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TRAGÉDIA

Naufrágio que matou 5 mil bois explorados para exportação completa 6 anos

A data serve para alertar sobre a necessidade de por fim às exportações de animais vivos por serem práticas intrinsecamente cruéis

7 de outubro de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
8 min. de leitura
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Foto: Divulgação

O naufrágio de um navio que transportava 5 mil bois de Barcarena, no Pará, para a Venezuela, completou 6 anos nesta quarta-feira (6). A data serve para alertar sobre a necessidade de por fim às exportações de animais vivos por serem práticas intrinsecamente cruéis. Em 6 de outubro de 2015, a embarcação Haidar, de bandeira libanesa, tombou logo após deixar o Porto de Vila do Conde. A maior parte dos bois que estavam a bordo morreram afogados.

“Essa data não pode ser jamais esquecida, pois mostra o descaso com os animais e coloca em evidência a precariedade do transporte de animais vivos por via marítima, atividade terrível e vergonhosa”, asseverou a Mercy For Animals (MFA), entidade internacional de defesa animal.

No dia do naufrágio, 700 toneladas de óleo transportados pelo navio também foram despejados no mar, causando um dano ambiental que prejudicou não só a natureza, mas também as comunidades da região. Além disso, os milhares de corpos dos bois iniciaram um processo de decomposição que também contaminou a água e o solo.

“Da data dessa tragédia para cá, nada mudou. A maior parte da frota que transporta animais vivos a partir do Brasil é composta por navios antigos, que não foram originalmente construídos para essa finalidade. Essas embarcações representam um verdadeiro risco para os animais, as populações de áreas portuárias e diferentes biomas ao longo do seu percurso”, reforçou a MFA, que criou um abaixo-assinado para pedir que o Senado Federal proíba a exportação de animais vivos no Brasil – para assinar, clique aqui.

Diretora de investigação da Mercy For Animals, Luiza Schneider lembrou que “navios são locais totalmente inadequados para bois ficarem presos durante semanas”. “A Mercy For Animals luta para acabar com essa terrível prática não só pelo grande mal que a exportação causa a esses animais, mas também por esses navios serem um risco ao meio ambiente e à população que vive próxima aos portos”, completou.

Foto: Reprodução/TV Liberal

Mais de 800 mil bois vivos exportados em navios

Em 2019 e 2020, a exportação de bois vivos condenou mais de 800 mil animais ao sofrimento dentro de navios. Levados para países do Oriente Médio e do Norte da África, a maior parte dos bois partiram do Porto de Vila do Conde, no Pará.

Conforme relatado pela entidade Mercy For Animals (MFA), o Pará é o estado brasileiro que mais exporta bois vivos e é líder em taxas de desmatamento da Amazônia. Durante o transporte, os bois são “confinados em navios que muitas vezes não foram construídos para essa finalidade, em espaços minúsculos e em condições insalubres” após serem criados em fazendas localizadas, em sua maioria, em cidades do Pará.

O estado é o maior exportador de animais vivos do país e pelo menos três de seus municípios com atividade pecuária figuraram entre os campeões de desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos. Em 2019, o estado desmatou 48% da área verde de floresta do bioma, em 2020, 42%, e nos últimos dois meses deste ano bateu recorde de desmatamento”, informou a MFA.

Foto: Divulgação

O desmatamento causado pela exportação de animais vivos

Além da crueldade intrínseca à exportação de animais vivos, essa prática também colabora para o aumento do desmatamento. “A exportação de animais vivos apresenta um risco de desmatamento significativamente maior do que a exportação de carne bovina porque está fortemente concentrada no estado amazônico do Pará. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a pecuária é a principal causa de desmatamento na Amazônia”, citou a MFA.

“Entre 2016 e 2020, cerca de 24% das exportações de bois vivos no país partiram de Abaetetuba, município a 50 km do Porto de Vila do Conde e onde estão localizadas as quatro estações de pré-embarque da Minerva, a maior empresa exportadora de animais vivos no Brasil. Entre 2015 e 2017, as exportações paraenses representaram 97,9% das exportações oriundas do bioma amazônico e 71,2% das exportações de bovinos vivos do Brasil em volume. Nesse mesmo período, a maior parte dos bovinos vivos exportados pelas quatro maiores empresas exportadoras do país foi fornecida por fazendas paraenses”, continuou.

