Por Leandro Ditzel
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Hoje pela manhã, o sol nasceu belo e vigoroso. Seus raios vieram como um sopro de vida e aconchego, que aqueceram o meu corpinho e aliviaram um pouco o meu sofrimento por causa de uma gélida e interminável noite que enfrentei. Não havia como parar de tremer, exposto ao vento cortante que penetrava através das minhas frágeis peninhas.
Nessa noite, fiquei praticamente o tempo todo acordado e com uma fome que doía o meu papinho. Eu estava em uma das poucas árvores, que ainda restam na região, olhando para uma casa que estava bem próxima a mim. Através dos vidros da janela embaçada pelo frio e pelas cortinas entreabertas, dava para ver pessoas felizes, bem agasalhadas e sorridentes, sentadas em um confortável sofá, comendo alguma coisa que parecia ser deliciosa. Eu imaginava que aquilo que comiam era muito bom, mas, a mim restava apenas imaginar como seria o gosto daquela comida, enquanto minha fome insistia em me lembrar que eu teria uma luta pela busca de algum alimento em forma de migalhas, assim que o dia amanhecesse.Talvez na tentativa de esquecer o meu sofrimento causado pelo frio e pela fome, eu não parei de olhar para a movimentação dentro daquela casa. Pude perceber os chinelos de pelo, que imagino serem quentinhos, e aquelas pessoas diante de uma bonita lareira, se aquecendo com o fogo que deveria fazer com que elas não sentissem o mesmo frio que me atormentava aqui fora. O fogo e a lenha lá dentro fazem eu me lembrar que, dias atrás, eu havia perdido a árvore que eu e minha família morávamos há poucos metros daqui, e que aquele homem, que sorri dentro daquela casa, cortou a nossa casinha, e a picou em vários pedaços. Hoje, eu pude ver aquilo que um dia foi a minha casa alimentando o fogo, para que aquelas pessoas não passem frio em uma noite tão fria como essa, que faz as minhas asinhas doerem, quase que congeladas.
Defronte a um objeto quadrado, que ouvi dizer que chamam de televisão, aquelas pessoas riam e se emocionavam diante de imagens ou outras realidades distantes, enquanto eu chorava em silêncio ao lembrar que, na minha realidade, terei mais alguns meses de frio intenso nas intermináveis noites.
Vi uma daquelas pessoas tomando um líquido fumegante, que imagino ser o que chamam de “chá quentinho”. Como aquele chá quentinho poderia ser reconfortante para um ser como eu numa noite como essa?
Mas, ao voltar à minha realidade, lembro-me que, pela manhã, terei que procurar por uma poça d’água suja e congelada, para que eu possa matar a minha sede e continuar a minha luta pela sobrevivência. Quem sabe, eu tenha a sorte de encontrar um ser bondoso que pense em nosso sofrimento e coloque água e um pouco de comida para que nós, pássaros, herdeiros passivos da devastação causada pelos seres humanos, possamos ter o que beber e o que comer! Mas, isso só saberei assim que o tão esperado sol aponte no horizonte pela manhã.
Quando já eram altas horas da noite, talvez madrugada, pude ver que as casas começaram a apagar as suas luzes e, quando isso ocorreu, sabia, pela minha experiência, que teria ainda um longo período de frio e escuridão.
Por outra janela, olhava atento, com os meus olhinhos gelados, que as pessoas se deitavam em camas macias e se cobriam com cobertores, os quais eu imaginava serem gostosos para se dormir tranquilamente.
As luzes se apagaram e, em meus pensamentos, desejei carinhosamente a todos aqueles que estavam dentro daquela casa, bons sonhos.
Os sons da coruja e dos gatos me apavoravam, mas vivo na esperança de sempre, de que tudo estará bem pela manhã.
Quero dizer que, eu e todos os pássaros, gostamos muito dos seres humanos, apesar de apenas alguns poucos deles gostarem de nós e que, apesar das diferenças entre eles e nós, todos temos uma luta para sobreviver em um mesmo mundo, dividindo o mesmo espaço.
A mim, restava sonhar com o dia que demorava a chegar e, sonhava ainda, em não ver nenhum amiguinho meu morrer nessa noite com o frio que se fazia impiedoso, e para que nenhum ser malvado o maltratasse ou o apedrejasse por motivo nenhum assim que o dia despontasse.
Não peço para que vocês, seres humanos, recolham meus amiguinhos e eu para dentro das suas casas, pois queremos viver a nossa liberdade. Peço, porém, que nos respeitem, nos protejam, mantenham as matas intactas e, se possível, deixem um pouco de água e comida no jardim ou no quintal, e também um cantinho debaixo do beiral do seu telhado para nos confortar um pouco do sofrimento que temos em dias de frio, pois, assim como vocês, sentimos frio, fome, dores e temos sentimentos.
Assinado: Passarinho