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ESPÉCIE ENDÊMICA

Na porta da COP 30, bate o apelo de um dos macacos mais ameaçados do mundo

Espécie amazônica, que ocorre nos estados do Pará e Maranhão, já está extinta localmente em Belém, sede da COP, e segue pressionada pelo desmatamento, caça e incêndios

29 de julho de 2025
Duda Menegassi
7 min. de leitura
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Foto: Fabiano Melo

Os líderes globais que irão se reunir em novembro em Belém, no Pará, durante a 30ª Conferência das Partes sobre o Clima (COP 30) terão a missão de debater as medidas, acordos e compromissos para enfrentar a crise climática em curso. Junto a isso, ganha cada vez mais espaço a necessidade de trazer à tona outra crise intrinsecamente relacionada: a da perda de biodiversidade. E bate na porta da COP 30 a história de um macaco amazônico, já extinto localmente na capital paraense, e que acaba de ser listado entre os primatas mais ameaçados do mundo.

O protagonista dessa história é o kaapori (Cebus kaapori), macaco que ocorre apenas numa região do leste da Amazônia, nos estados do Pará e Maranhão, sobreposta ao Arco do Desmatamento – zona onde a destruição da floresta avança no ritmo mais acelerado. A caça e incêndios florestais completam a lista dos motivos pelos quais a espécie 100% brasileira foi incluída, pela comunidade primatológica internacional, como um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.

A seleção faz parte da publicação Primates in Peril (Primatas em Perigo) 2025-2027, elaborada pelo Grupo Especialista em Primatas (PSG), da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), em conjunto com a Sociedade Internacional de Primatologia (IPS). As discussões finais para determinar quais espécies deveriam entrar na lista foram realizadas na última terça-feira (22), durante o 30º International Primatological Society Congress (Congresso da Sociedade Internacional de Primatologia), realizado em Madagascar.

“Escolhemos o kaapori porque ele está Criticamente Em Perigo de extinção. É o primata mais ameaçado da Amazônia. E pode ser uma espécie-bandeira para essa região, conhecida como Centro de Endemismo Belém”, aponta o analista ambiental Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio) e vice-presidente do Grupo de Especialistas de Primatas da América Latina pela IUCN.

Pesquisadores estimam que a espécie perdeu mais da metade do seu habitat nas últimas décadas. Mesmo ambientes de florestas degradadas veem as populações do macaco desaparecer. O principal refúgio do primata está na Reserva Biológica do Gurupi e nas Terras Indígenas ao redor, que formam um cinturão de floresta em bom estado de conservação.

A expectativa é que a inclusão do kaapori – um macaco amazônico, brasileiro e paraense – ajude a dar visibilidade à situação alarmante da biodiversidade, em especial no Arco do Desmatamento. Cenário agravado pelas mudanças climáticas e vice-versa.

“Não tem como dissociar [clima e biodiversidade]. O desmatamento e as queimadas têm um papel significativo na contribuição da crise climática, liberando na atmosfera o carbono que está fixado na vegetação nativa. Então, quando falamos na conservação de florestas, em especial as tropicais, estamos falando não apenas na conservação da biodiversidade, mas na mitigação das mudanças do clima”, destaca Leandro, que cita ainda o papel fundamental dos primatas na dispersão de sementes, em especial das grandes árvores.

“Não tem como falar das causas das mudanças climáticas sem falar de biodiversidade. E não tem como falar das consequências das mudanças climáticas sem falar de biodiversidade”, resume.

O primatólogo ressalta a situação dos bugios-de-manto-mexicanos (Alouatta palliata mexicana), uma subespécie com ocorrência restrita ao México que também acaba de ser listada entre as 25 mais ameaçadas do mundo. Em 2024, mais de 150 bugios morreram devido ao calor extremo, numa consequência direta dos impactos da emergência climática.

Ao todo, foram selecionadas seis espécies da América Latina, seis da Ásia, sete de Madagascar e outras seis dos demais países da África.

