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ANÁLISE

Natureza ensina como reduzir o impacto das mudanças climáticas nas cidades

24 de janeiro de 2025
Paula Guatimosim
5 min. de leitura
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Uma obra complexa de engenharia restituiu o curso natural do rio Ticino, na Suíça, um dos locais visitados pela pesquisadora. Foto: Aliny Pires

A natureza ensina. É um exemplo de equilíbrio. As florestas têm um papel biofísico. Raízes das árvores ajudam a segurar terra e pedras, especialmente em encostas; suas copas e o colchão de folhas que cobrem o solo minimizam o impacto da chuva, as áreas de várzea são um refúgio para o aumento do volume de água dos rios. Além disso, as árvores, mesmo que isoladas, contribuem para reduzir o estoque de carbono (CO2), regulam a temperatura, estimulam a polinização, e ainda têm um papel paisagístico. Mas a interferência humana nessa harmonia vem fazendo com que as intempéries climáticas tenham consequências cada vez mais desastrosas.

Estudo liderado por pesquisadores do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na revista Science of the Total Environment, demonstra que as soluções baseadas na natureza (SbNs) têm grande potencial para promover a adaptação climática nas cidades. As áreas verdes são capazes de reduzir os impactos de eventos extremos, como enchentes, que arrasaram o estado do Rio Grande do Sul em 2024; e o calor intenso, que acometeu o Rio de Janeiro na primeira semana de dezembro passado, acompanhado de uma falta d’água sem precedentes.

A orientadora do estudo, a bióloga Aliny P.F. Pires, professora do Departamento de Ecologia do Ibrag, explica que a partir da revisão ampla da literatura científica, o grupo de pesquisa selecionou diferentes estratégias para os diversos problemas enfrentados pelas cidades, como inundações, deslizamentos, escassez de água, ondas de calor, entre outras. Eventos que, devido às mudanças climáticas, ocorrerão cada vez mais e com maior intensidade.

Publicado em outubro na revista Science of the Total Environment, o estudo analisou mais de sete mil evidências em diversos contextos urbanos e demonstrou que as soluções baseadas na natureza podem ser até duas vezes mais eficazes na redução de riscos climáticos quando comparadas às soluções tradicionais. A bióloga defende que cada município, independente de tamanho e população, identifique suas principais áreas de risco e defina um plano de adaptação personalizado e de longo prazo, escolhendo as SbNs melhores e de menor custo de implantação para solucionar os problemas identificados. “O planejamento também não pode estar restrito aos quatro anos de mandato do prefeito, é preciso que o Legislativo atue para que as soluções sejam de longo prazo”, salienta Aliny.

As SbNs são ações que utilizam o próprio ecossistema para enfrentar desafios sociais e ambientais. Em fevereiro de 2022, um volume de chuva esperado para o mês inteiro caiu sobre Petrópolis, numa das maiores tragédias já enfrentadas pela região Serrana do Rio de Janeiro. Na época, o grupo de pesquisas do Ibrag sugeriu modelagens considerando a regeneração florestal do estado do Rio de Janeiro (leia a matéria em https://www.faperj.br/?id=52.7.0).

Hoje, certo de que os grandes centros urbanos não comportam o plantio de florestas pelo simples fato de não possuírem área disponível, o grupo de pesquisa faz outro recorte, considerando soluções que possam ser entremeadas à área urbana, como jardins de chuva, telhados verdes e até mesmo o plantio de exemplares isolados de árvores. A pesquisadora dá um exemplo de solução negativa adotada pelo município de São Paulo, que realizou um corte indiscriminado de árvores a fim de evitar prejuízos decorrentes de quedas durante as tempestades.

No contexto das inundações, Aliny diz que os corpos hídricos têm uma dinâmica particular que deve ser considerada, pois uma modificação em seu curso pode inviabilizar o potencial destes sistemas como soluções baseadas na natureza. Os resultados indicam que as SbNs podem reduzir em cerca de 30% esses eventos em áreas urbanas e a renaturalização dos rios pode ser fundamental para agregar diversos cobenefícios.

Em 2023, Aliny esteve em Monte Verità, localizado no município suíço de Ascona, cerca de meio quilômetro do centro histórico, a noroeste da cidade antiga, às margens do Lago Maggiore. Ali ela teve sua primeira experiência com a renaturalização de um rio. Uma obra complexa de engenharia restituiu o curso natural do rio Ticino, incluindo a colocação de pedras e desníveis para a melhoria do fluxo, a fim de impedir a degradação do leito do rio, melhorar a diversidade ecológica, proteger a planície das inundações e aumentar o uso pela população.

Ainda assim, a bióloga explica que a recuperação de corpos hídricos é complexa e, muitas vezes, implica em um maior custo de investimento. Ela não acredita que o uso isolado de soluções tradicionais, também conhecidas como infraestrutura cinza, que, como o nome sugere, são estruturas em concreto para canalizações ou implantação de reservatórios, sejam a melhor opção. Em sua opinião, a partir da integração com as SbNs, é possível garantir o fornecimento de água para a população, aumentando o tempo de residência (permanência) da água no sistema.

A doutoranda Helena Alves do Prado, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Uerj, autora líder do artigo, alega que a implementação de estratégias mistas de soluções baseadas na natureza é a maneira mais eficaz de enfrentar os perigos climáticos, além de melhorar a qualidade de vida nas cidades. “É crucial envolver a sociedade na promoção dessas soluções, criando uma conexão mais forte entre as pessoas e o meio ambiente, principalmente agora, com os impactos crescentes das mudanças climáticas”, sugere Helena.

Fonte: FAPERJ

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