Jurandir Bezerra trabalhou por quase 15 anos em uma propriedade de gado leiteiro em Paranavaí, no Noroeste do Paraná. A sua função? Descartar bezerros. Jurandir era o homem a quem chamavam quando nascia bezerro macho na Fazenda Estância Nova e em algumas outras da região.
“Não podia demorar pra descartar. Na verdade, a gente ‘descartava’ já no primeiro dia. Às vezes, dava pra ir além, mas foi assim por muito tempo, e acredito que continua sendo em muitas fazendas”, diz Jurandir, acrescentando que hoje é “preciso camuflar as coisas” por causa da defesa do chamado “bem-estar animal”.
“Você matava como queria, e não acho que agora seja realmente diferente. A diferença na verdade é que hoje o produtor se preocupa mais com a exposição, não exatamente com o animal. O coitado do bicho ainda morre.”
Jurandir relata que às vezes ligava para alguns conhecidos perguntando se queriam cuidar dos bezerros, para evitar de matar. Mas quem ele conhecia não ansiava por tal responsabilidade – era macho, carne “sem grande potencial” e “criar por criar” não agradava ninguém que ele conhecia.
“Nem os chamados protetores de animais. Conheci muitos que achavam que bicho era só gato e cachorro. Mas se falasse de cuidar de um bezerro, daí poderia matar”, comenta.
Frisa também que não poderiam esperar boa vontade. “Pergunte a qualquer produtor de leite se compensa manter um bezerro vivo. Todos ou quase todos dirão que não, porque bezerro macho é um gasto. Quando ele nasce, a primeira coisa que pensam é em se livrar dele. O dono do animal já começa lamentando o prejuízo da reprodução – o dinheiro que está perdendo por não ser fêmea.”
E matavam mesmo. Jurandir perdeu as contas de quantos filhotes afastou das vacas para degolar em um barracão que recebeu apelido de “Jardim de Infância”. “Já cheguei a matar mais de 20 em um dia. Eu colocava uma vedação no bezerro, que eu levava sempre no bolso, pra ele não me olhar, e o deitava com os pés amarrados.”
A insensibilização chegava só com a morte, quando o animal já não se debatia. “A gente sabia que a morte encostava assim que os pés torcidos do bezerro faziam silêncio. Arrastava um pra fora e trazia outro – ia amontoando e jogando sobre a carroceria e levando pra um lugar chamado de ‘Farinheira’. Não me pergunte o que isso significa porque eu não saberia dizer”, antecipa.
Questionado se sente remorso pelos bezerros que matou, ele responde que é um “sintoma desgraçado de um tempo que ainda resiste, embora não devesse”. “Tão matando bezerro agora, enquanto você me pergunta isso. Não tenho orgulho de matar qualquer animal, nunca tive. Ter orgulho de matar alguém não parece uma coisa saudável, certo? Ainda mais quem não quer morrer. E quem quer morrer?”, questiona.
Jurandir Bezerra defende que a vida é uma roda que gira, pra frente ou pra trás. “Deixei de matar bezerro há tempo, um tempo considerável, mas outros fazem isso hoje, e matam mais. Mata-se muito mais que antes. Leite eu já não bebia, mas fui perdendo a vontade de comer carne, mas não me pergunte por que, acho que não saberia dizer.”
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