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Nação das defensoras¹

30 de julho de 2013
6 min. de leitura
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Tom Regan, em Jaulas Vazias, utiliza o termo “Defensores dos Direitos Animais” para designar todas as pessoas que compartilham as convicções abolicionistas “com plena consciência animal, quaisquer que sejam os caminhos que tenham percorrido para chegar lá.” Com isso, Regan afirma que a nação dos defensores animais é composta por todas as pessoas que, independentemente das suas convicções, defendem que os animais não deveriam estar nas jaulas que estão. E não devem ser jaulas maiores, mas vazias.

Pela via dos direitos, Regan defende que os animais têm, portanto, o direito de serem tratados com respeito. Consequentemente, eles não devem ser utilizados para alimentação, diversão, experimentos ou quaisquer formas de uso pelos humanos. O reconhecimento desses direitos requer abolição, e não mera reforma. Contudo, antes de pensar nas razões pelas quais os animais têm direitos, Regan explica que seria necessário pensar sobre os direitos humanos.

Regan parte, então, em busca do motivo pelo qual defensores dos direitos humanos afirmam que em determinados casos houve uma violação desses direitos. Após analisar o caso de Tuskegee sobre a sífilis, Regan entende que os direitos morais, utilizados pelo autor como sinônimo de direitos humanos, representam um tipo de proteção: um sinal invisível de “Entrada proibida”. Esse sinal proíbe duas coisas: “os outros não são moralmente livres para nos causar mal” e “os outros não são moralmente livres para interferir na nossa livre escolha”. Dessa forma, a liberdade dos outros é limitada moralmente em favor da proteção da vida, do corpo e da liberdade. Regan vai além e afirma que “Direitos morais estão imbuídos de igualdade. Eles são os mesmos para todos os que os têm, ainda que todos sejam diferentes uns dos outros, em muitos aspectos.” Assim, quando se defende a ideia de direitos humanos, tem-se me mente que os seres humanos diferem entre si, mas tais diferençam não afastam os direitos das pessoas. Questões econômicas ou de etnia, religião, gênero etc., diferem as pessoas mas não afastam os seus direitos de terem sua proteção à vida, ao corpo e a liberdade garantidos. Além disso, os benefícios que uma pessoa tem quando viola os direitos de outra, nunca justifica a violação desses direitos.

Após compreender o que são os direitos humanos e os direitos morais, Regan busca o motivo pelo qual todos os humanos têm esses direitos e merecem igualmente que eles sejam respeitados. Assim, conclui que embora tenham muitas diferenças, existem alguns direitos decorrentes de aspectos sob os quais todos os seres humanos são iguais: nossos direitos à vida, à integridade física e à liberdade. “A família de características que definem esta ideia nos torna todos iguais de forma que nossa igualdade moral faça sentido.” Para Regan, somos todos “sujeitos-de-uma-vida”. Considerando, assim, que os humanos não têm direitos morais simplesmente porque são humanos, são pessoas, são autoconscientes, usam a falam ou têm alma, por exemplo, Regan entende que os animais não-humanos também são sujeitos-de-uma-vida, na medida em que são conscientes do mundo e do que lhes acontece, sendo isso importante para eles independente de outros se ocuparem com isso ou não. Logo, o respeito à vida, à integridade física e à liberdade de não-humanos também deve ser preservado.

Essa breve exposição dos fundamentos de Regan para defender direitos para os animais nos permite concluir que se os fundamentos dos direitos humanos e dos direitos animais são semelhantes, então, por uma questão de coerência, a defesa dos direitos humanos não pode violar os direitos animais, e vice-versa. Em certa medida, essa é também a concepção da filosofia ecofeminista: existem importantes conexões entre a dominação das mulheres e a dominação da natureza. Embora o ecofeminismo tenha as mulheres, os animais e os ecossistemas como foco, ele reconhece que essa dominação pode ser de outros humanos também, além das mulheres, que estejam em situação de vulnerabilidade e sejam afetados por outros sistemas de dominação, como as questões de etnia, classe, idade etc.

Os dados nos indicam essa conexão: segundo relatório do Ministério do Trabalho e Emprego, a pecuária foi o setor com mais casos de trabalhadores em situações análogas às de escravo em 2012. Somente na pecuária, foram 42 ações fiscais nas quais foram encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravo, sendo resgatados 497 trabalhadores. Esses dados confirmam o que a filósofa ecofeminista Karen Warren afirma: fazendas são lugares de opressão humana. Além da exploração dos animais e da devastação ambiental, a pecuária também viola os direitos humanos quando descumpre os direitos trabalhistas de homens e mulheres e prejudica sua saúde pelo uso de pesticidas e agrotóxicos, por exemplo.

Contudo, parece ser consensual o repúdio à escravidão. Soaria gritante a defesa em prol da libertação dos animais substituindo-a pela exploração de humanos, ou seja, dificilmente uma defensora dos animais defenderia a substituição de animais não-humanos por humanos em situação análoga a de escravidão. Entretanto, quando uma defensora dos animais é a favor da substituição de não-humanos, em experimentos, por homens condenados pelo cometimento de crimes, há uma nova violação de direitos. Da privação de liberdade de um sujeito por um ato que cometeu, repudiado pelo Estado que o submete a uma pena pelo devido processo legal, não decorre à violação de sua integridade física e da sua vida. Enquanto persistir a incoerência pautada nos valores que justificam a defesa de algumas, quando deveria ser de todas (naquilo onde há igualdade), manteremos a mesma lógica que impede o avanço na abolição de todas as formas de dominação. Afinal, somos defensoras do quê?

1 Esse texto é escrito no feminino universal. Ao invés de usar a regra da língua culta que generaliza no masculino, utilizo o gênero feminino quando quero me referir tanto ao masculino quanto ao feminino.
2 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: Encarando o desafio dos direitos animais. Trad. Regina Rheda. Revisão técnica Sônia Felipe e Rita Paixão. Porto Alegre: Lugano, 2006, p. 41.
3 Entre 1932 e 1972, o Instituto Tuskegee, atual Universidade de Tuskegee, no estado do Alabama (EUA), conduziu uma pesquisa com 399 homens afro-americanos portadores de sífilis, na qual visavam conhecer o desenvolvimento e as consequências da doença, sem que os participantes soubessem que eram portadores dela e quais os propósitos da pesquisa. Mesmo após a descoberta, em 1957, do tratamento da sífilis com penicilina, a pesquisa continuou sem ofertar tratamento aos participantes, levando alguns à morte, outros a ter complicações relacionadas à doença, além de esposas e crianças infectadas. REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p.46-47.
4 REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p. 47.
5 REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p. 48.
6 REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p. 61.
7 Disponível em <http://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/05/DETRAE-RESULTADOS-2012.pdf>
8 WARREN, Karen. WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy: A Western Perspective on What It Is and Why It Matters. Rowman & Littlefield Publishers, 2000, p. 11.

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