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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O degelo não ameaça só ursos-polares, toda a fauna dos polos está em perigo

Os ursos-polares são dos animais mais afectados pela perda de massas de gelo do Árctico, mas não são os únicos. O aumento da temperatura perturba o equilíbrio de todo o ecossistema e toda a fauna polar é ameaçada, mesmo que de forma imperceptível.

8 de fevereiro de 2025
Sergi Alcalde
6 min. de leitura
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Foto: Shutterstock

O urso-polar (Ursus maritimus) não consegue sobreviver sem gelo. Por isso, a perda do banco de gelo provocada pelo aumento das temperaturas pode tornar-se uma armadilha mortal para este animal, um dos poucos que não hiberna. Contudo, não é a única espécie afectada por este acontecimento. Em ecossistemas tão frágeis como os polares, o aumento da temperatura está a provocar estragos na fauna – e não apenas na marinha.

Ursos-polares, os grandes prejudicados

O maior carnívoro terrestre do mundo tem tudo a perder devido ao aumento da temperatura no Árctico. Estes enormes plantígrados, que podem atingir 800 quilogramas, dependem do gelo marinho para viajar, caçar e acasalar. À medida que este diminui, são obrigados a percorrer mais quilómetros para se alimentarem, o que os obriga a deambular por terra firme, aumentando assim as probabilidades de contato com os seres humanos.

Esse esforço adicional causa uma maior perda de energia que, por vezes, é fatal. Até podem sofrer lesões mortais, como recentemente constatado por um estudo da Universidade de Washington, que encontrou uma correlação estreita entre a mudança no ponto de congelação do gelo marinho e problemas como perda de peso e o aparecimento de úlceras ou cortes na pele.

Como se isso não fosse suficiente, havendo menos gelo, há menos alimento disponível, logo maiores probabilidades de desnutrição, sobretudo nas crias. A situação é tão grave que algumas associações de conservação, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), afirmam que, poderemos perder até 30 por cento dos ursos-polares do planeta até 2050. Outros investigadores, como Ian Stirling, da Universidade de Alberta, dizem ser pouco provável que o urso-polar consiga sobreviver no seu habitat natural a longo prazo, podendo ser substituído por outros predadores, como as orcas.

Morsas, uma adaptação difícil

O degelo está fazendo com que algumas morsas, como as que vivem no mar de Chukchi, entre os EUA e a Rússia, tenham de passar longas temporadas em terra. À semelhança do que está a acontecer com os ursos-polares, isto aumenta consideravelmente a distância que têm de percorrer e as calorias que despendem para se alimentarem, algo que lhes provoca um estresse acumulado do qual, por vezes, é difícil sair.

Estes animais não podem viver sem gelo marinho. Por exemplo, dão à luz na banquisa no início da Primavera e acasalam junto às massas de gelo que andam à deriva. Além disso, também usam o gelo flutuante para descansar, seja temporariamente ou durante todo o ano, como refúgio em caso de tempestade ou para escapar dos predadores. A perda de gelo marinho é, por conseguinte, uma ameaça muito grave para os animais marinhos que se adaptaram ao seu habitat natural há centenas de milhares de anos.

Narvais, estresse sob o gelo

No passado, os narvais demonstraram uma extraordinária capacidade de adaptação. Estes mamíferos marinhos, que se separaram das belugas há entre dois e três milhões de anos, passaram por uma mudança evolutiva brusca em algum momento do Pleistocénico tardio, há cerca de 500.000 anos, período no qual a temperatura e o clima mudaram drasticamente e no qual se sucederam vários períodos glaciares e interglaciares.Os narvais sobreviveram, mas outros grandes mamíferos, como os mamutes ou os tigres-de-dentes-de-sabre, não tiveram a mesma sorte.

Estes animais mantêm uma relação muito estreita com o gelo marinho há milhares de anos,de tal forma que organizam o seu ciclo anual em função da camada de gelo: passam o Verão em zonas sem gelo, mas, no Inverno, preferem zonas em alto-mar cobertas por uma extensa camada de gelo marinho, uma vez que este não é uma barreira para a enorme presa destes mamíferos.

Uma perda drástica do gelo poderá ameaçar seriamente o seu sustento, pois pode estar correlacionada com uma diminuição considerável das suas capturas, uma vez que os narvais costumam alimentar-se durante o Inverno, após a migração para norte, não o fazendo nas temporadas estivais, quando o gelo escasseia. Por outras palavras, quanto maior o degelo, menos o alimento e menor a capacidade de voltar a migrar para as zonas de Inverno.Uma armadilha perigosa para o narval.

O degelo também está a exercer outro efeito indesejado sobre estes mamíferos marinhos: está a aumentar consideravelmente os seus níveis de stress devido ao aumento do tráfego marítimo causado pela abertura de novas vias navegáveis. Este fenómeno foi constatado por uma equipa de cientistas liderada pela bióloga marinha Mads Peter Heide-Jørgensen, do Instituto de Recursos Naturais de Nuuk, após uma extensa investigação que inferiu que o medo do ruído das embarcações estava ‘a paralisar estes animais’, diminuindo o seu ritmo cardíaco – algo muito contraproducente para uma espécie que precisa que o seu coração bombeie depressa para aumentar o aporte de oxigénio.

Raposa do árctico: vítima de uma tundra menos habitável

Presente em todas as regiões polares, a raposa do Árctico é uma espécie que depende da tundra. Embora a sua viabilidade não se encontre ameaçada, está estreitamente ligada às populações de roedores dos quais se alimenta, como os ratos-do-campo e os lemingues, uns pequenos roedores endémicos da tundra árctica, cujas populações flutuam em função das condições ambientais.

Durante o Inverno, a espessa camada de gelo protege estes roedores, que permanecem activos sob o seu manto.No entanto, à medida que a estação se torna mais branda, o degelo e as cheias aumentam e a capacidade de sobrevivência destes animais diminui. Além disso, os Invernos cada vez mais quentes modificam substancialmente as condições ambientais de tundra.

Por conseguinte, as espécies meridionais que não conseguiam enfrentar os duros Invernos destes ecossistemas, estão agora a deslocar-se para norte, aumentando a concorrência pelos recursos e a probabilidade de disseminação de doenças que poderão ser mortais para espécies radicadas na tundra, como é o caso da raposa do Árctico.

Mudanças nas algas unicelulares e em toda a cadeia alimentar

Por fim, não devemos subestimar as alterações profundas que a perda da camada de gelo provoca naquilo que não se vê: os organismos unicelulares. Entre eles, destacam-se as algas fotossintéticas que vivem sob o gelo e proliferam na Primavera, quando a luz do Sol regressa. As alterações na magnitude e periodicidade destas algas provocadas por um desaparecimento mais rápido e precoce do gelo invernal podem ter consequências drásticas no ciclo de vida de umas criaturas igualmente diminutas, mas não invisíveis: os copépodes, uns crustáceos pequenos, mas não microscópicos, que são uma fonte de alimento essencial para grande parte da fauna marinha.

Considerados os artrópodes mais abundantes do planeta, os copépodes alimentam-se destas algas e são o principal alimento de diversas aves marinhas, bem como do bacalhau do Árctico ou das baleias da Gronelândia, entre outras espécies.

Para mamíferos marinhos como o urso-polar ou a morsa do Pacífico, a perda de centenas de milhares de quilómetros quadrados de gelo marinho devido ao aumento da temperatura poderá ter consequências mais do que desastrosas.

Fonte: National Geographic Portugal

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