Pela quarta vez neste ano, o lindo município de São Sebastião (SP) vai exportar bois em pé. O navio Al Kuwait, transportador de animais, que em fevereiro deste ano parou a Cidade do Cabo, na África do Sul, devido ao forte odor, está atracado desde o dia 13 de maio no Porto da localidade, embora já estivesse fundeado no local desde 13 de abril.
Desta vez está previsto o embarque de 15 mil animais, quatro mil a menos do que transportava quando houve o incidente no Continente Africano. A população mostra-se ressentida a cada vez que animais são transportados por visualizarem o sofrimento a que são submetidos, conforme uma pesquisa realizada pela Câmara de Vereadores de São Sebastião.
Recentemente o Projeto de Lei 02/2024, que proibia o transporte de animais pelo município de São Sebastião, de autoria do vereador Marcos Fuly (DEM), atual presidente da Câmara de Vereadores, foi arquivado por sete votos a quatro. Uma pesquisa realizada pela própria Câmara, sobre a atividade, mostrou que apenas ¼ dos entrevistados é favorável à atividade.
Embora os defensores do transporte de animais vivos argumentem constantemente que tudo acontece em conformidade com a legislação, são inúmeras as vozes discordantes, principalmente pelos maus-tratos aos quais os animais são submetidos. Acostumados à tranquilidade da vida no campo, os bois são colocados em caminhões para ficarem confinados durante alguns dias até que possam ser pesados para o embarque, para então seguirem viagem até o Porto que o levará ao seu destino de abate. A legislação brasileira determina que os animais não podem permanecer mais do que 12 horas embarcados, em caminhões, mas não há como comprovar que esta regra seja regimentalmente cumprida. Na entrada e saída dos animais dos caminhões e dos navios são usadas ponteiras, que dão choques, pontiagudas, ou mesmo vassouras para que seja impedida qualquer possibilidade de parada, ou recuo. O transporte é assustador para estes animais e causa grande estresse. Nos navios e nos caminhões eles necessitam ficar o tempo todo em pé, e em caso de desestabilização do veículo, que ocasione queda, isto os levará a serem pisoteados pelos demais, o que não é incomum.
Quando este mesmo navio, que saiu do Porto do Rio Grande (RS) com 19 mil bois, em fevereiro, e depois de 9 dias, atracou na Cidade do Cabo para abastecer e embarcar comida e água para os animais passou por inspeção do Conselho Nacional da Sociedade para Prevenção da Crueldade contra Animais da África do Sul (NSPCA) devido à situação caótica que a sua chegada havia criado. O que técnicos, ativistas e veterinários encontraram resultou na alcunha de “navio da morte”
Oito animais estavam tão feridos que precisaram ser sacrificados, além dos já encontrados mortos. Ainda havia muitos doentes e machucados que foram atendidos pelos veterinários que subiram a bordo. Eles contaram ter visto que em alguns dos currais havia “lama” de urina e fezes até o topo dos cascos. Os animais são levados por quase um mês em viagem transatlântica para serem mortos, após tantos dias de sofrimento.
O meio ambiente está em risco
Mesmo assistindo o imenso sofrimento do Estado do Rio Grande do Sul com as cheias, este tipo de atividade que degrada o meio-ambiente continua sendo permitido, conforme alerta a advogada animalista Letícia Filpi. O estado gaúcho já estava sofrendo com a enchente, em 04 de maio, quando 25 mil bois foram embarcados pelo Porto do Rio Grande no navio NADA, o mesmo que em 2018 foi impedido de zarpar por liminar requerida por organismos de defesa animal.
Sobre o Estado paulista, Letícia argumenta: “O Estado de São Paulo e o município de São Sebastião estão presenciando a destruição, o risco ambiental que esta atividade (de exportação de bois representa) e não fazer nada é chocante! É um absurdo ver o Poder Público presenciando este atentado, esta afronta ao direito da população ao meio ambiente equilibrado, aos direitos dos animais, absolutamente maltratados. Existem provas fartas dos maus-tratos aos animais, ocorridos nestes embarques. Há estudos comprovando que os navios não são preparados para o transporte de animais. Há uma gama de provas de insubordinação a inúmeros direitos. É o risco ambiental marinho, é o risco ambiental às unidades de conservação do entorno, é o risco ambiental do mangue do Araçá que será totalmente destruído, com consequências imprevisíveis. E a gente vê o Poder Público assistindo e muitas vezes, inclusive, incentivando esta atividade que é uma afronta a direitos, a direitos fundamentais humanos, aos direitos dos animais, aos direitos da terra, ao direito à saúde pública. O pior de tudo é que eles, embora eleitos pela população não a ouvem. A população de São Sebastião claro, na Câmara de Vereadores afirmou que é contra os embarques de animais vivos na cidade, por tudo o que foi citado e também pelos danos psicológicos e emocionais de ver os animais sofrendo sem poder fazer nada. Este sentimento de impotência, de compaixão pelos animais, que estão ali sofrendo, pois eles passam nos caminhões, a população vê e sofre junto com eles e o Poder Público simplesmente ignora tudo isto. Então, definitivamente algo precisa mudar urgentemente”, afirma Letícia.
O documentário “Exportação Vergonha”, lançado em julho de 2023, pela ONG Mercy For Animals (MFA), narrado em português, pela ativista Luísa Mell e disponível no YouTube, documenta o sofrimento dos animais neste tipo de transporte. Ele detalha esta situação já descrita aqui: por três a quatro semanas, milhares de bois ficam confinados nos navios, submersos em urina e fezes. Acredita-se que mais de 10% deles não resiste à viagem, e seus corpos acabam sendo lançados ao mar. Em mais um crime ambiental gravíssimo.