Em um dia claro, de seu pequeno e modesto armazém na costa sul de Devon, Lance Gregory e Dave Wilson podem ver do outro lado de Plymouth Sound até o farol de Eddystone. Hoje, eles estão assistindo uma balsa da Bretanha, o Armourique, atracar na doca.
Atrás dele, a balsa traz um dispositivo de um metro de comprimento em forma de torpedo. Não parece importante, mas faz parte da pesquisa marítima global mais antiga do planeta.
O dispositivo é chamado de gravador contínuo de plâncton (GCP) e é um dos 53 dispositivos que Gregory e Wilson manobram usando empilhadeiras em seu armazém, cercados por prateleiras de caixas amarelas e pranchetas com diversas planilhas.
Eles despacham os GCPs em caixas amarelas brilhantes para balsas, navios de carga ou porta-contêineres que concordaram em ser voluntários para a missão. Depois que uma embarcação sai do porto, a tripulação conecta o dispositivo à popa (parte de trás da embarcação) usando fio de aço e o lança ao mar.
Seguindo atrás do navio, o GCP coleta dados para a pesquisa. A missão é vasta, mas o assunto é minúsculo: plâncton, os organismos microscópicos que flutuam no oceano. Todo ecossistema marinho depende do plâncton como fonte básica de alimento, além de gerar metade do oxigênio que respiramos. Talvez mais do que qualquer outro organismo, o plâncton é essencial para toda a vida em nosso planeta.
A pesquisa obtida através dos GCPs é o projeto de ciências marinhas mais antigo do gênero. Tudo começou em 1931, quando o cientista Sir Alister Hardy investigou como o arenque era influenciado pelo plâncton no mar do Norte. Neste mês, a distância percorrida alcançará impressionantes 7 milhões de milhas náuticas, o equivalente a 320 circunavegações na Terra.
Desde a primeira viagem de Hull à Alemanha, há 89 anos, o equipamento quase não mudou. Até agora, 250 mil amostras foram analisadas, representando uma grande distribuição geográfica. O imenso escopo permitiu aos cientistas ver padrões na saúde dos oceanos através do tempo e do espaço, construindo uma imagem muito mais clara de como nossos ambientes marinhos estão mudando.
É também, diz Gregory, “um dos mais antigos projetos de ciência cidadã do mundo”. Embora seja coordenada pela Marine Biological Association de Plymouth, que abriga a maior biblioteca biológica de plâncton do mundo, a pesquisa conta com a boa vontade dos navios mercantes que concordam em levar os gravadores enquanto atravessam os oceanos.
“Temos uma marinha de voluntários”, diz Wilson, “desde os operadores de guindastes até os agentes do navio e os gerentes de terminais nos portos, até os rebocadores e capitães dos navios que levam nosso equipamento”.
Ele é conhecido como o “homem do chocolate” nos portos britânicos, pois geralmente leva chocolates como presentes em forma de agradecimento aos marinheiros por sua ajuda.
“Como a maioria das tripulações e funcionários portuários se lembra da nossa equipe, é muito mais fácil resolver uma falha no mar ou uma logística complicada de entrega dos GCPs”, diz ele. “Também percebemos que, embora seja uma missão crítica para nós, para os profissionais dos portos, é um complemento – eles estão sempre sob muita pressão em alto mar”.
A Covid-19 representou a maior ameaça a essa pesquisa em 90 anos – ainda mais significante que a Segunda Guerra Mundial, dizem os organizadores – porque a logística de levar os GCPs para os portos ou trazê-los de volta é muito mais difícil com as atuais restrições de viagens.
Embora a pandemia tenha prejudicado muitas pesquisas biológicas, a pesquisa do plâncton conseguiu continuar em rotas essenciais de navegação, tendo em vista que não é necessário um conhecimento científico específico para os voluntários da tripulação. Os GCPs são projetados para serem robustos, à prova de falhas e fáceis de manusear. Como o equipamento é simples e acionado mecanicamente por uma pequena hélice que gira enquanto está no oceano, possui baixa manutenção.
A água do mar flui através de uma pequena abertura na frente; a cada 10 milhas náuticas navegadas, ele filtra três metros cúbicos de água. No interior, o plâncton é coletado entre duas camadas de seda em um rolo que se move constantemente para um carretel coletor, que fica em formaldeído para preservar a amostra. Testados por décadas, os pequenos torpedos podem ser transportados por até 500 milhas náuticas por vez; a cada 10 centímetros de seda, coleta-se uma amostra equivalente a 10 milhas náuticas.
