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O caso Instituto Royal: a maior ação de resgate de Beagles explorados em laboratório de testes do mundo

18 de outubro de 2024
Redação
14 min. de leitura
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Foto: Arquivo Pessoal

Há exatos 11 anos, em 18 de outubro de 2013, o resgate de cerca de 200 cães Beagles e coelhos do Instituto Royal, em São Roque, São Paulo, tornou-se um marco na história do ativismo animal brasileiro, gerando repercussão nacional e internacional. O caso, que envolveu uma ação direta inédita e corajosa de mulheres ativistas, começou anos antes dos resgates e desencadeou mudanças significativas na legislação sobre a experimentação animal no Brasil.

O começo da luta

A história teve início dois anos antes dos resgates, quando a empresária e ativista em defesa dos direitos animais, Adriana Khouri, recebeu uma grave denúncia sobre choros e uivos de cães que vinham de um terreno em São Roque, no interior de São Paulo. No local, segundo informações, havia uma placa com o nome Sítio Mailasqui (referência a um distrito do município de São Roque, que integra a Região Metropolitana de Sorocaba, no interior do estado de São Paulo). Tudo indicava ser apenas uma propriedade rural, sem qualquer menção de que se tratava de um biotério e laboratório.

Khouri convidou Adriana Greco, Leandra Jones, Jane Santos e Soraia Lopes para juntas investigarem mais minuciosamente o local denunciado. Dias depois, as ativistas descobriram que o lugar era, na verdade, um laboratório que explorava animais em testes. Imediatamente solicitaram às autoridades competentes que fosse feita uma vistoria. O resultado do pedido revelou inúmeras irregularidades, incluindo problemas nos documentos e ausência de autorização para funcionamento.

Nova etapa: ingresso no tribunal

Começava então uma nova fase da luta, marcada por uma batalha judicial que visava responsabilizar a instituição pelas irregularidades e assegurar que o local fosse fechado. As denúncias das ativistas eram graves. Além de operar sem licença por um longo período, o laboratório havia recebido verbas públicas durante anos, enquanto suas práticas e estrutura não eram submetidas à devida fiscalização. A expectativa do grupo era de que, com as provas apresentadas, a Justiça agisse de forma célere, determinando a suspensão das atividades do laboratório e investigando o uso dos recursos públicos.

Contudo, a realidade se mostrou diferente. O processo judicial avançou lentamente, com decisões proteladas. A lentidão judicial foi recebida com indignação pelos ativistas, que compreendia na demora um sinal de desinteresse das autoridades em lidar com o problema. “É desanimador ver que mesmo com tantas provas de que o local atuou fora da lei por anos, ainda enfrentávamos essa morosidade”, explicou Adriana Khouri.

A luta continua

Em meio a um processo na justiça, um ato foi organizado, com uma carreata que saiu de São Paulo e seguiu até São Roque, a 70 km. Apesar da expressividade do evento, mais uma vez, os esforços foram ignorados.

Novamente, em 22 de setembro de 2013, as ativistas pela libertação animal se reuniram para mais uma manifestação em frente ao laboratório de testes em animais. A ação começou na Avenida Paulista, a principal e mais icônica da capital paulista, de onde partiram diversas vans em direção ao local do protesto, reunindo manifestantes determinados a denunciar as práticas da instituição e exigir mudanças.

Ao chegarem ao laboratório, se depararam com uma tropa de choque posicionada na área do instituto. O contingente, fortemente armado e preparado para confronto, transmitia um recado claro: qualquer tentativa de aproximação seria reprimida com força.

A presença da tropa de choque era um procedimento exagerado, desproporcional à natureza do ato e com um propósito claramente intimidador. A intenção parecia ser a de criar um ambiente de tensão e desestimular qualquer manifestação, tentando transformar uma mobilização pacífica em um potencial cenário de confronto.

Foto: Arquivo Pessoal

Sem conflitos, o protesto ganhou ainda mais força quando elas receberam informações de que a licença de funcionamento do laboratório havia sido regularizada apenas naquele mês, embora o local estivesse operando por anos sem a devida autorização. Segundo relatos, durante esse período de irregularidade, a instituição continuou inclusive a receber verbas públicas, o que gerou ainda mais indignação entre os manifestantes.

