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ESTUDO

O aquecimento no inverno e os eventos extremos de chuva representam uma ameaça negligenciada à vida no Ártico

2 de maio de 2025
Elizabeth Devitt
6 min. de leitura
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Foto: Joel Berger/Wildlife Conservation Society

Está bem estabelecido que a pressão lenta e incremental do aumento das temperaturas está mudando a paisagem do Ártico, ameaçando a sobrevivência de plantas e animais adaptados a esse ecossistema único. Menos observados são os “pulsos” de clima extremo de curta duração — outro produto das mudanças climáticas — que podem causar danos duradouros à vida selvagem e à vegetação adaptadas ao clima frio.

Antes considerados eventos raros, um novo estudo mostra que os períodos inesperados de calor e as chuvas durante os invernos árticos estão aumentando. Apesar da curta duração desses eventos climáticos extremos, os efeitos prejudiciais sobre a biota polar podem ser severos e duradouros, segundo os pesquisadores.

Os cientistas sugerem um melhor monitoramento desses eventos, além da coleta de mais dados em áreas remotas e de uma variedade maior de espécies, para criar estratégias de conservação específicas por região, a fim de proteger melhor um bioma polar na linha de frente das mudanças climáticas.

“Essas combinações de ‘pressão’ e ‘pulso’ significam que, com mais frequência, esses eventos extremos estão ultrapassando os limites fisiológicos das espécies locais dessas regiões”, disse Maya Lemaire, autora principal do estudo e bióloga da Universidade de Oxford, Reino Unido, na época em que o artigo foi produzido. “Essas regiões serão empurradas para além de um ponto de onde nunca poderão se recuperar.”

O lado selvagem do inverno

O estudo, dividido em duas partes, primeiro analisou décadas de dados climáticos do Ártico com foco em dois tipos de eventos extremos de inverno: surtos repentinos de aumento de temperatura e eventos de chuva sobre a neve (rain-on-snow ou ROS), que ocorrem quando a chuva cai sobre o solo coberto de neve, causando alagamentos que depois congelam.

No geral, os dados mostraram que esses picos de calor estão aumentando em todo o Ártico. Mas a variabilidade regional dos padrões de ROS foi a descoberta mais interessante, segundo Lemaire: “Quando começamos essa pesquisa, simplesmente presumimos que a chuva sobre a neve estava piorando em todos os lugares. Mas não está.”

Embora tenham analisado dados de todo o Ártico, quatro regiões foram de interesse particular, com base nos impactos do clima extremo sobre a biota: norte do Alasca, norte da Fino-Escandinávia (Finlândia, Suécia, Noruega e partes da Rússia), arquipélago de Svalbard e Yamal (noroeste da Sibéria). Todas as quatro regiões mostraram aumento no aquecimento invernal, sendo que Yamal teve o maior aumento médio de temperatura (7,2 °C) e o norte do Alasca teve o menor (2,9 °C). Para os eventos de ROS, Svalbard teve o maior aumento, enquanto o norte da Fino-Escandinávia teve uma diminuição.

Lemaire observou que a redução nos eventos de ROS, apesar do aumento das precipitações em todo o Ártico, está alinhada com mais chuvas e menos neve no solo à medida que as temperaturas médias aumentam.

Fauna e flora em risco

Como era de se esperar, eventos climáticos extremos no inverno não trazem boas perspectivas para a biota ártica. A meta-análise de Lemaire, com 17 estudos envolvendo 49 espécies, revelou que picos de temperatura e eventos de ROS estavam ambos associados a impactos prejudiciais na vida ártica. Mas nem todas as espécies foram igualmente afetadas. As mais sensíveis foram os vertebrados (incluindo mamíferos e aves) e as plantas com flores.

“O Ártico é definido pela neve, e grande parte do que acontece lá está ligado à biota, seja animal ou vegetal”, disse o geógrafo Mark Serreze, líder do Projeto de Chuva sobre Neve no Ártico e diretor do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA, que não participou da nova pesquisa.

“Se você muda a neve, você muda a precipitação”, ele disse. “E isso vai impactar tudo.”

Alguns dos eventos de ROS mais destrutivos registrados ocorreram na Península de Yamal, na Rússia, em novembro de 2007 e 2013. Em ambos os anos, o calor e a chuva repentina causaram a formação de uma camada de gelo sobre a neve, impedindo dezenas de milhares de renas (Rangifer tarandus) de acessar os líquens e gramíneas abaixo — o que levou à fome em massa. Um evento semelhante ocorreu em outubro de 2023, matando quase 20 mil bois-almiscarados (Ovibos moschatus) no Ártico canadense. Em alguns eventos de ROS, esses bois ficaram imobilizados e morreram de fome por terem seus cascos presos no gelo.

Em relação à vegetação, extremos invernais podem levar ao “amarronzamento” das paisagens do Ártico. O ROS pode prejudicar as plantas ao expô-las a condições severas e depois congelá-las. As plantas também podem sofrer de “seca de geada”, quando suas raízes não conseguem absorver água congelada no solo. Essas condições mataram até 50% dos brotos de Cassiope tetragona e Dryas octopetala durante um inverno rigoroso em Svalbard (2011–2012). No inverno seguinte, uma série de variações de temperatura no Ártico da Noruega matou entre 38% e 63% dos brotos de Calluna vulgaris, segundo um estudo.

Eventos extremos podem afetar um ecossistema inteiro por gerações, além de impactar negativamente comunidades indígenas, cujos meios de subsistência e abastecimento alimentar estão frequentemente ligados ao ambiente ártico.

Um ponto frio para a proteção

À medida que o Ártico continua aquecendo a um ritmo acelerado, os eventos climáticos extremos também tendem a escalar e se intensificar. Reconhecendo o impacto desproporcional dessas variações bruscas do clima no inverno, Lemaire enfatizou a necessidade de integrá-las aos modelos climáticos e planos de conservação.

A nova meta-análise revelou grandes lacunas em dados e conhecimento, e expôs a necessidade de ampliar a base de estudos com uma variedade maior de espécies. Mas realizar uma análise regional detalhada dos eventos climáticos extremos e seus impactos biológicos no auge do inverno ártico traz desafios extremos.

Primeiro, é difícil obter dados robustos de regiões polares remotas, onde grande parte do inverno é marcada por escuridão total e temperaturas abaixo de -50 °C. Além disso, será difícil entender com precisão os impactos interconectados e sutis das mudanças climáticas sobre plantas e animais, disse Lemaire.

“Sei que não podemos pesquisar tudo”, afirmou. “Mas precisamos saber mais para entender quais áreas do Ártico estão mais vulneráveis a serem completamente transformadas por um desses eventos extremos.”

Traduzido de Mongabay.

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