Os incêndios florestais que consomem áreas verdes em Minas Gerais seguem vitimizando animais, que são “expulsos” da natureza ou perdem a vida em meio ao fogo. Entre janeiro e setembro deste ano, foram registradas 87 ocorrências de resgate de animais em incêndios no Estado. O número já representa mais que o dobro dos casos de espécies retiradas das chamas em todo o ano de 2023. Entre as vítimas estão animais domésticos, como cavalos e gatos, e silvestres, como aves, onças e répteis, além de filhotes, que são encontrados frágeis e debilitados. Especialistas avaliam que número de perdas é imensurável.
“O desafio enfrentado pelos militares se dá principalmente em identificar o estado dos animais para traçar as estratégias de resgate e captura necessárias, tendo em vista que os equipamentos normalmente disponíveis são de combate aos incêndios. Durante o serviço operacional ordinário os recursos humanos e logísticos disponíveis são limitados, o que também dificulta o resgate de animais”, explica o coordenador de bombeiro do 1º Batalhão de Bombeiros Militar, tenente Felipe Augusto Biasibetti.
Conforme dados do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, a três meses e meio do final do ano, o número de resgates de animais em incêndios soma aumento de 107% em relação aos 12 meses de 2023, quando 42 ocorrências de retirada de espécimes foram anotadas. Os registros reúnem casos em que os animais são resgatados com vida ou não.
Aqueles que resistem ao fogo geralmente são localizados em situação debilitada de saúde, como foi o caso de um filhote de mico. O pequeno foi encontrado por militares da 2ª Companhia de Bombeiros Militar de Araguari em meio a vegetação queimada, durante um incêndio no Parque Estadual do Pau Furado no início de setembro. O animal foi levado para o Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde foi atendido e encaminhado para a reabilitação, antes de voltar à natureza.
Segundo o tenente Biasibetti, clínicas e hospitais veterinários parceiros acolhem os animais e, posteriormente, os encaminham para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) do Ibama. “Animais silvestres feridos podem ser encaminhados para hospitais e clínicas veterinárias especializadas ou para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS). O hospital ou clínica que recebeu o animal silvestre ferido deve encaminhá-lo ao CETAS assim que se recupere. O retorno do animal para a natureza será gerenciado pelos profissionais do órgão ambiental competente”.
Perda ‘imensurável’
O resgate do filhote de mico repercutiu nacionalmente e comoveu o país. Entretanto, o caso é só mais um exemplo da gravidade dos incêndios em vegetação para a fauna. Há ainda aqueles que não cabem registro e ficam guardados apenas na memória de quem vê de perto a destruição causada pelo fogo. Na Unidade de Conservação do Santuário do Caraça, onde o fogo consome área verde há 14 dias, brigadistas e militares trabalham em meio a um verdadeiro “cemitério ao ar livre” das espécies.
O biólogo e coordenador ambiental do Santuário do Caraça, Douglas Henrique da Silva, conta que toda a fauna de pequeno porte foi perdida pelas chamas. “Já vimos serpente morta, roedor morto, aves mortas porque a força desse fogo em áreas de campo aberto é gigantesca, queima metros em segundos. Infelizmente, vimos tudo isso. Ainda é tudo muito incerto, mas a base alimentar perdemos”, lamenta
A perda, segundo o especialista, ainda é imensurável e os reflexos da destruição só devem ser percebidos a médio e longo prazo. “É difícil mensurar a perda desses animais. Pela força do fogo temos quase certeza que perdemos quase toda a fauna de pequeno porte, que são roedores, répteis, serpentes, anfíbios, que são animais que têm taxa de dispersão baixa. Ela também é a base alimentar de outros, então vamos perceber o real impacto a médio e longo prazo”, avalia.
Devastação
Para a ambientalista do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Maria Teresa Corujo, o número de perdas de espécimes da fauna mineira chega a milhões. Ela explica que a quantidade é imensurável tendo em vista todas as espécies. “É preciso considerar todas, as formigas, as abelhas, os pássaros, os ninhos e os lagartos, então o número de animais consumidos pelas chamas provavelmente chegue a milhões”, estima.
Maria Tereza avalia que impacto desses incêndios para fauna e flora poderão ser vistos a curto, médio e longo prazo. “A curto prazo são esses em que os animais não conseguem correr do fogo, a médio vamos ver as consequências de espécies, que só viviam naqueles locais e foram dizimadas, e isso se propaga a longo prazo. Essas espécies podem não retornar mais nem a longo prazo”, afirma.
A ambientalista avalia que o Estado vive uma devastação da fauna mineira, que poderia ter sido evitada com prevenção. Ela ressalta que estudos divulgados pelo Governo de Minas apontam que 90% dos incêndios registrados são causados por ações humanas. “Estamos sim diante de uma grande devastação para a fauna mineira, uma enorme devastação. Provavelmente teremos perda de espécies animais importantes que já estavam em menor população. O que teria que ser feito é prevenção, jamais poderiam estar ocorrendo os incêndios. Um dos meios de prevenir seria responsabilizar os culpados, já que está provado que mais de 90% dos incêndios são criminosos”, finaliza.
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas (Semad) disse que coordena as ações de proteção ambiental realizadas em Minas Gerais, tendo papel na fiscalização repressiva e preventiva de atos infracionais contra o meio ambiente. A atuação ocorre ao lado das Forças de Segurança, com o objetivo primário de proteger os recursos naturais do estado.
Em 2024, a Semad emitiu 461 autos de infração, com a finalidade de coibir ações criminosas, nos quais foram aplicadas 510 multas ambientais relativas à constatação de ações praticadas por provocar queimadas ou incêndios. O valor das multas aplicadas soma mais de R$ 10 milhões.
Para além da repressão, o governo de Minas garante que segue orientando e atuando com investimentos para a redução da prática de incêndios e queimadas e combate efetivo quando eles ocorrem. O trabalho inclui a preservação de áreas protegidas e seus biomas, a partir de investimentos em novas tecnologias e capacitações técnicas, como a contratação e o treinamento de brigadistas.
Fonte: O Tempo