A Polícia Civil descobriu que o número de cães e gatos mortos por eutanásia na gestão da ex-secretária de Bem-Estar Animal Paula Lopes, de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi quase o dobro do informado nos registros oficiais.
Ela é investigada por matar cães resgatados após usá-los na internet para receber doações via PIX. Além disso, uma veterinária que trabalhou na gestão da ex-secretária contou à RBS TV que havia pressão para sacrificar animais que poderiam ser tratados e que os profissionais eram orientados a preencher atestados de óbito de forma irregular (saiba mais abaixo).
Documentos paralelos e depoimentos de servidores indicam que, entre janeiro e julho deste ano, 478 animais foram abatidos. Os registros da secretaria apontavam 239 no mesmo período.
O dado foi revelado pela delegada Luciane Bertoletti, responsável pela operação que investiga Paula no período em que ela esteve à frente da secretaria, de janeiro a agosto. A ex-secretária foi exonerada em agosto e é suspeita dos crimes de estelionato e maus-tratos a animais.
O número real de mortes veio à tona a partir de um caderno mantido por uma servidora, que anotava de forma extraoficial cada procedimento. Parte dos óbitos, segundo a polícia, era lançada como outras causas para não levantar suspeitas.
“Há, sim, um número bem expressivo de mortes e essa era a tônica da gestão. A justificativa apresentada é a abertura de espaço para novos atendimentos, mas também há forte relação com o custo do tratamento. Um gato com esporotricose, por exemplo, exige de quatro a seis meses de medicação, cerca de R$ 300 por mês. Já a eutanásia custa de R$ 50 a R$ 100. Isso certamente pesava na decisão”, explicou Bertoletti.
Na segunda-feira (22/09), a Polícia Civil coletou depoimentos de uma tratadora de animais e de uma moradora da cidade que havia levado um cão e um gato para atendimento. Os dois animais foram mortos. Ao todo, 17 pessoas já foram ouvidas pela polícia.
Além de servidores, os próximos depoimentos devem incluir gestores da empresa terceirizada que atua junto à secretaria.
A RBS TV busca uma posição sobre as irregularidades identificadas pela polícia na secretaria, mas não obteve retorno do Executivo Municipal até a publicação desta reportagem. Já Paula Lopes tem se manifestado por meio das redes sociais na internet que vai provar que é inocente.
Como os casos eram acobertados
Segundo a veterinária, uma das práticas recorrentes era deixar em branco a data da morte dos animais. O objetivo seria criar a aparência de que teriam passado por algum tipo de tratamento antes de morrer.
“A responsável técnica pedia para que a gente não colocasse a data do óbito. Acredito que fosse para justificar depois que o animal teria morrido por complicações futuras, e não no mesmo dia em que deu entrada”, afirmou a veterinária.
A veterinária também disse que, durante o período em que atuou na secretaria, era comum receber ordens para matar gatos diagnosticados com FIV (HIV felina) ou FELV (leucemia felina), mesmo quando havia possibilidade de tratamento. O mesmo era feito em cães com cinomose.
“Era no mínimo uma eutanásia por dia. Isso não é normal. Esses animais poderiam viver por muitos anos se bem cuidados”, relatou a profissional.
Outro episódio citado por ela foi a sugestão de amputar membros de um cão com fraturas múltiplas, em vez de realizar a cirurgia ortopédica indicada.
“Era uma economia porca, porque tiraria a qualidade de vida do animal”, contou.
Ela também citou que era comum atestados de óbito de animais mortos via eutanásia serem distribuídos para que veterinários assinassem.
Investigação
As denúncias reforçam a linha de investigação da Polícia Civil que apura suspeitas de maus-tratos e irregularidades administrativas.
De acordo com a delegada Luciane, há relatos de tutores que levaram cães à secretaria e receberam a orientação de que os animais não tinham mais chances de recuperação, sendo indicada a eutanásia.
“Esses tutores não concordaram, procuraram outras clínicas e hoje os animais estão saudáveis”, disse a delegada.
Para ela, esse tipo de informação é fundamental para reforçar a suspeita de que decisões de sacrificar animais eram tomadas sem respaldo técnico.
O que disse Paula Lopes à polícia
Em depoimento, a ex-secretária Paula Lopes negou as acusações. Ela também afirmou que o dinheiro em espécie encontrado na casa dela, R$ 77 mil, era proveniente de um acordo de venda de um apartamento. A polícia vai verificar a origem desse dinheiro.
Paula Lopes procurou a RBSTV para entrevista nessa semana, mas depois desistiu.
O que diz a prefeitura de Canoas
O procurador-geral do município de Canoas, Eber Bundchen, disse que a prefeitura abriu uma sindicância sobre o caso e está disponível para colaborar com a polícia.
A secretaria segue funcionando normalmente.
Nota da empresa responsável pela secretaria
“Esclareço que até o momento, a empresa não foi chamada a prestar esclarecimentos na Investigação Policial.
Cabe salientar que foram realizadas fiscalizações pelo CRMV, MP e SEMA e mais de uma vez sem nenhum apontamento.
Esclareço, ainda, que prestamos serviços na Secretaria Municipal do Bem Estar Animal, para o Município de Canoas. Estamos, contudo, atendendo às solicitações do Município, bem como, dispostos a colaborar integralmente com a investigação policial.
A empresa está à disposição para demonstrar às autoridades e a sociedade a regularidade, a legalidade e a ética dos serviços prestados.
Por fim, como prestador de serviços ao Município de Canoas, vem atendendo suas obrigações contratuais com zelo e respeito às determinações do Ente Público“.