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EQUILÍBRIO

Não são só folhas e galhos: estudo revela que troncos de árvores abrigam trilhão de microrganismos e funcionam como ecossistemas vivos

Pesquisa publicada na revista Nature mostra que bactérias e outros microrganismos variam conforme a espécie e podem influenciar a saúde e o crescimento das árvores

9 de setembro de 2025
5 min. de leitura
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Foto: Freepik

Uma floresta é um ecossistema complexo e dinâmico, no qual uma imensa variedade de seres vivos — de árvores centenárias a fungos microscópicos — interage e depende uns dos outros para sobreviver.

O mesmo acontece dentro de uma única árvore, ao que tudo indica.

No início deste mês, uma equipe de cientistas publicou o estudo mais abrangente já feito sobre os microbiomas que vivem nos troncos das árvores. A pesquisa aponta que os tecidos lenhosos abrigam cerca de um trilhão de células microbianas, além das próprias células da árvore. Essas comunidades, compostas por bactérias e organismos unicelulares chamados arqueias, variam conforme a parte da árvore e até mesmo de acordo com a espécie analisada.

Os resultados, divulgados na revista Nature, revelam um vasto e pouco explorado reservatório de diversidade microbiana. “Uma árvore é, por si só, um ecossistema complexo”, afirma Jonathan Gewirtzman, ecologista de ecossistemas da Universidade Yale e um dos autores do estudo.

Segundo ele, embora a pesquisa ainda esteja em fase inicial, é “quase impossível” que parte desses microrganismos não desempenhe papel essencial na saúde, no crescimento e na defesa imunológica das árvores.

A equipe analisou amostras de mais de 150 árvores de 16 espécies no nordeste dos Estados Unidos. Para isso, retirou núcleos de madeira mais finos que uma caneta de espécies como bordos-vermelhos, bétulas-negras e freixos-brancos. Depois, utilizou diferentes métodos — trituração, mistura e batimento — para extrair o DNA e estimar a população microbiana presente.

Os micróbios vivem em duas regiões do tronco: a madeira externa, chamada alburno, e a madeira interna, conhecida como cerne. O estudo indica que cada uma abriga comunidades distintas: no alburno predominam microrganismos que dependem de oxigênio; no cerne, micróbios que não precisam dele. Grande parte do metano liberado pelas árvores se origina justamente do cerne, apontam os pesquisadores.

“É empolgante perceber que os tecidos internos das árvores são ambientes bastante dinâmicos”, diz James McDonald, ecologista microbiano da Universidade de Birmingham, que não participou do estudo. “É um trabalho fantástico.”

McDonald investiga como uma doença letal chamada declínio agudo do carvalho altera o microbioma dessas árvores. Para ele, conhecer melhor as comunidades microbianas de espécies específicas pode ajudar a prever como elas reagem a diferentes enfermidades.

Os cientistas também observaram que o microbioma varia conforme a espécie. Bordos-do-açúcar, usados na produção de xarope, apresentaram mais bactérias que consomem açúcar. Já carvalhos empregados na fabricação de barris de vinho abrigaram micróbios que auxiliam na fermentação. “Isso mostra como esses microrganismos impactam nosso dia a dia de formas inesperadas”, explica Wyatt Arnold, ecologista microbiano e coautor do estudo.

Arnold destaca que as árvores não são estruturas únicas, mas “um conjunto de camadas e compartimentos”. Ele aponta ainda que espécies aparentadas tendem a compartilhar comunidades microbianas semelhantes, evidenciando uma ligação evolutiva entre esses organismos e seus hospedeiros. “Não parece ser algo meramente acidental”, diz.

Os micróbios podem chegar ao interior das árvores por diferentes caminhos: alguns são herdados pelas sementes e permanecem até a fase adulta, outros entram por ferimentos ou aberturas naturais, e há ainda rotas desconhecidas pelos cientistas.

Inspirado por estudos sobre o microbioma humano, o trabalho oferece um panorama amplo, não limitado a uma única espécie. “Espero que sirva de mapa para que novas pesquisas aprofundem essas questões”, afirma Arnold.

Para Fréderique Reverchon, ecologista microbiana do Instituto de Ecologia do México, que não participou do estudo, o próximo passo é investigar árvores tropicais. “Fico curiosa para saber o que acontece nesses ecossistemas no sul do México ou no Brasil”, afirma. “Este estudo abre muitas oportunidades de pesquisa, e isso é ótimo.”

Gewirtzman reforça que a complexidade do ecossistema interno de uma árvore revela a diversidade da própria floresta — e até a singularidade de cada tronco. “O que parece uma coisa só é, na verdade, um trilhão de organismos vivendo juntos”, resume.

Fonte: O Globo

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