No passado, animal vagava livremente pela América do Norte, mas no final do século 19 sua população foi dizimada
Em alguns locais é uma vala metálica que impede a passagem de automóveis mas deixa circular livremente pessoas e animais; em outros, é uma barreira que homens e mulheres podem atravessar com dificuldades, mas que impede a entrada da fauna. Em certas regiões é uma gigantesca parede metálica na qual não se pode colar nem um alfinete. E, em alguns lugares, ainda não existe nada.
Se o projeto para construir um muro na fronteira entre México e Estados Unidos se tornar realidade, não apenas impedirá a imigração ilegal mas também vai barrar a livre circulação da fauna, o que colocará em grave risco um dos animais mais emblemáticos e ameaçados da América do Norte: o bisão americano (Bison bison).
“Atualmente, restam no México entre 300 e 500 bisões”, disse Rurik List, pesquisador do Instituto de Ecologia da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). Desse total, cerca de 200 vivem em um hábitat que compreende os dois territórios.
“Uma das manadas mais ameaçadas pelo muro – entre 80 e 130 indivíduos – se move entre o município de Janos, em Chihuahua, e o condado de Hidalgo, no Novo México. A outra – com cerca de 80 – se encontra na zona fronteiriça de Coahuila”, explica o cientista.
O principal problema é que o muro divide o hábitat natural dessa espécie em duas partes. E estas duas metades do ecossistema de pastagens não são iguais entre si.
“No norte do México, há mais água que no lado americano, e nos Estados Unidos, com mais área para o gado, os animais têm mais pasto para comer. Por outro lado, são regiões áridas, extremas, e as condições climáticas podem mudar muito de um ano para o outro, e esses animais – que ingerem grande quantidade de alimento – necessitam movimentar-se por grandes áreas para buscar seu sustento”, explica List.
“Caso coloquem uma barreira que reduz a área de atividade dos bisões, estarão limitando o acesso aos recursos. Isso pode fazer com que vivam menos, que sobreviva um número menor de animais e que as populações desapareçam”, completa.
Por essa razão, List considera crucial conduzir estudos que analisem o impacto ambiental do muro e que se identifiquem as áreas-chave na fronteira, e que ali não se construa a parede.
Há quem duvide da validade de reintroduzir o bisão em território mexicano, argumentando que esta espécie não é oriunda do país. No entanto, a pesquisa conduzida por List e sua equipe – que analisou centenas de documentos históricos e arqueológicos, que não costumam ser as fontes mais consultadas por biólogos – demonstrou que o animal habitou pelo menos os estados de Coahuila, Chihuahua e Sonora (no norte do país) e até mesmo mais ao sul, no estado de Zacatecas.
Além de ser uma espécie nativa, o bisão é peça-chave no ecossistema de pastagens: sua influência no meio ambiente é maior do que o tamanho das manadas poderia sugerir.
“Para esfriar ou se livrar de parasitas, os bisões se esfregam no solo. Isso cria depressões de dez centímetros de profundidade e entre três e cinco metros de diâmetro que acumulam água durante o período de chuvas, criando condições ideais para a vida de anfíbios e invertebrados”, diz o pesquisador. “Além disso, as aves utilizam a lã dos bisões para construir seus ninhos. E, também, como os bisões geram grande quantidade de esterco e urina, adubam a terra, que produz mais pasto e facilita a existência de espécies que se alimentam de ervas.”
E, nos lugares onde há neve e é muito difícil deslocar-se, os bisões abrem caminhos que são aproveitados pelos outros animais. Por essas razões, ao colocar em perigo a vida dos bisões, o muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos põe em risco o ecossistema de pastagens em sua totalidade.