“Registramos mais de 200 milhões de registros biológicos de espécies individuais nas amostras que analisamos”, diz David Johns, chefe da pesquisa. “Esse recurso está disponível on-line gratuitamente para todos, desde crianças em idade escolar até cientistas experts na área, os quais usam nossos dados por várias razões diferentes”.
O plâncton é definido como organismos que flutuam no oceano, incapazes de nadar contra a corrente. Por serem tão dependentes dos padrões dos oceanos, estudá-los pode nos ensinar sobre a saúde não apenas dos mares, mas do próprio planeta. Quanto mais tempo a pesquisa continuar, maior será o seu valor para prever tendências futuras – e confrontado com uma crise climática, esse poder preditivo nunca foi tão valioso.
Clare Ostle, uma das cientistas da pesquisa, analisou mais de 800 tipos diferentes de plâncton, desde o fitoplâncton vegetal – que fotossintetiza para produzir oxigênio – até os animais conhecidos coletivamente como zooplâncton, que incluem larvas de peixes e água-viva.
“Com o início da proliferação do plâncton na primavera, o momento é crítico para a coleta de amostras”, diz ela. “Muitas pessoas dependerão desses dados, pois seus próprios programas de monitoramento não podem continuar durante a pandemia. Portanto, é uma grande iniciativa para nós”.
O escopo da pesquisa evoluiu ao longo do tempo. Desde 2017, foram incluídas rotas de navegação ao longo da passagem noroeste, como resultado do derretimento do gelo no Ártico. Enquanto isso, à medida que as perguntas da pesquisa mudam e novas tecnologias entram em jogo, novos dados podem ser coletados das amostras antigas. “Tivemos pessoas que vieram até nós querendo olhar para trás no tempo, estudar a poluição plástica, por exemplo”, diz Ostle. O primeiro saco plástico completo capturado pelos registros foi gravado em 1965, e estudos desde então mostram uma quantidade crescente de detritos de plástico sendo apanhados nos GCPs.
De fato, em colaboração com o professor Richard Thompson da Universidade de Plymouth, os estudos de Ostle sobre plâncton que datam dos anos 1950 foram capazes de confirmar o aumento significativo de plásticos no oceano desde os anos 1980. Como resultado desse estudo pioneiro em 2004, Thompson cunhou o termo “microplásticos”, para fragmentos menores que 5 milímetros (e que agora são tão onipresentes que foram encontrados ingeridos por plâncton).
O estudo também fornece informações sobre a propagação de doenças. Após pessoas contrairem cólera através do consumo de ovos de peixes contaminados na costa oeste do Canadá, cientistas usaram a pesquisa de plâncton para mapear a propagação de bactérias da cólera, as quais foram encontraradas na superfície de plâncton, especialmente ovos de peixes.
O fato mais crucial que o plâncton pode nos ajudar a entender, no entanto, é como a crise climática está provavelmente afetando nossos oceanos. A distribuição variável do plâncton é um efeito mensurável do aumento da temperatura do mar. Ao estudar amostras ao longo de 30 anos, Ostle descobriu que o plâncton que vive em águas mais frias tem áreas significativamente menores onde pode se multiplicar. Enquanto isso, o plâncton que vive em águas mais quentes está se movendo para condições mais frias nos pólos.
“Isso tem grande impacto sobre os estoques de peixes, as populações de aves marinhas e muitos outros animais marinhos que se alimentam de plâncton”, diz Ostle. “O plâncton também absorve as emissões de CO2, portanto eles são um enorme coletor de carbono natural que precisamos proteger.”
“É muito importante mantermos esse conjunto de dados, pois ainda há muitas descobertas a serem feitas e histórias que ainda não foram contadas”.
Wilson e Gregory, por sua vez, estão trabalhando duro para garantir que os voluntários nos portos de todo o mundo saibam que são mais essenciais do que nunca.
Durante a pandemia, ele fez as malas, incluindo doces e revistas de mergulho ou futebol, para enviar às equipes como um agradecimento especial.
“Todos os envolvidos sabem o valor da saúde de nossos oceanos, porque esse é o seu meio de vida”, diz ele sobre os cidadãos-cientistas marinheiros que são cruciais para a missão desde 1931. “Eles têm o mar no coração. E eles realmente apreciam os chocolates”.
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