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INVASÃO HUMANA

No Pantanal, a onça enfrenta um novo predador: turistas demais

20 de setembro de 2025
Francesco Schneider-Eicke
14 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

Quando Oscar de Morais não está rastreando onças, você o encontra a bordo de sua casa-flutuante ancorada às margens do Rio São Lourenço. Ele se senta sob um mosquiteiro em duas cadeiras plásticas azuis empilhadas, assistindo novelas enquanto um ventilador sopra ar quente em sua direção. Até que alguém pergunta se ele pode mostrar uma onça. Então seus olhos se arregalam e ele sorri.

Oscar é guia de passeios para avistamento de onças-pintadas (Panthera onca) no Pantanal mato-grossense, a maior planície alagável do mundo, abrangendo quase 200.000 km². Vinte e dois anos atrás, quando Oscar começou a transportar turistas de barco para observar onças, havia ainda uma violenta disputa entre elas e os pantaneiros. Era comum que fazendeiros invadissem o território onde as onças caçavam, o que as levava a predar o gado; quando isso acontecia, os fazendeiros as matavam. Encontrar onças no Pantanal foi se tornando cada vez mais raro.

Hoje, o Pantanal é visto como um modelo de conservação da vida selvagem por meio do ecoturismo. Oscar e alguns outros guias foram os primeiros a perceber que safáris de onças poderiam ser lucrativos. Fazendeiros também começaram a ver que as onças valiam mais vivas do que mortas, atraindo visitantes de todo o mundo. Desde então, a avistagem de onças disparou. Pousadas são reservadas anos antes. Em nenhum outro lugar do mundo as onças vivem em densidades tão altas.

“Em 2009, os operadores turísticos em nossa fazenda viam talvez três onças por ano”, diz Mario Haberfeld, um dos fundadores da Onçafari, agência de ecoturismo baseada na pousada Caiman, no Pantanal Sul. Inspirado pelos modelos de safári na África do Sul, Haberfeld e sua equipe começaram a habituar gradualmente as onças à presença de veículos.

“Agora temos entre mil e 1.100 avistamentos por ano. Entre 98 e 100% dos visitantes veem uma onça”, diz ele.

Onde Oscar vive — em Porto Jofre, quase 300 km ao norte da Caiman, no Pantanal Norte — a mudança também foi grande: o número de onças habituadas a humanos aumentou de 29 em 2013 para 130 em 2023, um aumento de mais de 400%, segundo o Jaguar ID Project.
Mas alguns temem que o sucesso dos safáris possa causar sua própria derrocada.

“Vítima do próprio sucesso”

“O Pantanal corre o risco de se tornar vítima do próprio sucesso”, diz Fernando Tortato, coordenador do programa de conservação da Panthera no Brasil, organização global de conservação de felinos selvagens. Na alta temporada, não é incomum ver 30 ou mais barcos cercando uma única onça, cada um cheio de turistas querendo o clique perfeito. “O excesso de visitantes está definitivamente se tornando um problema”, concorda seu colega Rafael Chiaravalloti, antropólogo ambiental da University College London, na Inglaterra. “Os visitantes começam a reclamar. Dizem que mal conseguem ver a onça por causa de todos os barcos.”

“Ouvimos relatos de momentos em que as onças não caçam ou se reproduzem porque há barcos demais ao redor delas”, diz, acrescentando que há pesquisadores estudando exatamente como a exposição aos barcos afeta a vida das onças. “Ainda não temos dados de longo prazo, apenas evidências anedóticas”, afirma Chiaravalloti. “Mas é importante agir antes que o dano seja feito.”

Para Tortato e colegas, os sinais de alerta são claros: o modelo turístico está ameaçado, a menos que algo mude. Assim como nas Ilhas Komodo, na Indonésia; nas Ilhas Galápagos, no Equador; e no Maasai Mara, no Quênia, o Pantanal enfrenta um dilema: o turismo pode continuar sem sobrecarregar o que o torna único?

Em uma manhã de fevereiro, Oscar pega um grupo de turistas sob um céu esverdeado e enevoado. Um bando de araras-azuis conversa alto em uma árvore próxima enquanto dois turistas, com chapéus de sol e roupas de secagem rápida, sobem em seu barco. Oscar liga o rádio, pronto para alertar outros guias caso aviste uma onça.

