Novos medicamentos não precisam ser testados em animais para receber a aprovação da Food and Drug Administration (FDA, equivalente à Anvisa dos Estados Unidos) de acordo com a legislação assinada pelo presidente Joe Biden no final de dezembro de 2022. A mudança, há muito buscada por organizações de proteção aos animais, pode sinalizar uma grande mudança no campo da bioética após mais de 80 anos testando drogas em seres vivos.
A legislação anterior vinha de 1938, segundo a qual medicamentos em fase de teste deveriam ter segurança e eficácia experimentados em animais. A nova lei permite que a FDA promova os medicamentos para a etapa de teste em humanos sem a obrigatoriedade de passar pelos animais.
Para a aprovação da lei, organizações não-governamentais (Ongs) sem fins lucrativos pressionaram por mudanças, como a Animal Wellness Action e Center for a Humane Economy. As Ongs argumentam que empresas farmacêuticas deverão passar a confiar mais em modelagens de computador, testes in vitro e organ-on-a-chip (OOC) para estimar a eficiência das drogas.
Um OOC (chip de órgão, ou órgão em um chip) é uma cultura celular integrada a um circuito (chip) que simula as atividades, a mecânica e a resposta fisiológica de um órgão inteiro. Essa ferramenta permitiu o estudo da fisiologia humana em um contexto órgão-específico, introduzindo um novo modelo de organismos humanos multicelulares in vitro.
Mas os grupos pró-pesquisa estão minimizando a importância da lei, dizendo que ela sinaliza apenas uma lenta virada na maré – e não o tsunami que irá refazer o processo de aprovação de medicamentos da noite para o dia. Enquanto as tecnologias não-animais (como os OOCs) ainda estão “na infância”, existe uma indústria baseada na modelagem com animais que infelizmente, não deve desaparecer tão cedo. O principal impacto da nova lei é que ela abre caminho para que a agência reguladora mais importante do mundo discuta seriamente sobre alternativas.
Chip de Órgãos
Esses chips geralmente consistem em canais ocos embutidos em polímeros à base de silicone do tamanho de um pen drive de computador. Os canais são revestidos com células vivas e tecidos de órgãos como cérebro, fígado, pulmão ou rim. Os fluidos fluem através deles para imitar o fluxo de sangue através de vasos minúsculos e o rastreamento de fluidos através dos tecidos, como acontece nos órgãos vivos. No corpo, os danos causados por drogas geralmente aparecem no fígado porque ele decompõe as drogas para excreção. Um chip de fígado humano pode alertar sobre tal toxicidade quando uma droga experimental bombeada através dele danifica as células.
No mês passado, Lorna Ewart, diretora científica da Emulate, Ingber e colegas publicaram um estudo destacando o potencial dessa tecnologia. Os chips de fígado da empresa identificaram corretamente 87% de uma variedade de medicamentos que foram aprovados para humanos após estudos em animais, mas falharam em ensaios clínicos porque eram tóxicos para o fígado. Esses medicamentos foram aprovados para o mercado humano, mas depois foram retirados ou reduzidos por causa do dano ao fígado. Os chips não sinalizaram falsamente nenhuma droga não tóxica.
Ainda assim, ainda não está claro o quanto a nova lei mudará as coisas na FDA. Embora a legislação permita que a agência libere um medicamento para testes em humanos sem testes em animais, ela não exige que as farmacêuticas o façam. Além do mais, os toxicologistas da FDA são notoriamente conservadores, preferindo testes em animais em parte porque permitem o exame dos potenciais efeitos tóxicos de uma droga em todos os órgãos após a eutanásia do animal.