“A agricultura precisa de tecnologias não violentas, sem o uso de substâncias tóxicas. A Universidade da Terra foi criada em Navdanya para fornecer soluções às mudanças climáticas e à fome, com uma nova maneira de fazer agricultura. Na Índia, houve uma onda de suicídios entre agricultores desapropriados de suas terras. Uma má agricultura, sustentada por corporações internacionais, aumenta as desigualdades, as doenças e a instabilidade entre as espécies animais, com o possível desenvolvimento de pandemias em humanos”, o comentário é de Luigi Togliani, físico italiano, publicado por Settimana News, 12-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 7 de setembro de 2022, no dia de abertura do Festival de Literatura de Mântua, Vandana Shiva conversou com Nicoletta Dentico, jornalista especialista em cooperação internacional e direitos humanos, sobre as formas do neocolonialismo que colocam em risco o ecossistema e que ameaçam as populações mais pobres.
Vandana Shiva nasceu em 1952 em Dehra Dun, no norte da Índia. Ela se formou em Física na University of Western Ontario. Depois de se confrontar com o empobrecimento de seu país e com os desastres ambientais perpetrados pelas intervenções massivas do Banco Mundial, desde o início dos anos 1980 ela se tornou uma ecologista e ativista conhecida em todo o mundo por suas batalhas em prol da salvaguarda do planeta.
Em 1982 fundou a Research Foundation for Science, Technology and Natural Resource Policy de Dehra Dun e foi uma das principais líderes do International Forum on Globalization. Em 1987 deu vida ao Navdanya, um projeto que visa contrastar a tendência à monocultura promovida pelas multinacionais e que criou dezenas de bancos de sementes na Índia, promovendo uma educação para a diversidade biológica e cultural.
Ela também se interessa por biodiversidade, bioética, propriedade intelectual e pelas consequências do uso das biotecnologias. Recebeu diversos prêmios internacionais, entre eles o Right Livelihood Award (1993), considerado o prêmio Nobel da Paz alternativo, o Sydney Peace Prize (2010) e o Thomas Merton Award (2011). Seu último livro – Dall’avidità ala cura – saiu este ano, publicado pela EMI.
Dentico enfatizou os desastres que a globalização produz quando determina uma forte concentração de bens nas mãos dos cada vez mais ricos, que são cada vez mais poucos: estes são os protagonistas da nova colonização, aqueles que ocupam os centros de poder (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional) que decidem o futuro do planeta, administram os monopólios, valendo-se também de um filantropo-capitalismo – que põe seriamente em risco a autodeterminação dos povos – representado por figuras como Bill Gates, Bezos, Zuckerberg. Neste tempo de crise geral chegou a hora de sair da ganância e promover uma nova economia, baseada no cuidado do ecossistema e das pessoas, numa economia sustentável, na sobrevivência.
Shiva reiterou a necessidade de dar passos importantes para combater a ganância de poucos super-ricos que pretendem ainda civilizar os pobres depredando-os, com métodos semelhantes aos do antigo colonialismo. Com o filantropo-capitalismo eles fazem doações, mas visam privatizar os bens comuns, a terra, as florestas, a água.
O presidente da Nestlé declarou que a água não é um bem comum, mas uma mercadoria: ao contrário, a água deve ser um bem disponível para todos, doado pela Natureza. Durante o lockdown da pandemia de Covid, aqueles que sobreviveram puderam fazê-lo graças ao cuidado mútuo, dando-se a mão de forma recíproca.
No entanto, há quem se aproveitou dessa contingência para enriquecer, como Big Pharma, Amazon, multinacionais agrícolas, Monsanto, Coca-Cola, Pepsi-Cola e Nestlé. E cresceu enormemente a dependência digital das pessoas. As regras da OMC são aquelas estabelecidas pelas multinacionais. Bill Gates quis que não fossem impostos taxas sobre a tecnologia da informação.
O antigo e o novo colonialismo são semelhantes, mas o novo tem instrumentos mais invasivos: a engenharia genética nas sementes, a extração de dados digitais retirados de nossas vidas; assim nos tornamos a descarga de dados separadas por algoritmos. Tudo isso se baseia em algumas premissas: a inteligência artificial pode escantear a inteligência humana, 99% da população é inútil e as pessoas que encontramos, as coisas que compramos, são produto de relações manipuladas de maneira policialesca. Enquanto a economia do cuidado é a única necessária para a vida: a verdadeira revolução contra esse novo colonialismo.
Dentico lembrou como a realidade já tenha desmentido a teoria segundo a qual o enriquecimento de poucos ajudaria a todos. Só o cuidado mútuo pode nos salvar, como aconteceu no período da pandemia da Covid. Mas, se por um lado há ganância – e não a colaboração -, como construir o paradigma do cuidado?
Shiva respondeu constatando que as ditaduras não são eternas e que todo período que viu a escravização também gerou movimentos antiescravistas. O alimento é o elemento central da nossa vida: quem melhor superou a Covid foi quem se alimentou de forma mais saudável. O mau alimento enfraquece a vida e piora a situação climática.
A agricultura industrial determina 50% das emissões de gases de efeito estufa; 1% da população – os muito ricos – é responsável por 50% da crise ambiental; Bill Gates fala sobre alimentação e agricultura sem agricultores, sem pequenas propriedades, portanto, sobre alimento de laboratório. Esta escolha deveria contribuir para a resolução da crise climática e pandêmica?!
Nossos países são ricos em tradições e conhecimentos sobre alimentos. 16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação: os consumidores devem fazer parceria com quem produz o alimento, porque nossa saúde depende do alimento. O novo colonialismo sobre o alimento deve ser derrotado com a verdade: aqui encontramos as sementes da economia da cura para derrotar a ditadura da ganância, um sistema profundamente doente que só pode produzir doenças e dependências: Covid, câncer, obesidade, resistência a antibióticos, dependência do fumo e das drogas.
A agricultura precisa de tecnologias não violentas, sem o uso de substâncias tóxicas. A Universidade da Terra foi criada em Navdanya para fornecer soluções às mudanças climáticas e à fome, com uma nova maneira de fazer agricultura. Na Índia, houve uma onda de suicídios entre agricultores desapropriados de suas terras. Uma má agricultura, sustentada por corporações internacionais, aumenta as desigualdades, as doenças e a instabilidade entre as espécies animais, com o possível desenvolvimento de pandemias em humanos.
Vamos contrastar essas tendências: nas escolas vamos criar jardins e hortas, para que as crianças e os jovens aprendam também a cultivar o seu próprio alimento. O pequeno agricultor deve ter o direito e a possibilidade de cultivar sua própria terra. A segurança alimentar está ligada à saúde, à educação, à gestão correta dos recursos: vamos fazer as escolhas certas para salvaguardar o ecossistema, para nós e para os nossos filhos. Devemos reivindicar a democracia para ter um futuro para nós e para as novas gerações. Não há futuro sem uma política de cura.
Fonte: ihu unisinos