Apesar da grande mobilização, o ato não trouxe os resultados esperados. “Mais uma vez, fomos ignorados. Nenhuma providência foi tomada pelas autoridades, e a situação permaneceu inalterada”, lamentou Adriana Greco.

“A nossa manifestação refletia a frustração com a falta de fiscalização e de respostas concretas por parte das autoridades. Pedíamos apenas transparência e decisões, mas nada evoluía completou Greco.

Planejamento secreto e ação direta

Por semanas, em reuniões sigilosas realizadas em locais cuidadosamente escolhidos para garantir a discrição, as cinco ativistas arquitetaram um plano que prometia ser ousado e impactante. O objetivo era claro: libertar os animais e atrair a atenção para uma causa urgente. Uma questão que até então vinha sendo ignorada pelas autoridades e pela grande mídia.

A frustração crescente das ativistas diante da falta de resposta e do silêncio das autoridades culminou na decisão de realizar uma ação direta, sugerida por Jane Santos. Considerada por elas como a única forma de romper com a inércia e chamar a atenção da sociedade.

Cada detalhe foi meticulosamente planejado. Desde a definição dos papéis de cada participante até os possíveis cenários adversos, passando pelas estratégias de comunicação para garantir que, assim que a ação fosse desencadeada, o mundo inteiro fosse informado. Antes do ato, o grupo enviou mensagens codificadas, através das redes sociais, para ativistas em outros países, preparando-os para amplificar a notícia. Confeccionaram banners que expressavam suas reivindicações de maneira clara e contundente e redigiram uma carta na qual especificaram suas demandas e as razões que justificavam cada uma delas.

“Até que todo plano fosse executado, houve várias reuniões entre todos os participantes, pois havia também o suporte de ativistas que não estariam presentes diretamente na ação, mas faziam parte de uma rede de apoio externo – antes, durante e depois do ato -, acionados principalmente para a comunicação, que era um ponto-chave para os objetivos da ação, lembra Leandra Jones, que redigiu a carta de reivindicações e integrava o grupo de ativistas nesta atividade.”

No silêncio da noite

Foto: Arquivo Pessoal

Na madrugada do sábado, dia 12 de outubro de 2013, Adriana Greco, Soraia Lopes, Jane Santos junto com Joyce Félix e Rafael Nascimento chegaram ao Instituto Royal, com “o coração na boca e sangue nos olhos”.

Com uma lona apoiada no chão em frente à entrada principal do laboratório, os manifestantes formaram uma corrente humana, acorrentando-se uns aos outros e ao portão que dava acesso ao prédio. A cena era de determinação e resistência: eles se prepararam para uma longa permanência, com mochilas contendo suprimentos básicos como água, alimentos não perecíveis. A estratégia era clara: bloquear o acesso ao laboratório e atrair atenção para a causa, permanecendo pelo tempo que fosse necessário para que suas reivindicações fossem ouvidas.

E tudo saiu conforme o planejado. O caso ganhou espaço nos principais veículos da imprensa tradicional e, em especial na ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais), que numa cobertura intensa e profissional, em um único dia, publicou mais de 20 matérias sobre a ação no Instituto Royal.

A inquietação aumenta

A tensão se elevou na entrada do Instituto Royal quando a gerente geral, Silvia Ortiz, abordou os manifestantes para informar que eles não poderiam entrar nas instalações e

verificar as condições dos animais, alegando motivos sanitários. A justificativa, porém, foi recebida pelos ativistas como mais uma desculpa, mostrando uma nova etapa de obstrução e falta de transparência por parte do Instituto.

A presença de viaturas policiais tornou-se constante no local, mas, segundo relatos, os agentes mantiveram uma postura cordial, parecendo estar ali mais para garantir a segurança dos manifestantes do que para confrontá-los, protegendo também a integridade das instalações do laboratório alvo do protesto.

Cresce a tensão

No domingo, 13 de outubro, alguns manifestantes que estavam acorrentados no portão do Instituto Royal precisaram retornar a São Paulo devido a compromissos de trabalho. Foi então que Adriana Khouri se juntou a Adriana Greco e decidiram, em um ato extremo, dar início a uma greve de fome como forma de aumentar a pressão e exigir respostas rápidas e concretas.

