EnglishEspañolPortuguês

PREPARAÇÃO

Nova técnica aumenta sucesso de reintrodução de araras na natureza

Condicionamento operante, aplicado na falcoaria, foi usado na preparação para soltura de aves nascidas em cativeiro.

4 de fevereiro de 2025
Suzana Camargo | Mongabay
6 min. de leitura
A-
A+
Foto: Chris Biro

“Lembro do meu avô contando sobre as araras nessa região. Então, é impossível não sorrir vendo-as de volta. Sabemos onde elas dormem e se alimentam, então toda vez que queremos achá-las, sabemos onde estão”, diz o biólogo Humberto Mendes, professor da Universidade Federal de Alfenas (MG).

Ao lado de Donald Brightsmith, professor da Universidade Texas A&M (EUA) e um dos maiores especialistas em psitacídeos do mundo, e Chris Biro, considerado referência internacional em treinamento de voo livre para aves de estimação, o brasileiro conduziu um projeto de reintrodução de araras-canindé (Ara ararauna) em São Simão, no noroeste paulista, uma área onde a espécie de plumagem azul e amarela costumava existir no passado, mas foi extinta localmente há mais de 50 anos.

O que há de tão pioneiro nessa soltura é a técnica utilizada: voo livre com psitacídeos, nunca empregada em programas de proteção. E, mais do que isso, o excelente resultado obtido: uma taxa de 100% de sucesso.

“Esse resultado é absolutamente maravilhoso! E não estou exagerando. Falo isso apesar de ser um velho cientista mal-humorado”, brinca Donald ao celebrar o êxito do projeto.

Pouco mais de dois anos após a soltura inicial das seis araras-canindés, em 2022, todas continuam vivas e mostrando ótima adaptação. E nesse período ainda passaram por uma prova de fogo, literalmente. Sobreviveram a um incêndio que atingiu a região no segundo semestre de 2024, quando grande parte do Brasil sofreu com queimadas.

Para o projeto em São Simão, foram selecionados dois machos e quatro fêmeas, todos filhotes, comprados de criadores autorizados pelo Ibama. Durante o treinamento, eles tiveram o acompanhamento de três outros indivíduos da mesma espécie, já adultos, familiarizados com a técnica de voo livre, para com eles aprender a voar e se comportar em bando.

Tradicionalmente, em projetos de reintrodução de psitacídeos, filhotes nascidos em cativeiro são soltos na natureza quando atingem uma certa idade, aproximadamente aos dois ou três anos.

“Se você cria um animal numa gaiola até os dois, três anos de vida, ele dificilmente saberá como se defender de predadores ou buscar comida porque ela está sendo fornecida. Ele não terá habilidades de navegação. E aí você abre a porta do recinto e ele precisará se virar em um ambiente que não conhece. E esse é o maior problema enfrentado por programas de conservação ao soltar aves na vida selvagem”, diz Chris Biro. “É como se você criasse um adolescente a vida inteira dentro de um quarto fechado e de repente soltasse ele em um shopping center lotado”, compara.

“Quando são criados em cativeiro, em um ambiente fechado, esses animais têm medo inclusive do sol. Eles têm medo de vento, de borboleta voando, de folha caindo. São várias coisas que a gente não imagina, mas podem causar uma fobia e esses bichos podem sair voando desesperadamente”, complementa Humberto.

Condicionamento operante

E é aí que está a grande diferença com o voo livre. Não que a técnica seja nova. Pelo contrário. Ela é muito similar à falcoaria, utilizada há milênios no adestramento de aves de rapina através do que se chama de “condicionamento operante”, processo que envolve a oferta de uma recompensa (alimento) para cada tarefa realizada. Nas últimas décadas, todavia, ela se tornou popular entre criadores de psitacídeos domésticos.

Para que haja sucesso no método, entretanto, as aves precisam ser treinadas ainda bem jovens, em uma faixa de idade específica, entre 90 e 120 dias de vida.

