Os eventos climáticos extremos, que se tornaram cada vez mais intensos e frequentes nos últimos anos, podem estar impedindo as aves marinhas na Antártida de se reproduzirem.
Com tempestades de neve mais frequentes e volume de chuva elevado durante a estação reprodutiva, populações inteiras de aves no continente antártico foram afetadas de modo a apresentar uma queda drástica na sua reprodução.
Cientistas, ao avaliarem o período de dezembro de 2021 a janeiro de 2022, registraram a ausência de ninhos com ovos de pelo menos duas espécies de aves, o petrel-antártico (Thalassoica antarctica) e o moleiro-do-sul (Stercorarius maccormicki).
Uma terceira espécie, o petrel-das-neves (Pagodroma nivea), que tinha 57% dos ninhos ativos de 2011 a 2020, chegou ao patamar de apenas 4% de 2021 para 2022.
Os dados foram apresentados em um artigo científico publicado na revista especializada Current Biology no último dia 13 por cientistas da França, Noruega e Reino Unido.
Segundo os autores, a ausência completa de reprodução durante uma estação reprodutiva em aves marinhas é um evento extremamente raro, o que coloca um alerta sobre os efeitos das mudanças climáticas nos animais e nos ecossistemas.
Para avaliar a reprodução das aves, os pesquisadores analisaram duas localidades na região conhecida como Terra da Rainha Maud, um território no continente antártico reivindicado pela Noruega desde 1938, embora não seja reconhecido internacionalmente como pertencente ao país nórdico.
Os sítios estudados ficam a cerca de 90 km um do outro, próximos à estação de pesquisa Maitri, na costa antártica.
O primeiro local, conhecido como Svarthamaren, apresentou uma cobertura de neve média de 25 cm em janeiro de 2022, e somente três ninhos de petrel-antártico e nenhum do moleiro-do-sul foram encontrados (contra mais de 20 mil de petrel-antártico e de 40 a 70 de moleiro-do-sul nos anos anteriores). O moleiro-do-sul se alimenta de filhotes de petrel, então sua ausência na região pode ser explicada pela falta de presas.
Quanto à terceira espécie, os ninhos de petrel-das-neves tiveram redução de mais de 93%, passando de 57%, na década de 2011 a 2020, para apenas 4% em 2022.
Já na localidade de Jutulsessen, a segunda analisada, nenhum ninho de petrel-antártico ou de moleiro-do-sul foi encontrado, e o registro de ninhos ativos de petrel-das-neves caiu de 33%, no período de 2008 a 2021, para só 3% em 2022.
De acordo com Sebastien Descamps, pesquisador do Instituto Polar Norueguês e primeiro autor do estudo, as aves marinhas são, em geral, extremamente fiéis aos seus locais de reprodução, voltando ano após ano à mesma localidade e até à mesma rocha para botar seus ovos.
“Quando as coisas dão errado, as aves param de se reproduzir e voltam ao mar até a próxima estação, mas raramente mudam de local de nidificação. Fica claro aqui que o efeito da tempestade na reprodução foi amplo e extremamente forte”, diz.
As análises de décadas anteriores já mostravam uma queda profunda na reprodução e na população das aves marinhas na região nos últimos anos, mas não havia evidências de relação com as tempestades de neve, o que é muito preocupante.
Se, em 1980 havia mais de 150 mil ninhos ativos de petrel-antártico, esse número caiu para menos de 50 mil no final da década de 90 e cerca de 41 mil em 2017 e 2018.
“As quedas populacionais podem ter diversas causas, como diminuição dos recursos marinhos, inundações e ondas de calor extremo, mas não havia dados sobre as nevascas. O que vimos na pesquisa é que as tempestades de neve extremas são mais um fator estressante para a reprodução e sobrevivência dos animais”, diz.
Diversos estudos conduzidos na região mostram que as mudanças climáticas já provocam a ocorrência de eventos climáticos como derretimento de geleiras, aumento da temperatura e subida do nível do mar antártico, o que afeta os animais que vivem lá.
Embora a pesquisa tenha observado uma correlação entre as tempestades de neve mais intensas e ausência de ninhos, Descamps afirma que os modelos indicam, sim, eventos climáticos mais extremos como estes como consequência das mudanças climáticas, mas com os dados do estudo somente não é possível ainda tirar tais conclusões.
“É muito provável que isso esteja ocorrendo em algum estágio, mas ainda restam como previsões, e não fatos”, diz.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
Fonte: Folha de SP