Donald Trump está avançando com a construção de um novo trecho do muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México, que pode representar uma grave ameaça à vida selvagem em uma área remota onde há muitos animais raros e quase nenhuma presença humana.
A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP) convidou empresas do setor privado a apresentar propostas para construir cerca de 40 quilômetros de barreira no Vale de San Rafael, ao sul de Tucson, no Arizona — uma das regiões com maior biodiversidade dos EUA e que até agora permanece sem muro.
Nesse local, vastas pradarias se estendem por um deserto elevado, cercado por cadeias montanhosas isoladas conhecidas como “ilhas do céu”, que se erguem de forma abrupta da aridez do deserto, criando habitats únicos.
“É um corredor essencial para a vida selvagem”, afirma Eamon Harrity, gerente de programas da organização conservacionista Sky Island Alliance, enquanto dirige por uma estrada de terra rumo ao rio Santa Cruz, margeado por álamos e que segue em direção ao México.
Câmeras de monitoramento ativadas por movimento, operadas pela organização, capturam milhares de imagens de animais como ursos, linces, pumas, antílopes e lobos, registrando o fluxo natural de espécies que transitam entre os dois países. Esse trabalho faz parte de um estudo iniciado em 2020 para observar os impactos do muro nas migrações da fauna.
“Esses movimentos deixarão de acontecer quando o muro for concluído”, alerta Harrity. Segundo comunicado da CBP, o órgão está solicitando propostas para a construção de 39,7 quilômetros de barreira na área sob responsabilidade da Estação de Patrulha de Sonoita, em torno do Monumento de Fronteira Internacional 102 — marcos de pedra tradicionalmente usados para demarcar a linha entre os dois países.
Fora do vale, os trechos já construídos do muro consistem em postes de aço com cerca de 9 metros de altura, espaçados em apenas 10 centímetros, o que impede a passagem de qualquer animal maior que uma lebre. Se o muro for estendido para o Vale de San Rafael, um dos últimos corredores livres para a vida selvagem será cortado.
Para Erick Meza, coordenador da organização Sierra Club, isso seria “catastrófico para o meio ambiente e para os animais”. No fim de abril, o comitê de segurança interna da Câmara dos Deputados dos EUA apresentou uma proposta de orçamento com US$ 46,5 bilhões para financiar novas seções do muro ao longo dos quase 3.200 km de fronteira com o México — projeto que marcou fortemente o primeiro mandato de Trump, mas que ainda está longe de ser concluído.
A nova ofensiva pela construção do muro ocorre mesmo após uma queda histórica nas travessias irregulares, resultado do endurecimento das políticas migratórias do presidente Joe Biden. Apesar disso, a gestão Trump insiste em um discurso alarmista sobre “invasões”.
“Mesmo nos momentos de pico, as pessoas cruzavam por áreas que já tinham muro”, diz Meza. “O Vale de San Rafael nunca registrou esse tipo de movimentação.” Críticos classificam o projeto como desnecessário, caro e desastroso para o meio ambiente. O custo estimado pode chegar a US$ 30 milhões por milha (1,6 km).
Bases militares
Além do muro, há preocupação com o uso crescente de militares e a apropriação de terras públicas ao longo da fronteira. Um memorando presidencial assinado por Trump em abril ordena a transferência de uma faixa de 18 metros de largura de terras federais nos estados da Califórnia, Arizona e Novo México — conhecida como “Reserva Roosevelt” — para controle militar.
Isso pode abrir caminho para bases e instalações militares, como já ocorreu no Texas, aumentando os impactos ambientais. “É uma invasão. Mas uma invasão das nossas terras públicas”, afirma Myles Traphagen, diretor de fronteiras da ONG Wildlands Network.
O professor Mark Nevitt, da Faculdade de Direito da Universidade Emory, alerta para o uso crescente de uma retórica militarizada — termos como “invasão” e “ataque” — para justificar a expansão do papel das Forças Armadas na segurança da fronteira e no controle migratório. Ele teme que verbas do Pentágono sejam redirecionadas para construção do muro sob a justificativa de áreas de “defesa nacional”.
Noah Schramm, estrategista da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) do Arizona, vê essa militarização como “alarmante” e teme que militares passem a deter até mesmo civis que, supostamente, entrem em áreas restritas.
Atualmente, 63% da fronteira no Arizona já está coberta por barreiras físicas. O que resta são trechos vitais para a vida selvagem — sendo o Vale de San Rafael um dos últimos trechos intactos do deserto de pastagens de Sonora.
A região abriga animais como ursos, onças-pardas, lobos, queixadas e felinos raros como a jaguatirica e a onça-pintada. Muitas dessas espécies percorrem grandes distâncias entre países em busca de água, alimento e parceiros. “É o ponto de encontro de diversos ecossistemas”, resume Meza.
O Rio Santa Cruz, que cruza a fronteira duas vezes, é essencial para a migração de animais. Mas agora será murado nos dois lados. Uma das câmeras da Sky Island Alliance recentemente registrou um puma carregando um coiote morto para o lado mexicano. Apesar de ser um ponto de sombra e água, o vale é quase desabitado. Em cinco anos de monitoramento, uma câmera junto ao rio nunca registrou a travessia de um único migrante.
Após uma decisão judicial em 2023, algumas comportas do muro na fronteira com o México foram abertas para permitir a passagem de animais maiores. “Temos uma câmera que já gravou mais de mil vídeos — nenhum com pessoas, só pegadas de coelhos, texugos e coiotes”, diz ele.
Um estudo publicado em 2024 pelas ONGs Wildlands Network e Sky Island Alliance mostrou que, em 160 km de áreas com muro, o número de cruzamentos de animais caiu 86%. Para espécies como ursos, lobos e pumas, a queda foi de 100%.
Fonte: Um só Planeta