Quem é o mais necessitado? Qual é a causa primeira a que devemos dispensar todo o nosso esforço? O que vem à frente? O idoso ou a criança? O morador de rua ou o cachorro atropelado? A todo momento criamos categorias e hierarquias para que possamos identificar o “mais importante”. O ato de enquadrar e esquadrinhar tem o seu valor no método científico. É preciso fazer recortes, delimitar para entender de forma verticalizada algum objeto, mas a vida, em sua complexidade, não funciona assim.
As hierarquias começam a cumprir um desserviço quando aquilo que é importante, próximo ou do “meu” gosto se destaca sobrepujando os demais.
No modelo de organização presente na natureza, o que há são relações, contextos e interdependências. Aqui é importante a existência das minhocas, dos fitoplânctons, do caboclo ou de uma floresta. Apesar de não ser próximo de nós, nem foco do nosso amor, um fitoplâncton retira grande quantidade de CO2 da atmosfera. Que bom que biólogos ou ambientalistas lutem pela preservação do meio aquático ou pela preservação das florestas! Pensar as relações não exclui para destacar, pois cada ser tem a sua singularidade, necessidades, contribuições e direito de existir. Não seremos nós a responder quem é o mais necessitado. A necessidade é de quem sente ou padece. Não cabe ao outro dar nota, colocar, por exemplo, em uma escala de dor.
Os animais não falam e não conseguem organizar uma frase e muito menos uma petição. Eles latem, berram, esperneiam, arregalam os olhos ou ficam acuados. Os humanos, por instinto de preservação da própria espécie, tendem a considerar seu similar como o mais importante. Isto é compreensível, entretanto, somos 7 bilhões e 600 milhões de pessoas. Podemos abraçar e nos desdobrar em dezenas de milhares de causas, bandeiras ou lutas. Podemos contribuir para o aperfeiçoamento de leis que asseguram o direito à vida, à integridade física e à liberdade de todos os seres. Devemos, independentemente de existirem ou não essas leis, fazer valer pela convicção moral e ética que todo ser que vive, respira, tem sistema nervoso central, que sente dor, não deseja e não deve ser molestado, agredido ou humilhado. Que a natureza como patrimônio não pode ser agredida impunemente.
O pensamento hierárquico, próprio do antropocentrismo, nos faz pensar que estamos acima de todos. Esquecemos que somos nós que criamos a regra e não perguntamos para ninguém que está fora deste raio de compaixão.
Bendito os pés daqueles que estão dedicando parte de suas vidas para o melhoramento de algo, nem que seja da própria rua! As bandeiras estão disponíveis para que cada um pegue a sua. Ninguém dará conta de resolver todos os problemas, mas devemos olhar com bons olhos e com espírito de cooperação todos aqueles que renunciam a algo de sua vida em prol da vida dos outros, e aqui não cabe hierarquizar se é o idoso, a criança abandonada, os animais, ou quem quer que seja. Todas as causas que visam à melhoria de algo, ao retorno da dignidade de uma pessoa, à preservação de um rio ou dos direitos dos animais deveriam ser encorajadas, pois elas não são excludentes, mas se fortalecem, pois o processo civilizatório, com seus avanços e retrocessos, não pode libertar apenas alguns. É preciso ir com todos e tudo, junto e misturado, sem hierarquias, mas identificando as relações.
Dignos de louvor os médicos, enfermeiros e voluntários que estão, neste exato momento, tratando de refugiados ou de vítimas de guerra. Que bom que existem pessoas que se ocupam com a ética em relação aos animais e que denunciam e impedem as barbáries e exploração. Digno de louvor quem abriga ou dirige uma palavra para quem está caído no chão, sofrendo injustiça, doente, abandonado. Que essas pessoas do bem e da paz sejam honrados e não impedidos de realizarem sua missão.