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Na África, batalha para salvar a vida de elefantes começa a dar resultados

15 de abril de 2018
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Elefantes fazem círculo para se proteger de possíveis ameaças, na Tanzânia | Foto: Ben Curtis

A elefanta tropeçou e despencou entre o capim alto no sul da Tanzânia, região onde houve o maior volume de caça no mundo.

Não foi um caçador que a visou, mas uma autoridade de conservação, imobilizando-a com um dardo contendo drogas. Logo a elefanta roncava forte, então eles abriram sua tromba com um galho para ajudá-la a respirar. Eles passaram uma coleira de 12 quilos com GPS sobre a pele grossa de seu pescoço e injetaram um antídoto, fazendo-a se levantar novamente. Depois de inspecionar o equipamento com a tromba, o animal voltou lentamente para seu rebanho.

A operação fez parte de uma iniciativa que durou um ano para colocar coleiras e rastrear 60 elefantes na Reserva de Animais Selvagens Selous da Tanzânia e a seu redor, área reconhecida como “ponto zero” da caça que dizimou os elefantes africanos nos últimos anos. A agência Associated Press viajou à região para testemunhar como a batalha para salvar os elefantes do continente está ganhando impulso, com as mortes em declínio e alguns rebanhos dando sinais de recuperação. Os mercados ilegais de marfim estão encolhendo no mundo todo, e os órgãos policiais têm desbaratado alguns importantes grupos de traficantes, segundo especialistas.

Mas é cedo demais para declarar uma inversão. Os caçadores estão mudando para novas áreas, e os traficantes se adaptam, ajudados pela corrupção arraigada. O índice anual de perda de elefantes ainda supera o índice de natalidade. E a ampliação dos assentamentos humanos reduz o espaço dos animais.

“A tendência da caça vai na direção certa, mas temos um longo caminho antes que possamos nos sentir aliviados sobre o futuro dos elefantes”, disse Chris Thouless, da Salvem os Elefantes, grupo sediado no Quênia, onde o número de paquidermes está crescendo novamente.

Em uma medida para reprimir a demanda, o Reino Unido anunciou neste mês a proibição da venda de marfim. Na China, o comércio de marfim e produtos derivados é ilegal a partir deste ano. E nos EUA a proibição ao marfim, com exceção de produtos com mais de cem anos, entrou em vigor em 2016.

Veterinário se prepara para atirar dardo de tranquilizante em elefante na Tanzânia
Se a caça puder ser controlada na Tanzânia, há esperança de que a morte dos animais possa ser contida em outras partes do continente.

A população de elefantes na África despencou de milhões por volta de 1900 para pelo menos 415 mil hoje. Inteligentes e emotivos, com um comportamento social muito desenvolvido, os elefantes são caçados há séculos por causa de suas presas de marfim. A proibição ao comércio do produto através de fronteiras internacionais entrou em vigor em 1990, mas muitos países continuaram permitindo a compra e venda interna de marfim.

O aumento da demanda por consumidores chineses instigou uma nova onda de mortes.

Somente na Tanzânia, a população desses paquidermes diminuiu 60% entre 2009 e 2014, segundo o governo, chegando a 43 mil. Grande parte da chacina ocorreu em um ecossistema que compreende o parque Selous e seu vizinho, Parque Nacional Mikumi. Um guia turístico disse à AP que vários anos atrás ele e um cliente viram uma família de elefantes ao pôr do sol na reserva de Selous. Eles voltaram no dia seguinte e viram a cena terrível dos cadáveres dos animais mortos, por causa das presas.

As mortes em Tanzânia parecem ter diminuído. Uma contagem na área de Selous-Mikumi no ano passado chegou a 23 cadáveres de elefantes, apenas 20% do número encontrado quatro anos antes. E a caça de elefantes africanos diminuiu aos níveis anteriores a 2008 depois de atingir o pico em 2011, segundo a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas.

É uma tendência positiva, mas especula-se que haja falta de elefantes para caçar em muitas áreas.

“Todos os elefantes ‘fáceis’ estão mortos”, disse Drew McVey, diretor na África oriental do grupo conservacionista World Wildlife Fund (WWF).

Na região de Selous, na Tanzânia, mais elefantes recém-nascidos são visíveis, e os animais confiantes se movimentam mais amplamente fora de áreas oficialmente protegidas e não cercadas, segundo Edward Kohi, principal diretor de pesquisa do Instituto de Pesquisa da Vida Natural da Tanzânia e líder do programa de encoleiramento com GPS financiado pela WWF.