Passaram-se alguns dias, Khouri e Greco, apesar do cansaço evidente, mantinham-se firmes e inabaláveis, presas ao portão de entrada do Instituto Royal. A determinação das ativistas era quase palpável. Elas estavam dispostas a enfrentar qualquer obstáculo que pudesse surgir, convencidas de que suas ações poderiam fazer a diferença na vida dos animais sob a tutela da instituição.

Foto: Arquivo Pessoal

Com a imensa repercussão, as negociações entre elas e as autoridades locais se intensificaram, envolvendo diálogos diretos com vereadores que, em um gesto de apoio, disponibilizaram uma ambulância para oferecer assistência ao grupo. Além disso, os parlamentares facilitaram o acesso dos manifestantes à Câmara Municipal, onde as ativistas tiveram a oportunidade de apresentar suas reivindicações e discutir a situação com representantes do legislativo.

O prefeito de São Roque à época, recebeu Khouri e Greco no gabinete, o que renovou, ainda que brevemente, as esperanças de um desfecho positivo. Mas apesar dos esforços e das promessas no diálogo, as negociações não resultaram em nenhuma medida efetiva, deixando as demandas do movimento sem resposta e frustrando as expectativas de uma solução definitiva.

Enquanto isso, nas redes sociais, a ação ganhava força, com Leandra e Jane nos bastidores coordenando a divulgação da ação, o que atraiu cada vez mais atenção à manifestação.

Risco de morte dos animais

Em 17 de outubro, véspera do dia da invasão, uma movimentação estranha foi notada dentro do Instituto Royal. Havia menos funcionários, mas vans entravam e saíam do local com freqüência e em alta velocidade. Khouri recebeu um telefonema de um suposto funcionário, informando que os animais aprisionados para testes no laboratório seriam sacrificados e que os corpos seriam escondidos.

Diante da possibilidade iminente, as duas ativistas, apreensivas, fortaleceram os pedidos de ajuda por meio das redes sociais. A notícia se espalhou rapidamente, e ao final da tarde, dezenas de pessoas, inclusive políticos e celebridades, começaram a chegar ao local, junto com a imprensa.  Durante a noite, os latidos e gritos dos cães tornaram-se ainda mais intensos, levando os manifestantes a acreditarem que os animais estavam sendo torturados.

Foto: Arquivo Pessoal

A invasão e o resgate histórico

Diante das informações anônimas e dos latidos e gritos aterrorizantes dos cães, nas primeiras horas do dia 18 de outubro, as ativistas decidiram entrar no Instituto Royal. Assim que a informação se espalhou, todos os manifestantes se dirigiram à entrada principal. Muitos decidiram invadir a propriedade, iniciando assim o resgate dos animais, que foi uma operação rápida e organizada.

Os ativistas formaram uma fila para passar os animais de mão em mão, até que eles fossem retirados do biotério e do laboratório. O portão principal foi arrombado, facilitando a saída dos cães. A polícia acompanhou o ato e prestou suporte, garantindo que não houvesse confrontos.

“Eu fui a última a deixar o local, por volta das 9h da manhã do dia 18 de outubro. Durante a ação, aproximadamente 200 Beagles e alguns coelhos foram resgatados, enquanto os ratos de laboratório foram retirados posteriormente por outro grupo de ativistas, que também luta pela abolição da exploração animal,” afirmou Greco.

E continua, “a realização dessa ação com todas elas foi uma experiência extraordinária. Sinto um profundo orgulho pelo que conseguimos, pelos resultados obtidos e pela felicidade em ajudar a resgatar animais que estavam sendo torturados. Inclusive, um dos resgatados é o meu Beagle Luigi, que tem enormes orelhas e um jeito carinhoso e adorável. Não há justificativa para infligir tanta dor e sofrimento a seres tão maravilhosos, especialmente sabendo que os testes podem ser substituídos”.

Um novo começo

Foto: Arquivo Pessoal

Após o resgate, os 200 Beagles encontrados no Instituto Royal foram adotados por famílias conscientes e amorosas, e puderam experimentar pela primeira vez o calor e a segurança de um lar e o carinho e o cuidado de pessoas. Infelizmente, todos eles carregavam as marcas físicas (doenças e distúrbios) e psicológicas (traumas, ansiedade, medo, depressão etc.) dos terríveis abusos sofridos durante os experimentos, em anos de sofrimento intensivo.