“Mantenham olhos e ouvidos na margem do rio”, diz ele, puxando o cordão de partida do motor de popa.

Ele guia o barco por campos intermináveis de plantas aquáticas. Às vezes, são centenas de metros antes que a vegetação dê lugar à terra firme; outras vezes, a água aberta se estende até a margem. Depois de cerca de uma hora, surge uma clareira além de uma curva do rio. Oscar reduz o motor, deixando o barco flutuar adiante. Ele cobre parcialmente os olhos com uma mão e examina a margem. Um turista jovem o imita.

“É preciso muita sorte para encontrar uma nesta época do ano”, explica Oscar. É a estação das chuvas no Pantanal, quando os ventos úmidos da Amazônia — chamados de rios voadores — avançam para o sul. A precipitação mensal aqui pode chegar a 240 mm, ou mais do que o dobro do que o Rio de Janeiro registra em um fevereiro típico. Aqui, a paisagem plana absorve a água como uma esponja. Começando no norte, as águas inundam gradualmente até 80% da região.

Para Oscar, esta é a baixa temporada. Poucos turistas se aventuram nos campos alagados quando estão inundados, desanimados pelos mosquitos e pela dificuldade de avistar onças nesse período. Somente quando as águas começam a baixar em maio, animais como capivaras, jacarés, ariranhas e onças se reúnem nos rios que encolhem para caçar e beber. Nos dias de pico, Oscar pode chegar a avistar 20 onças em um único passeio. É um paraíso para turistas — mas por quanto tempo?

O custo de compartilhar

“Se as pessoas não tiverem a experiência pela qual pagaram, pararão de pagar para ir lá”, alerta Chiaravalloti. “Guias teriam que reduzir os preços para continuar atraentes — forçando os locais a trazer mais turistas para o Pantanal e competir para oferecer a melhor experiência possível, em vez de garantir a sustentabilidade em longo prazo do sistema.”

Ele diz que os primeiros sinais de colapso já são visíveis.

Embora alguns argumentem que sistemas de turismo se autorregulam naturalmente, com experiências ruins eventualmente reduzindo a demanda, a realidade em destinos de vida selvagem ao redor do mundo mostra outra história. Em lugares como a Cratera de Ngorongoro, na Tanzânia, onde o turismo de vida selvagem causou superlotação ou degradação de habitat, a demanda muitas vezes permanece desconectada da realidade local. Turistas reservam viagens meses antes, influenciados por mídias sociais ou blogs de viagem desatualizados. Enquanto isso, operadores, muitos dos quais dependem do turismo para viver, têm incentivo total para continuar vendendo pacotes, mesmo com a queda na qualidade dos avistamentos.

O perigo é que a fauna não espera o mercado se ajustar. A infraestrutura turística pode destruir habitats, e barulho, lixo e poluição podem alterar o comportamento dos animais. Uma vez que os avistamentos se tornem imprevisíveis, operadores podem pressionar ainda mais para garantir resultados, acelerando o dano ecológico — e prendendo o sistema em um ciclo descendente.

Águas paradas

Hoje, porém, as margens estão vazias. Oscar suspira e guia o barco rio acima. Poucos outros barcos estão à vista. Quando um passa, os motoristas acenam. É comum entre os guias compartilhar informações sobre avistamentos de onças; assim, há maior chance de satisfazer os turistas.

Ainda assim, o rádio permanece silencioso. Por horas, Oscar conduz os passageiros pelo labirinto aquático, passando por locais onde já viu onças inúmeras vezes.

Então, de repente, enquanto os turistas começam a se cansar do calor, Oscar reduz o motor e vira o barco. Ele aponta para uma moita. Apenas Oscar parece notar algo. Após alguns segundos de busca concentrada, surgem dois olhos de cor âmbar brilhantes. Então, gradualmente, aparecem focinho, bigodes, mandíbula, orelhas. O rosto de uma onça se torna visível. Sua língua rosa desliza lentamente pelos lábios negros. Ela boceja, mostrando suas presas amarelas em forma de garra.

Os turistas pegam suas câmeras. Oscar desliga o motor. O barco fica em silêncio, quebrado apenas pelo clique das câmeras.

“Qual onça é essa?” pergunta um turista.

“Esse é Ousado”, responde Oscar. Ele consegue nomear mais de 15 onças. “Patrícia é minha favorita”, diz. “Manath é a maior.”

