrias do petróleo, gás e energia nuclear.
Nuutila destaca a necessidade de criar zonas de segurança demarcadas, livres da influência humana. A organização Marine Mammal Protected Areas Task Force conduz uma iniciativa global para criar exatamente isso, designando Áreas Importantes para os Mamíferos Marinhos.
Nadar em uma ‘sopa tóxica’
Substâncias tóxicas sintéticas talvez sejam uma das formas mais traiçoeiras de poluição oceânica.
Os principais responsáveis são os poluentes orgânicos persistentes (POPs), que não se decompõem facilmente e são lipofílicos, ou seja, eles adoram gordura. Eles acabam na gordura de botos, golfinhos e baleias.
Um contaminante particularmente tóxico que nos foi herdado – ele continua causando problemas décadas depois da sua proibição – é uma classe de 209 substâncias industriais conhecidas como bifenilas policloradas (PCBs, na sigla em inglês).
Inventadas nos anos 1920, as PCBs foram usadas na refrigeração de máquinas, produtos elétricos, retardantes de chama, tintas e vedantes de construções. Elas foram proibidas em todo o mundo há mais de 40 anos, mas ainda permanecem em aterros, de onde acabam saindo para invadir o ambiente marinho.
Rob Deaville explica por que as PCBs são tão preocupantes: “elas funcionam de duas formas. Elas prejudicam o sistema imunológico, de forma que [os animais] podem ter diversas doenças secundárias porque o [seu] sistema imunológico é basicamente abatido. E, mais traiçoeiramente, elas também prejudicam a reprodução, de forma que as populações com alta exposição às PCBs sofrerão queda da quantidade de nascimentos de animais jovens.”
“Uma população de baleias pode não ter filhotes por muito tempo, mesmo sendo reprodutivamente ativa”, afirma Deaville. “Isso será um sinal vermelho para nós e indicará possível exposição às PCBs.”
Em 2016, uma orca chamada Lulu foi encontrada morta no litoral da ilha de Tiree, a mais ocidental das Hébridas Interiores, na Escócia, depois de se emaranhar em uma rede de pesca.
O exame post-mortem do corpo do animal encontrou níveis extremamente altos de PCBs (100 vezes acima do limite de toxicidade para PCBs na gordura de mamíferos marinhos). Os cientistas concluíram que ela era um dos animais mais contaminados do planeta, em termos de concentração de PCBs.
E, ao examinar os seus ovários, os cientistas do programa escocês de estudos de encalhes marinhos não encontraram evidências de que, algum dia, ela tivesse sido reprodutivamente ativa.
Ao longo da vida de qualquer animal, a exposição a poluentes muda de um lugar para outro e com o passar do tempo. A exposição também atinge diferentes espécies em graus variáveis.
As orcas costumam viver mais tempo do que os botos, por exemplo. Por isso, elas têm mais tempo para acumular poluentes químicos no seu corpo. As orcas também se alimentam em um degrau mais alto da cadeia alimentar, de forma que elas comem peixes maiores e outros mamíferos marinhos que também contêm contaminantes.
Deaville explica que os POPs são armazenados na gordura. Quando o estado nutricional de um animal se deteriora, seja sazonalmente ou por consequência de doenças, esses contaminantes tóxicos são liberados para o sangue à medida que a camada de gordura diminui.
Substâncias tóxicas também são transmitidas para os filhotes através do leite. Por isso, a mãe pode inadvertidamente descarregar sua poluição tóxica para o primeiro filhote, às vezes causando sua morte.
A toxicóloga Rosie Williams, que trabalha com Deaville, descobriu em um estudo de 2021 que altos níveis de PCBs em amostras de gordura de 267 toninhas-comuns encalhadas foram associados à redução do tamanho dos testículos em animais machos. Esses poluentes têm impacto direto sobre a fertilidade e podem afetar o sucesso futuro na reprodução da espécie.
As PCBs também são conhecidas por suprimirem o sistema imunológico, de forma que animais com níveis mais altos de contaminantes também apresentam maior propensão a morrer de doenças infecciosas.
É claro que os mamíferos marinhos não são expostos a uma única substância de cada vez. Desde o seu início, em 1990, o Programa de Pesquisa de Encalhes de Cetáceos do Reino Unido realizou mais de 4 mil necropsias de botos, golfinhos e baleias e examinou uma ampla variedade de poluentes, desde o pesticida proibido DDT, amplamente conhecido, até resíduos de tintas anti-incrustantes e retardantes de chama acrescentados a tecidos.
“Um animal pode viver em uma área de pesca intensiva, com alto nível de captura acidental, com menos oferta de caça, altamente contaminada, com muito ruído e tudo isso acontecendo em conjunto ao mesmo tempo – é assim que o animal passa sua vida”, afirma Deaville. “O impacto é cumulativo. É algo complexo a ser enfrentado.”
No caso dos botos encalhados e dissecados em laboratório, a poluição química pode ter influenciado. Em alguns meses, os relatórios toxicológicos mostrarão mais sobre seu ônus químico específico. A questão, para Deaville e Williams, é observar mudanças de tendências que possam informar os políticos e alterar a forma de gestão dos poluentes.
Os plásticos também estão no alto da lista – um estudo de 2019 da Universidade de Exeter, na Inglaterra, estudou 50 mamíferos marinhos encalhados no litoral do Reino Unido e encontrou microplásticos em todos eles. Até o momento, os estudos sobre o impacto real dessas partículas de plástico sobre a sobrevivência dos cetáceos permanecem inconclusivos.
Especialistas afirmam que, em vez de lidar com uma ameaça de cada vez, os animais sofrem a pressão combinada de diversas formas de poluição no ambiente marinho.
Os mamíferos marinhos estão vivendo em uma “sopa de poluição”, segundo Deaville. Ele acrescenta que os efeitos são diferentes, dependendo da localização, profundidade, da estação ou do estágio de vida dos animais.
Grande parte dos danos e incômodos causados pela atividade humana é acidental e pode ser evitada, segundo o cineasta e escritor Tom Mustill, autor de um novo livro chamado How to Speak Whale (“Como falar ‘baleiês'”, em tradução livre).
Ele afirma que, com projetos diferentes e examinando como algo poderá prejudicar outros animais – especialmente baleias e golfinhos, que fazem uso de métodos sofisticados de comunicação -, podemos reduzir drasticamente essas consequências negativas.
Estabelecer limites de velocidade dos navios, por exemplo, pode reduzir drasticamente as colisões. Na costa leste dos Estados Unidos, propostas de introdução de “zonas de velocidade dinâmica” poderiam ajudar a proteger as ameaçadas baleias-francas-do-atlântico-norte em regiões onde esses mamíferos marinhos forem detectados.
Reduzir a velocidade dos navios faz com que os animais tenham mais tempo para adaptar sua navegação e reduzir o risco de serem atingidos pelos navios.
“Essa ciência que descobre como são as vidas sensoriais desses animais, como eles percebem o mundo e como eles se comunicam nos permite compreender como podemos afetá-los e alterar o nosso impacto. Isso pode ser transformador”, afirma Mustill.
Por mais angustiante que seja o exame post-mortem de um boto, cada encalhe evidentemente fornece aos cientistas informações valiosas sobre o modo de vida e a morte desses cetáceos e como nossas ações os prejudicam. A etapa seguinte é adaptar nossas estratégias e políticas, de forma a reduzir a poluição e proteger melhor a vida marinha e a saúde dos oceanos.
Fonte: G1