Uma situação que temos reparado nos últimos anos de militância é a intensificação de uma espécie de oportunismo político em períodos de disputas político-eleitorais, que pega carona com algumas iniciativas de “proteção animal”. ONGs, grupos “organizados”, meios diversos de divulgação pela internet, protetores “independentes” (assim autodenominados, focados principalmente nos animais domésticos urbanos), têm disseminado manifestações sobre projetos de lei voltados para aos animais, mas nem sempre voltados para a defesa de seus direitos. Essa onda de pedidos de apoio a projetos de lei, antigos e recém-criados, requer cuidadosa análise crítica por parte do Movimento de Defesa dos Direitos Animais.
Como o tema passou a ter mais repercussão na mídia, graças ao trabalho árduo e competente dos envolvidos na defesa dos animais, passou também a despertar o interesse dos políticos. Até então, geralmente os políticos não davam a mínima para assuntos relacionados aos animais, pois afinal de contas, para eles, foram eleitos por pessoas e para trabalharem para as pessoas, somente. Essa é lógica da maioria deles. No entanto, votos à vista soam como alarme disparado.
Acostumados a pegar um assunto de mídia aqui e outro ali e a saírem correndo apresentando propostas de leis, para garantir estarem à frente e conquistarem a simpatia das pessoas (pelo menos a dos envolvidos nas matérias relacionadas), muitos políticos passam a cometer alguns equívocos que estão dando muito trabalho para os defensores dos animais consertarem isso a posteriori. Até porque acabaram percebendo que ao colocarem a palavra “animal”, ou mais ainda, “a proteção animal” na redação da proposta, a grande maioria já sai divulgando e pedindo apoio, sem mesmo ter feito uma análise crítica da proposta, para ver se, de fato, são os animais os beneficiados com a lei ou se interesses outros estão embutidos na proposta, o que pode voltar-se contra os próprios animais lá na frente.
Quando falamos em Defesa dos Direitos Animais, na condição de entidades e movimentos relacionados, temos a obrigação moral de inserir todos eles nesta esfera, e não somente cães e gatos. Percebemos que muitas propostas de políticos caminham conforme a concepção fragmentada da maioria da proteção animal que, pautada em especismo eletivo¹ e no desespero e imediatismo que rege nossa sociedade, reproduz esta concepção aos políticos e estes, por sua vez, concretizam isso tudo em suas propostas de leis voltadas aos animais.
Proposta apresentada, numerada, início da análise nas Comissões, articulações para a sua aprovação até que alguém de fora descobre e solta a bomba: “temos que impedir o projeto de ser colocado para votação”. Aparecem os prós, os contras, os “teóricos”, os “práticos”, e a bicharada zonza no meio disso tudo, continua sem defesa. Enquanto isso o projeto “tramita”, como se tivesse vida própria. Dependendo das “negociações” e dos interesses envolvidos caminha mais rapidamente a tramitação, para não dar tempo de reação. Dependendo da situação é convocada uma Audiência Pública, até para dar mais visibilidade ao autor da proposta. Até porque a maioria deles não aguenta viver no anonimato: “falem mal, mas falem de mim”, parece ser a regra. Depois dá-se um jeito de sair de fininho e usar o discurso para sair “limpo”, se a proposta for alvo de críticas bem fundamentadas.
Dentro deste jogo de interesses, os pobres animais ficam no olho do furacão, tendo os seus direitos postos como moeda de troca, com vários pesos e várias medidas. A ética biocêntrica, dentro deste furacão de projetos “pró-animais” ou “pró-protetores de animais”, deve ser o farol que nos mantenha no rumo da coerência. Até que avancemos, os animais vão pagando com o próprio sofrimento e até com a vida, assistindo o nosso lento despertar.
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¹ O especismo, forma arraigada de discriminação e desvalorização da vida de todo indivíduo que não seja humano, é definido como eletivo ou afetivo por Sonia T. Felipe quando “considera importante defender os interesses de um animal, apenas quando sua figura ou forma de interação desperta no sujeito alguma simpatia, ternura ou compaixão. Na prática especista eletiva, o sujeito permanece indiferente ao sofrimento dos animais que não se incluem no âmbito de sua predileção.” Outra forma de especismo citado pela autora é o especismo elitista, que “considera os interesses de sujeitos racionais sempre mais relevantes, pelo simples fato de que os sujeitos dotados da capacidade de raciocinar são membros da espécie Homo sapiens.” (FELIPE, S. T. In: Revista Brasileira de Direito Animal. Ano 2. N.2, jan-jun, 2007, p.146)