Embora a maioria já tenha falecido, alguns ainda estão vivos, incluindo uma Beagle, chamada Pipeta, que estava grávida e deu à luz a cinco filhotes um mês depois de ser libertada. A história é um símbolo de esperança e resistência, mostrando a força da vida mesmo diante das piores adversidades.

Os coelhos e os ratinhos resgatados foram encaminhados para quatro ONGs de proteção animal e viveram com muito amor e felizes até o fim da vida.

Repercussão e impacto na legislação

Após o resgate histórico, o Instituto Royal fechou as portas em São Roque, embora uma filial no Rio Grande do Sul tenha continuado a realizar testes in vitro.

As consequências do ato transcenderam o fechamento do biotério. Jane Santos e Soraia Lopes conseguiram entregar publicamente um manifesto ao então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, solicitando a proibição de testes em animais no Estado. Essa mobilização resultou na aprovação de uma lei antitestes, que se configura como um marco significativo na luta contra a vivisseção e para o movimento de direitos animais no Brasil e na luta contra a vivisseção.

O Legado

Foto: Arquivo Pessoal

O caso do Instituto Royal alcançou repercussão global, e foi reconhecido como a maior ação ativista do mundo no ano de 2013 e a libertação dos Beagles de laboratório  continua sendo o maior resgate do mundo. No início das manifestações e negociações, as ativistas não contaram com o apoio de celebridades ou figuras políticas, mas conseguiram mobilizar um número expressivo de apoiadores engajados na causa.

“Ter o privilégio de participar da ação no Instituto Royal foi como ter cumprido um projeto de vida, mesmo sem saber, pois foi o dia mais pleno da minha vida. E na sequência dos fatos, pude na reunião com o Governado na época, Geraldo Alckmin compondo a mesa de ativistas, defender a sanção da lei pelo fim dos testes em animais também como empresária do setor, fabricando cosméticos sabia que de fato isto não era mais necessário. Neste ciclo mágico hoje, 11 anos depois vemos cada vez mais empresas e marcas pontuando muito bem em suas embalagens e marketing que não só não testam em animais como retiraram os ingredientes animais das formulações. Empresas grandes ou pequenas de toda espécie de cosmético, desde esmalte, desodorante, produtos para a pele, cabelos, maquiagem, pasta de dentes anunciam que são livres de crueldade. E anterior ao Instituto Royal isto não existia”, contou emocionada Adriana Khouri.

A ação organizada por Adriana Khouri, Adriana Greco, Leandra Jones, Jane Santos, Soraia Lopes, ativistas comprometidas com a libertação animal, foi a maior já realizada no país. Elas dedicaram tempo e esforços unicamente com a intenção de salvar vidas, sem qualquer outro interesse. A entrega foi total, guiada pelo princípio de que cada vida importa e de que todos os seres têm o direito de viver em liberdade e sem sofrimento. A ação é um exemplo de ativismo genuíno, no qual a prioridade absoluta é a proteção e o bem-estar dos animais, colocando a ética e a compaixão como valores para atingir os objetivos.

“Somos a prova viva, que a união de pessoas que realmente lutam pela libertação animal, sem interesses e com coragem e amor, podem alcançar resultados, que levariam décadas, no despertar da consciência humana”, afirmou Jane Santos.

O caso do Instituto Royal mudou a percepção do Brasil em relação aos cruéis experimentos em animais. Com o apoio de uma ampla rede de pessoas, as ativistas provaram que a união e a determinação podem romper barreiras gigantescas e promover mudanças profundas. O resgate dos Beagles, coelhos e ratinhos no Instituto Royal permanece como um símbolo de luta e resistência, inspirando novas gerações de ativistas a continuarem a defesa dos direitos animais com bravura e paixão.

A esperança é que toda forma de exploração e crueldade seja definitivamente abolida, abrindo caminho para uma sociedade mais justa, empática e harmônica entre animais humanos e não humanos. A luta por esse reconhecimento é um passo importante para a construção de um futuro em que o respeito à vida prevalece sobre o lucro e a indiferença. Pelos animais, pela natureza!

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