Foto: desmatamento/Unsplash

De acordo com dados divulgados pela MFA, as fazendas que fornecem bois vivos para exportação da Minerva no Pará estão situadas em 81 cidades, das quais 30 estão entre as 100 que mais desmataram a Amazônia desde 2008. “Nesses 30 municípios foram derrubados mais de 30 mil quilômetros quadrados de florestas nativas entre 2008 e 2020. Isso representa 33,8% de todo o desmatamento acumulado na Amazônia e 76,5% de todo o desmatamento acumulado no Pará no período”, comentou.

“O extremo sofrimento animal é intrínseco à exportação marítima”

De acordo com a MFA, a exportação de animais vivos no Brasil é realizada majoritariamente por via marítima, com embarque principalmente no Porto de Vila do Conde, na cidade de Barcarena, no Pará, e o “extremo sofrimento animal é intrínseco a esse tipo de exportação, que implica o confinamento intenso dos animais por períodos longos, em sua maioria em navios antigos e não projetados originalmente para o transporte de animais vivos, mas que foram adaptados para transportá-los no convés, onde eles ficam expostos às condições climáticas (sol, chuva e ventos fortes, entre outras intempéries)”.

“As viagens em navios costumam durar mais de um mês e os bois são confinados em ambientes hostis e artificiais, viajam amontoados e sem espaço para se movimentarem. Nesse período, são obrigados a viver em condições insalubres, tendo que deitar sob suas próprias fezes e urina, muitas vezes em ambientes sem ventilação adequada. Cada boi embarcado tem em média 1,55 m² de espaço, o equivalente a uma porta convencional com largura de 77 cm por 2,10 cm de altura”, citou.

“Sem contar as longas viagens terrestres entre as fazendas, localizadas em sua maioria nos municípios da Região Norte, e os portos. Os bois vivos são transportados em caminhões por estradas de chão, em rodovias com péssima condição de conservação, e muitas vezes fazem até mesmo travessia em balsas. Nessas viagens terrestres, feitas em caminhões também com pouco espaço, os animais sofrem estresse e desconforto, além de privação de alimento e água por muitas horas”, completou.

Bois embarcados no Brasil são transportados amontoados em meio aos próprios excrementos dentro de navio (Foto: Magda Regina)

Para expor os horrores da agropecuária, a Mercy For Animals realizou investigações que mostraram animais sendo esfaqueados e mortos ainda conscientes, sentindo dores terríveis nos países de destino. Embora a forma como os animais são mortos no Brasil também seja cruel, a que é realizada nos países que compram animais vivos é ainda pior e seria considerada ilegal se fosse feita em território brasileiro, além de contrariar as recomendações da Organização Internacional de Saúde Animal.

Os problemas da exportação de animais vivos, no entanto, vão além. Isso porque incidentes aumentam ainda mais o sofrimento ao qual os bois são submetidos. “Pelo menos quatro incidentes graves foram relacionados à exportação de bois vivos no Brasil. Dois deles aconteceram com navios que transportam os animais. Em fevereiro de 2012, o navio Gracia Del Mar, de bandeira panamenha, teve uma pane no sistema de ventilação quando estava em alto-mar, o que provocou a morte de mais da metade (2.750) dos 5.200 bois por asfixia. Os animais foram embarcados no Porto de Vila do Conde, em Barcarena, no Pará, e tinham como destino o Egito”, relembrou a MFA.

ANDA move ações contra exportação de animais

A Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) entrou com duas ações contra a exportação de animais. A primeira, feita em conjunto com a Associação de Proteção Animal de Itanhaém (AIPA), solicitou a interrupção das operações no porto de Santos com base nas implicações ambientais e nos crimes de maus-tratos registrados durante o embarque feito pelo porto em dezembro de 2017.

O pedido das entidades foi aceito pelo desembargador Luis Fernando Nishi, que determinou a suspensão imediata das operações no porto no final de janeiro deste ano. Dias depois, entretanto, a liminar foi derrubada por um recurso impetrado pela Advocacia Geral da União (AGU) e o navio seguiu viagem.

A segunda ação, movida exclusivamente pela ANDA, foi contra os embarques de animais vivos no porto de São Sebastião. Devido à existência de outras duas ações contra tais operações no porto que tinham como foco os maus-tratos contra os animais, a ANDA optou por usar o enfoque ambiental como fundamento para se opor à exportação de animais vivos em São Sebastião.

Após a ação ter extraviado, a ONG impetrou um mandado de segurança solicitando o julgamento da liminar. O mandado foi deferido pelo juiz Dr. Guilherme Kischner que, em abril, suspendeu temporariamente os embarques no porto.

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