A luta pelo reconhecimento do direito dos animais no Brasil não é nova, antecede a Constituição Federal de 1988, mas foi a partir desse diploma legal, lei máxima do país, que o Direito Animal se consolidou pois seu artigo 225, §1º, inciso VII, é dedicado a proteção dos animais, tornando essa proteção direito constitucional, assim, torna-se obrigação da coletividade e do Poder Público proteger a fauna, sendo proibida práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem extinção das espécies, submetam os animais a crueldade.
Dando materialidade a essa proibição de práticas cruéis contra os animais, em 1998, entra em vigor a Lei de Crimes ambientais, Lei nº 9.605/1998, que em seu artigo 32 passa a considerar CRIME praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
O artigo 225, §1º, inciso VII da Constituição Federal e o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais portanto são basilares para o Direito Animal.
O fato de ser proibido abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é um extraordinário ganho para os animais e através desta proibição muitas conquistas aconteceram para os animais desde a promulgação da Lei nº 9.605/1998 em virtude dessa proibição constitucional de maltratar os animais tipificada como crime na Lei de Crimes Ambientais.
Se para os animais tal legislação é um ganho, para alguns setores, ávidos por maiores lucros ainda que as custas do sofrimento animal, é uma perda pois a sanha pelo enriquecimento a qualquer custo é freada pela norma que proibindo maus tratos aos animais gera a obrigação de práticas de bem estar para os animais em atividades onde os mesmos são explorados ou até mortos o que pode implica em custos para o explorador. Para esses setores melhor seria a retirada do referido artigo 32 da legislação brasileira e esse vem sendo o risco por que passa o Direito Animal, a exemplo das alterações feitas em 12.09.2025, no Projeto de Lei nº347 de 2003.
O Projeto de Lei nº 347/2003 foi originariamente apresentado em 17.03.2003, pelo então Deputado Federal Sarney Filho para alterar a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, visando tipificar como crime a comercialização de peixe ornamental e a venda, exportação, aquisição e guarda de espécimes da fauna silvestre quando praticado de forma permanente, em grande escala, em caráter nacional ou internacional, aumentando a pena se houvesse tentativa de evitar o flagrante dentre outros. Em 03.04.2025, foi designado novo Relator, o Deputado Federal Fred Costa.
Acontece que, em 12.09.2025, foram apresentadas ao Projeto de Lei 347/2003 alterações que em parte significam retrocessos no Direito Animal. No mesmo texto onde há previsão de avanços para a proteção de animais silvestres, há alterações que significam o iminente desmonte da Lei de Crimes Ambientais.
Ao artigo 32 da Lei 9.605/1998 há a previsão de acrescer um § 3º com a seguinte redação:
“§ 3º O disposto nesse artigo não se aplica às práticas e procedimentos devidamente regulamentados pela autoridade agropecuária.”
Esse parágrafo descriminaliza as condutas tratadas no artigo 32 da Lei nº 9.605/98 com simples regulamento de autoridade agropecuária, ou seja, um imenso retrocesso na legislação de proteção animal atual. Essa alteração representa um risco de ocorrência de ato de maus tratos sem amparo legislativo para punir a conduta que venha a abusar, maltratar, ferir ou mutilar o animal caso esteja regulamentada sob simples alegação da existência do tal regulamento.
Há também a previsão de acrescer ao artigo 32 da Lei 9.605/1998 um § 4º com a seguinte redação:
“§ 4º As condutas necessárias ao manejo e controle da fauna exótica invasora nociva não configuram o crime previsto no caput deste artigo, conforme art. 37 desta Lei, sendo vedados os maus-tratos.”
Referido parágrafo 4o no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais também é um risco para os animais pois o mesmo trata das condutas necessárias ao manejo e controle da fauna que eles classificam de exótica, invasora, nociva, afirmando que tais condutas não configuram o crime previsto no caput do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais ou seja: o parágrafo 4o significa a liberdade para fazer sofrer, machucar, mutilar o animal, sob o argumento de que se estava manejando, praticando condutas necessárias para controlar a fauna considerada invasora, nociva.
Há também a previsão de acrescer na Lei 9.605/1998 um parágrafo 3o de um artigo 29-A com a seguinte redação:
“§ 3º As disposições deste artigo não se aplicam ao manejo e controle da fauna exótica invasora nociva realizado conforme legislação vigente.”
Tal parágrafo 3o do artigo 29-A na Lei 9.605/1998 também precisa ser retirado pois ocorre que o artigo 29- A traz um imenso rol de ações criminosas contra os animais passíveis de pena mas no fim na alteração que foi feita no referido Projeto de Lei 347 colocaram o parágrafo 3o livrando os agentes das ações criminosas elencadas no 29-A para manejo e controle de fauna exótica invasores nocivos ou seja: mais uma enorme brecha contra os animais considerados exóticos invasora nociva (observando que essas características são dadas por autoridades a animais por conveniência), por exemplo, pelo artigo 29-A, entre outros, nos casos do artigo 29-A, não pode extrair pele, pena, dentes, patas ou outras partes do animal para a confecção de produtos de vestuário ou de decoração, remédios populares, artefatos artísticos, religiosos ou similares MAS o parágrafo 3o do mesmo artigo 29-A retira essa proteção dos animais ditos exóticos invasores nocivos .é uma enorme brecha. Toda proteção que está elencada no 29-A, e é muita coisa, não se aplica para os considerados animais exóticos invasores nocivos.
O mesmo pode-se dizer do acréscimo na Lei 9.605/1998 de um parágrafo 7o no artigo 29 com a seguinte redação:
“§ 7º As disposições deste artigo não se aplicam ao manejo e controle da fauna exótica invasora nociva realizado conforme legislação vigente”
Na prática, também cria uma brecha pois o artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais contém um rol da ações configuradas como maus tratos que passarão a não ser crime quando se tratar de manejo e controle de fauna considerada exótica invasora nociva, o dispositivo permite que animais sofram maus-tratos, sejam feridos ou mutilados, sob o argumento de manejo ou controle de espécies consideradas invasoras ou nocivas.
É urgente, assim, retirar do Projeto de Lei 347/2003 o parágrafo 3o no artigo 32; o parágrafo 4o no artigo 32; o parágrafo 3o do artigo 29-A e o parágrafo 7o no artigo 29.
E não é só. Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 519/2021 do Senador Jorge Kajuru proposto em 22.02.2021 para alterar a Lei nº 9.605/1998 para agravar a pena cominada ao crime de maus-tratos a animais, mas que sofreu alteração para retirar do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais os animais ditos de produção, ou seja, é a autorização para pratica de maus tratos que nesse caso deixa de ser crime, com o seguinte texto:
“Art. 32. ………………………………………………………………………….
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa, além da
proibição da guarda.
1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa
ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos,
quando existirem recursos alternativos.
2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre a
morte do animal ou se o agente for seu tutor ou proprietário.
3º O disposto neste artigo não se aplica às práticas e procedimentos regulamentados no âmbito das atividades agropecuárias, quando realizados em animais de produção.”
Fato é que há iminente risco de retrocesso no Direito Animal diante de projetos de lei que começam como texto visando ampliar direitos dos animais mas sofrem alterações. Há verdadeiro risco desmonte do arcabouço legislativo de proteção animal vigente.