Embora até hoje o Brasil não conte com uma lei federal que proíbe a realização de testes em animais, nem mesmo na indústria cosmética, não há mais desculpas para essa prática em 2020.
Métodos alternativos aprovados
Em setembro deste ano completa seis anos da homologação de 17 métodos alternativos reconhecidos no país pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), e aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que podem ser utilizados no processo de registro de cosméticos, medicamentos, alimentos e produtos de higiene e limpeza, além de pesquisas no ensino.
Os métodos sem o uso de animais vivos autorizados no Brasil têm reconhecimento internacional e substituem, por exemplo, avaliação de irritação ocular ou de pele, toxicidade aguda e absorção cutânea, que são os mais comuns e causam bastante dor aos animais.
A Resolução Normativa n° 18, que estabeleceu alguns métodos como obrigatórios a partir de setembro de 2019, após um prazo de tolerância de cinco anos, favorece testes sem animais mesmo quando não previstos nas normas da Anvisa, desde que reconhecidos pelo Concea.
Boa vontade na ciência pode fazer a diferença
Em casos em que há dois tipos de testes homologados no país para uma mesma finalidade – um com animal vivo e outro sem – o laboratório deve obrigatoriamente não utilizar animais vivos. Essa mudança é mais uma prova de como é possível desenvolver e registrar produtos, assim como pesquisas, sem submeter animais a sofrimento.
No entanto, ainda que isso não signifique que todos os testes em animais serão abolidos em breve, é mais uma prova de como a boa vontade na ciência pode fazer uma grande diferença. Não há dúvida de que o momento é de pressionarmos cada vez mais por mudanças que garantam a abolição dos testes em animais nos próximos anos.
O Brasil tem condições de chegar lá. Outro exemplo, em direção a um futuro em que animais não sofrerão nos laboratórios nem serão vítimas de eutanásia quando não forem considerados úteis, é que cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem) já criaram organoides feitos com células humanas, em escala micrométrica, que exercem a mesma função de órgãos humanos como intestino e fígado.
Uso de animais não traz resultados confiáveis
Quem também já criou a sua própria alternativa aos testes em animais foi o pesquisador Renato Ivan de Ávila, vencedor do Prêmio Internacional Lush Prize. Ele estabeleceu um método que avalia se um produto ou substância tem a capacidade de reagir com as proteínas da pele e promover alterações nas células da pele que culminem no desenvolvimento de alergias.
“Assim, utilizamos proteínas sintéticas e células humanas cultivadas em laboratório, entre elas queratinócitos, uma das células mais presentes na pele, e células dendríticas que são responsáveis por processar e identificar substâncias alergênicas no organismo”, disse em entrevista à Vegazeta
Ávila avaliou os testes em animais como ultrapassados e reforçou que causam sofrimento desnecessário aos animais. “São modelos que falham, ou seja, não trazem resultados confiáveis. Como dizem pesquisadores de referência na nossa área, o homem não é um camundongo de 70 quilos e, por isso, há diferenças entre o organismo do homem e de outros animais.”
Ausência de leis sobre testes em animais
Por outro lado, além do Brasil não contar com lei federal sobre o tema, apenas oito estados têm leis específicas contra testes em animais e se voltam principalmente para a proibição da prática na indústria cosmética. A lista inclui Amazonas, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Ainda assim, essas leis já motivaram inúmeros conflitos e tentativas de burlá-las sob alegação de inconstitucionalidade, já que a ausência de uma lei federal já permitiu que empresas no país, representadas pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), tentassem derrubá-las junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu em 2018.
Isso significa que hoje proibir testes em animais deveria ser uma demanda urgente na esfera federal se queremos realmente evitar surpresas que representem um retrocesso quando falamos de práticas que atentem contra o bem-estar animal.
Três projetos de lei que favorecem a não exploração animal
O Brasil hoje conta com três iniciativas em trâmite na Câmara dos Deputados que visam favorecer a não exploração animal na ciência.
Uma é o Projeto de Lei 2470/2011, de autoria do deputado Ricardo Izar, que regulamenta o direito à informação quanto ao uso de animais vivos em testes de produtos e substâncias.
Se continuar avançando até ser sancionada, a proposta obrigará os fabricantes a destacarem a seguinte informação: “Obtido a partir de testes em animais vivos”.
Mais recente, e de autoria do deputado federal Célio Studart (PV-CE), o Projeto de Lei (PL) 948/2019, já apensado ao PL 6325/2009, defende a proibição em todo o Brasil do uso de animais em testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfume e limpeza.
Studart também é o autor do PL 2560/2019, que prevê a criação do selo “Livre de Crueldade” para identificar produtos e marcas livres de testes em animais. Anexada ao Projeto de Lei (215/2007), a iniciativa também visa estimular as empresas a se afastarem da prática.
Testes não predizem “as reações humanas no mundo real”
Até hoje mais de 100 milhões de animais continuam sendo utilizados por ano em experimentos laboratoriais que incluem testes de produtos, vivissecção e pesquisa no ensino, segundo dados da Humane Society International (HSI) e Cruelty Free International (CFI).
Organizações que fazem oposição ao uso de animais como cobaias apontam que além da geração de sofrimento, os testes consomem muito tempo e recursos, além de restringir o número de substâncias que podem ser testadas. Os experimentos também são criticados por fornecerem uma compreensão muito limitada de como as substâncias químicas se comportam no corpo.
Há apontamentos de que em muitos casos os testes não predizem corretamente “as reações humanas no mundo real”. Por isso cientistas estão questionando cada vez mais a relevância das experiências que visam “modelar” as doenças humanas em laboratório, criando artificialmente sintomas em outras espécies animais.
Atualmente, entre os recursos disponíveis que podem substituir os testes em animais estão as novas tecnologias que envolvem triagem de alta produtividade, modelos computacionais e chips baseados em cultura de células e tecido humano artificial.
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