No princípio era só o andorinhão-preto contra a ordem do Ministério da Defesa para demolir a Igreja de S. Paulo em Elvas – mais exatamente 700 aves e crias que escolheram o edifício, propriedade do Estado, para nidificar, o que faz do sítio uma das maiores colônias da espécie protegida no país. Agora, a decisão já tem várias frentes de combate.
Desde domingo, uma petição na internet contra a demolição já somou mais de 400 signatários, não só pela aves – como se tem vindo a bater a Quercus – mas porque a igreja foi edificada no século XVIII e foi o maior lugar de culto da única ordem masculina com origem em Portugal, os Paulistas da Serra de Ossa, lê-se online. Quem poderá resolver a polêmica, soube ontem o i, é a Direção Regional da Cultura do Alentejo (DRCALEN). O Ministério da Defesa pediu que o organismo, em articulação com o Igespar, “acompanhasse o processo de demolição”. O problema é que este devia ter sido consultado antes.
Aurora Carapinha, diretora regional de Cultura do Alentejo, explicou ao i que a primeira medida seguiu por ofício no dia 7 de Julho: a suspensão imediata da empreitada de demolição por dez dias úteis, para “avaliação”. Já ontem seguiu novo ofício a pedir informação sobre o uso dos edifícios adjacentes, propriedade também do Estado.
A demolição, ou não, ficará ainda sujeita a novo ofício com o parecer da DRCALEN, adianta a responsável. “O edifício não está classificado. Segundo o Plano Diretor Municipal é um imóvel em vias de qualificação mas estando dentro do recinto muralhado de Elvas é um imóvel protegido.” Depois de enviar técnicos para o terreno, acrescenta Carapinha, “não se encontrou nenhum motivo para ser demolido, mas o próprio projeto de demolição devia ser sujeito ao parecer do Igespar e da direção regional.”
Nuno Sequeira, vice-presidente da direção nacional da Quercus, fala de um processo com “contornos mais políticos do que técnicos”. Em maio, depois de uma denúncia sobre o risco das aves no muro sul do edifício, a ONG ambiental verificou que o Estado estava avançando com a demolição sem a licença necessária para remover os ninhos. Junto do Instituto de Conservação da Natureza, a decisão foi favorável ao Estado, adianta o responsável. Já na semana passada, quando estavam para começar os trabalhos de remoção dos ninhos, percebeu-se que a operação não era exequível e duas providências cautelares adiaram o processo. “A taxa de sobrevivência seria de uma em cada dez aves. Faltam 15 dias para as aves terminarem o ciclo de desenvolvimento, seria um massacre ambiental.”
Contatado pelo i, o Ministério da Defesa esclarece que, após uma derrocada de habitações em março, “a fachada ficou em risco acrescido de derrocada por falta de confinamento – tem 17 metros de altura e as habitações próximas encontram-se a cerca de quatro metros de distância”. A demolição foi ordenada “com carácter de urgência, para assegurar a criação de condições de segurança para pessoas e bens”, informou o gabinete do ministro Augusto Santos Silva. O i tentou ainda ouvir o presidente da câmara, que não se mostrou disponível.
Para Pedro Cidrães, autor da petição “Antes que te deitem abaixo”, o processo é “inadmissível”, sobretudo quando no ano passado Elvas apresentou candidatura a patrimônio mundial da UNESCO. “Derrubando a fachada, toda a zona alta ficará desfigurada”, diz. Entre os signatários da petição estão nomes como Fernando Sequeira Mendes, arquitecto e co-autor do primeiro Plano Geral de Urbanização da cidade, que entende que o edifício é “garantidamente recuperável.”
Aurora Carapinha considera as movimentações positivas. “É bom que haja movimentos de cidadania e vamos fazer tudo para que o patrimônio seja preservado. O edifício até poderá ser escorado e assumir a forma de ruína. O Convento do Carmo é uma ruína e está lá.”
Fonte: iOnline