“Usamos uma gaiola móvel e tão logo os filhotes já tenham a menor habilidade de voar, os incentivamos a pular entre dois pontos para serem alimentados. Pouco a pouco, vamos aumentando a distância. E depois os fazemos voar do aviário para fora e voltar”, explica Chris.

Além de estimular voos mais longos, gradualmente o treino inclui a oferta cada vez mais escassa de alimento e a mudança no horário dela, obrigando as araras a buscarem comida na natureza. E, ainda, a quebra de laços com os seres humanos.

“Em duas semanas, as canindés já estavam voando normalmente, como indivíduos de vida livre. Seus instintos foram sendo desenvolvidos para o ambiente natural e não o de uma gaiola”, diz o treinador.

Uma nova alternativa para reintrodução

Donald, Humberto e Chris acreditam que o êxito conquistado com o estudo realizado com a arara-canindé no Brasil pode sinalizar um novo método a ser empregado em programas de reintrodução de papagaios e araras. Eles relatam o excelente resultado do experimento em um artigo científico no jornal Birds.

Para efeito de comparação, por exemplo, no projeto de reintrodução da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) sendo realizado em Curaçá (BA), das 20 aves soltas em 2022, apenas dez delas permaneceram ainda em vida livre. Entre as demais, algumas desapareceram, outras foram abatidas por predadores e uma precisou voltar ao aviário por causa de seu comportamento. Isso representa uma taxa de sucesso de 50%.

“Estamos diante de algumas décadas de projetos científicos de soltura de papagaios, nos quais, na maioria dos casos, quando você abre a gaiola a soltura é definitiva”, diz Donald. “Muitas vezes eles voam, quilômetros sem parar, e acabam se perdendo, há problemas com predadores ou uma série de outras questões com os métodos tradicionais. Já com essa técnica, você os está colocando no ambiente certo, social e físico, no período certo do desenvolvimento deles. E, ao fazer isso, a tendência natural de desenvolver comportamentos adequados funciona.”

O especialista explica que, aos três meses, filhotes de arara-canindé já começam a explorar o mundo além do ninho, fazendo seus primeiros voos, ainda acompanhados e sob a proteção dos pais. Todavia, no método tradicional de soltura eles só vão ser soltos muito mais tarde.

Para ele, a maneira como se faz a soltura habitual de psitacídeos têm um problema em sua essência: eles são ensinados a serem aves em gaiolas e depois há uma expectativa que eles virem animais de vida selvagem.

Outra vantagem da técnica do voo livre é o custo, muito menor, defendem os autores do estudo. “Alguns programas gastam milhares, até milhões, de dólares criando papagaios em cativeiro, apenas para descobrir que essas aves não conseguem sobreviver na natureza porque não têm experiência suficiente no mundo real”, afirma o professor da Texas A&M.

O mesmo método já foi utilizado também na Colômbia, em 2023. Cerca de 20 papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) foram confiscados do tráfico de fauna pela polícia e entregues a uma organização local, a Fundación Loros. Chris Biro foi até lá, os treinou e após duas semanas eles foram soltos na natureza.

Os envolvidos no projeto brasileiro acreditam que o voo livre pode ser uma nova alternativa de conservação para a reintrodução de aves em casos como esse acima, de filhotes apreendidos ou, ainda, para aqueles nascidos em cativeiro, seja em zoológicos, instituições de pesquisa ou criadouros.

Mendes revela que há planos agora de um novo estudo com aves menores, mais vulneráveis à predação, como a maracanã-nobre (Diopsittaca nobilis).

“Nosso objetivo é comprovar a eficiência da técnica com diferentes tamanhos e espécies de psitacídeos”.

A esperança dos pesquisadores é que o uso da técnica e a sua maior disseminação entre especialistas de conservação possibilitem que mais aves possam voar livres pelos céus, sobretudo naqueles locais onde certas espécies foram extintas, como acontece atualmente no interior de São Paulo, com a volta da arara-canindé.

Fonte: Mongabay

    Você viu?

    Ir para o topo