As coleiras foram desenhadas para permitir que os patrulheiros rastreiem o movimento dos rebanhos e se mobilizem para protegê-los quando se deslocam para pontos de caça. Ao receber dados transmitidos por satélite em telefones celulares, os patrulheiros também puderam interceptar elefantes que vagavam por assentamentos humanos ou plantações.

Veterinário se aproxima de elefante atingido por tranquilizante, na Tanzânia
Adam Rajeta, um agricultor e pecuarista que vive ao lado do parque Mikumi, disse que os animais às vezes causam confusão.

“Na temporada da colheita, eles se aproximam das casas”, disse Rajeta. “Quando fazem isso, nós batemos tambores e fazemos barulho para assustá-los e nos protegermos. Só com a graça de Deus eles saem do nosso povoado.”

Também houve movimentos para reprimir o tráfico. O presidente da Tanzânia, John Magufuli, que assumiu o cargo em 2015, adotou uma linha dura e as autoridades prenderam suspeitos chaves ligados aos grupos traficantes.

No entanto, o combate ao comércio de marfim é como espremer uma bola. Quando há ganhos em uma área, como a Tanzânia, as mortes se intensificam em outro local, como a reserva Niassa em Moçambique, ao sul, que é ligada a Selous por um corredor de vida natural. E as apreensões internacionais de marfim contrabandeado parecem ser maiores que nunca, um possível sinal de que os traficantes se esforçam para movimentar os estoques antes que os negócios fiquem mais difíceis.

Alguns bandos de caçadores em Niassa são tanzanianos, e “há muito movimento através da fronteira”, que inclui outros comércios ilícitos, como de madeira e minerais, segundo James Bampton, diretor em Moçambique da Sociedade de Conservação da Vida Natural, sediada em Nova York. O grupo coadministra Niassa com o governo.

Há provavelmente menos de 2.000 elefantes em Niassa, segundo Bampton. É uma pequena fração do número estimado há uma década no principal refúgio de elefantes em Moçambique. Roubos periódicos de marfim e chifres de rinocerontes confiscados em Moçambique também levantam temores de conivência oficial com traficantes.

Elefantes caminham em grupo pelo Parque Nacional Mikumi, na Tanzânia
Outro fato preocupante é a evidência de maior processamento de presas de marfim em joias e berloques na África, em vez do antigo método de exportar o marfim bruto. Isso permite que os traficantes transportem o produto em menor quantidade, que é mais difícil de detectar, e evita o maior escrutínio de operações de processamento na Ásia.

Os desafios de proteger a vida silvestre ficaram visíveis aos jornalistas da AP que viajaram com a equipe de encoleiramento no Parque Mikumi ao lado da Reserva de Selous, um sítio do patrimônio mundial da ONU.

Planos para se utilizar um helicóptero para avistar e tanger os elefantes foram abandonados. Veículos ficaram atolados na lama. Certa manhã, uma autoridade de conservação assustada correu para seu veículo depois de entrar em um banheiro em um campo de pouso. Uma leoa estava deitada em uma cabine e saiu correndo.

A equipe às vezes rastreia os elefantes a pé, estudando as grandes pegadas redondas, galhos partidos e o frescor do excremento dos animais procurando pistas de sua localização.

Apenas dois dos cinco elefantes pretendidos receberam coleiras durante três dias no Parque Mikumi. Os conservacionistas evitaram anestesiar as matriarcas, preferindo as fêmeas mais jovens que eles sabem que seguirão o grupo. Eles também pretendem encoleirar elefantes machos solitários.

Os animais demonstraram seus elos sociais em várias ocasiões, recuando para um círculo defensivo depois de ouvir o ruído da arma de dardos. Quando uma fêmea foi atingida, os outros pareceram tentar levantar a companheira atordoada antes de fugirem.

Suspeitos de tráfico são uma ameaça não só para os elefantes. Em agosto de 2017, o conservacionista Wayne Lotter, que ajudou as autoridades da Tanzânia a desmontar algumas operações de contrabando de marfim, foi assassinado em Dar es Salaam. Oito pessoas foram presas pelo crime, incluindo duas autoridades bancárias e vários empresários.

A região de Selous-Mikumi na Tanzânia é conhecida como um dos maiores campos de matança de elefantes africanos, mas a vasta extensão natural de aproximadamente 60 mil km² ainda oferece esperança para o maior animal terrestre do mundo.

Dentro de 50 a 100 anos, segundo Kohi, o líder da equipe de encoleiramento, “como a população humana está disparando, esta será uma das áreas importantes para a conservação dos elefantes”.

 

Fonte: UOL 

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