Todo dia, os jornais atualizam os números de atingidos por chuvas fortes em diversos estados brasileiros, como Minas Gerais, Bahia e Piauí. Com a previsão de mais chuva, é possível que os números apresentados nesta matéria se tornem ultrapassados em algumas horas.
Somente na Bahia, o Jornal Nacional informa que já passam de 60 cidades atingidas, com mais de 1.100 pessoas que tiveram que sair de casa. Com o solo já encharcado, agora autoridades temem que qualquer chuva fina possa causar estragos nas cidades mais atingidas. Já o INMET aponta que São Luís, capital do Maranhão, registrou o maior acúmulo de chuvas em 24 horas registrado no Brasil neste ano e mantém alerta amarelo, grau mais leve, e laranja, intermediário, para quase todo o Nordeste.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), desde o início do verão, em 21 de dezembro, até 13 de janeiro, o excesso de chuvas já levou 94 Municípios a decretarem situação de emergência, causando mais de R$ 203,7 milhões em prejuízos. Entre os setores mais prejudicados estão: R$ 94,4 milhões de prejuízos aos cofres públicos municipais; R$ 21,1 milhões no setor habitacional, sendo 2 mil casas danificadas e ou destruídas; R$ 88,6 milhões de prejuízos no setor privado, como agricultura, pecuária, indústria, comércio, entre outros.
Todo verão é a mesma coisa: muita chuva, muita área de risco atingida, muitas pessoas que perdem tudo e muitos governantes que seguem deixando de implementar medidas que poderiam evitar tudo isso. Os danos não são inesperados. O aumento das chuvas é típico da estação e a fragilidade de diversas cidades brasileiras é de conhecimento público. Segundo o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), de dezembro de 2023 a novembro de 2024, foram registrados 291 ocorrências referentes a deslizamentos, tempestade local, alagamentos, inundações e enxurradas nos estados da Bahia, Minas Gerais e Piauí.
Outro banco de dados que contabiliza ocorrências do tipo, o Atlas Digital de Desastres no Brasil, aponta que entre 2023 e 2024, as perdas econômicas referentes a alagamento, enxurradas, inundações e chuvas intensas somaram R$ 546,4 milhões para Minas Gerais e R$ 173,79 milhões para a Bahia.
Enquanto isso, o Governo Federal reduziu a verba destinada à gestão de riscos e desastres ambientais no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2025. Segundo o Inesc, a proposta reduziu o valor para R$ 1,7 bilhão, um corte de R$ 200 milhões em relação ao valor originalmente aprovado em 2024.
Além disso, as emendas parlamentares para as ações do programa sofreram redução expressiva: de R$ 68,9 milhões em 2024 para R$ 39,1 milhões. Para o Inesc, a redução reflete a falta de prioridade política na agenda climática.
A organização chama a atenção para a fragmentação do modelo atual de emendas parlamentares, que prejudica o planejamento integrado e enfraquece a resposta às emergências climáticas. Sheilla Dourado, assessora política do Inesc, explica que a cooperação entre União, Estados e Municípios na questão climática hoje é só “uma boa intenção”. Na prática, ainda não há uma distribuição de recursos de forma equitativa e eficiente.
A queda do orçamento para a prevenção a desastres não é novidade deste ano. O Estadão destaca que, na última década, esse valor caiu quase 80%. O fundador e secretário-geral da organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, também ressalta que nos últimos 14 anos foram autorizados aproximadamente R$ 70 bilhões em programas de prevenção e respostas aos desastres, mas somente 65% desses recursos foram efetivamente desembolsados.
Assim como Dourado, Branco também expõe a dificuldade de cooperação entre Executivo, Legislativo e Judiciário federais com os governadores e prefeitos, que tende a ocorrer apenas em momentos de tragédias.
Não há segredo para essa receita de bolo, o desinteresse político quanto aos investimentos em prevenção e adaptação torna a realidade de diversas famílias assim: sair de casa correndo só com a roupa do corpo enquanto a água toma tudo. O Inesc ressalta que, segundo nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), Bahia, Espírito Santo e Pernambuco concentram hoje 42,7% da população em áreas de risco.
No entanto, apenas Pernambuco recebeu emendas parlamentares destinadas à questão, sendo uma única verba de R$ 400 mil, para projetos de contenção de encostas em áreas urbanas.
Enquanto o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, prometeu ajuda financeira às cidades atingidas e o secretário de governo do Piauí, Marcelo Nolleto, pede colaboração da população, um atingido pelas fortes chuvas afirma ao Jornal Nacional que não lhe restou nada – a água estragou geladeira, fogão, camas – e que agora é “batalhar e conquistar o que perdeu”. Sabedoria de quem sabe que não pode contar com o Estado.
Fonte: ClimaInfo