Guigó: outra espécie ameaçada

Do lado brasileiro, além do kaapori, aparece na lista o guigó (Callicebus coimbrai). O habitat do macaco é a Mata Atlântica nordestina, do Recôncavo Baiano ao rio São Francisco, entre os estados da Bahia e do Sergipe, onde o bioma está atualmente reduzido em cacos.

De acordo com o coordenador do CPB/ICMBio, a área de distribuição original do guigó é de 3 milhões de hectares, mas a espécie só ocupa efetivamente 1% deste território, espalhada em fragmentos em sua maioria minúsculos e isolados.

“Só encontramos a espécie em cerca de 120, 130 fragmentos. Dois terços deles com 50 hectares ou menos. Estamos falando de fragmentos de 3, 5, 7 hectares, onde vive um grupo de até três indivíduos que não vai para lugar nenhum porque não tem como reproduzir nem se manter, porque não há recursos para sobreviver ali no longo prazo. Eles estão ilhados”, contextualiza o coordenador. A estimativa é de que os guigós precisem de uma área de no mínimo 20 hectares para viver.

Com o impulso da lista dos Primates in Peril, os primatólogos esperam pressionar pela criação da primeira unidade de conservação (UC) federal de proteção integral no habitat da espécie. Atualmente, existe apenas o Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, em Sergipe, porém na esfera estadual, com cerca de 900 hectares.

De acordo com o analista, ainda é necessário estudar a melhor estratégia e local para criação da área protegida que possa resguardar as poucas e mais importantes florestas que restam pro guigó. Dado o contexto da espécie, é possível que a melhor saída seja criar uma UC composta por fragmentos maiores e desconexos e, posteriormente, trabalhar com restauração e corredores florestais para resgatar a conectividade entre eles.

“A ideia de criar uma área para conservação dessa espécie é uma estratégia crucial para garantir remanescentes e promover pesquisas e o envolvimento da comunidade”, afirma Leandro.

Unidades de conservação

A América Latina – ou Neotrópicos, como chamam os cientistas – possui ainda entre os mais ameaçados o macaco-aranha-da-Colômbia (Ateles rufiventris), o capuchinho-de-testa-branca (Cebus aequatorialis) e o zogue-zogue-do-Rio-Beni (Plecturocebus modestus).

A publicação, criada em 2000, é elaborada a cada dois anos. Os critérios incluem não apenas o grau severo de ameaça, mas também a diversidade geográfica e taxonômica (com gêneros diferentes de primatas). Além disso, pesa na escolha o potencial de gerar ações em prol da conservação a partir da visibilidade gerada pela lista.

O brasileiríssimo sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), que ocorre apenas numa pequena região do Amazonas, em grande parte sobreposta à cidade de Manaus, é um bom exemplo disso. Listado na edição anterior (2023-2025), o macaco amazônico ganhou em 2024 sua primeira unidade de conservação de proteção integral com a criação do Refúgio de Vida Silvestre Sauim-de-Coleira.

“Começamos a fazer a lista como uma forma de ter mais atenção para os primatas na mídia. A ideia é ter representação geográfica, taxonômica e, mais importante, se estar no top 25 vai ser usado para promover a conservação da espécie, inclusive para ajudar na captação de recursos para essas ações”, conta o primatólogo Russell Mittermeier, chefe de Conservação da Re:wild e um dos idealizadores da lista, que começou nos anos 2000.

“Estamos sempre tentando achar espécies muito ameaçadas e que precisam dessa atenção”, completa.

Madagascar: os primatas mais ameaçados do mundo

“Se quiséssemos poderíamos fazer uma lista de 25 primatas mais ameaçados apenas com lêmures”, comenta o primatólogo Russell Mittermeier. A afirmação faz eco à situação dramática dos lêmures, primatas que existem apenas em Madagascar. Ao todo, existem 112 espécies e subespécies conhecidas. Dessas, cerca de 95% estão sob algum grau de ameaça de serem extintas, sendo 31% avaliadas como Criticamente Em Perigo de extinção – o nível mais severo de risco. Desmatamento, caça e os impactos das mudanças climáticas estão entre os principais motivos que puseram as espécies à beira da extinção.

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