“E Nina?” pergunta outro turista, apontando para a blusa de Oscar, estampada com uma cabeça gigante de onça, abaixo do nome “Nina”.

“Nina também é linda, mas não como a Patrícia. Conheço ela há mais tempo. Já teve três filhotes.”

Após 20 minutos de silêncio, Oscar vira o barco de volta para casa. Ousado os observa partir, indiferente.

Mas a habituação das onças traz perigos, diz Chiaravalloti: “Como elas têm menos medo de humanos, se aproximam das fazendas e casas. Começam a matar mais cães e vacas. Também houve incidentes envolvendo pessoas.”

Em abril, por exemplo, o trabalhador de uma fazenda foi morto por uma onça, evento que gerou manchetes e medo entre a população local. “Algumas pessoas começam a se preocupar com os filhos. Se o medo aumenta, podem voltar aos métodos antigos: mortes retaliatórias.”

Mas quão real é o perigo de ser atacado por uma onça? Incidentes como o de abril ainda são raros, e, segundo Haberfeld, da Onçafari, há formas de evitá-los. “Habituação é com veículos, não com pessoas. Nunca nos aproximamos a pé. Se as pessoas saíssem do carro, as onças fugiriam.”

Os riscos, explica, surgem quando turistas começam a atrair onças com carne ou peixe para mostrá-las. “Mas, comparado a tigres ou leopardos em outras partes do mundo, acidentes humanos com a vida selvagem são muito raros no Pantanal.”

A questão de como recursos de acesso aberto, como avistamentos de vida selvagem, podem ser usados sem sobre-exploração ocupa pesquisadores no mundo todo há anos. A medida mais simples, argumentam muitos, é a criação de propriedades particulares, permitindo que operadores imponham seus próprios limites e regras.

Para a Onçafari, isso parece funcionar. “Operamos apenas em propriedades privadas, então podemos controlar e implementar regras que consideramos tornar o ecoturismo sustentável”, diz Haberfeld.

Sua organização limita o número de veículos em qualquer avistamento a quatro. Em alguns casos, como quando a onça é jovem ou restrita a um espaço pequeno, apenas um veículo é permitido. Outra vantagem é que a Onçafari opera com carros, não barcos. Assim, dependem menos das margens que se abrem aos rios durante meses secos, onde as flotilhas se reúnem.

“Não se pode deixar qualquer um fazer o que quiser, aí o overtourism se torna um problema”, diz Haberfeld. “Mas, se feito corretamente, o turismo pode beneficiar muito a região: continuamos contratando mais pessoas locais, e a região pode se desenvolver social e economicamente.”

Em estudo recente, Tortato e Chiaravalloti sugerem que limitar o compartilhamento de informações sobre avistamentos de onças entre guias pode ser outra medida para regular o turismo.

“Na seca, seria melhor que não compartilhassem locais onde viram onças com outros guias”, diz Tortato. “Assim, menos barcos se agrupam. Além disso, nesse período, os avistamentos quase sempre acontecem.” Durante a estação chuvosa, faz sentido compartilhar informações, para que turistas tenham a chance justa de ver uma onça.

Ainda assim, para muitos guias, o silêncio não é opção. “As pessoas aqui fazem parte de redes sociais próximas — ajudam umas às outras”, diz Tortato. “Ninguém quer esconder um avistamento de um colega guia, mesmo que fosse melhor para todos em longo prazo.”

Chiaravalloti acrescenta: “Compartilhar informações limitadas não resolve o problema sozinho. Acho que a solução tem que ser regular o número de visitantes; por exemplo, com cotas.”

Enquanto isso, a pressão sobre o Rio São Lourenço aumenta. Há poucos meses, o governo do estado de Mato Grosso, que abriga esta parte do Pantanal, anunciou planos de construir uma ponte sobre o rio, ligando o norte e o sul da região. Isso pode iniciar novos projetos de infraestrutura, como pavimentação da Transpantaneira, estrada de terra que cruza o Pantanal de norte a sul, facilitando a chegada de turistas.

“Acho que estamos perto de um ponto de ruptura, e é melhor agir antes de chegarmos lá”, diz Chiaravalloti. Caso contrário, alerta, o Pantanal, essa paisagem única que Oscar chama de lar, pode mudar para sempre.

Fonte: ECOA

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