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Multas não restringem direitos a ponto de coibir o tráfico de animais

1 de novembro de 2009
7 min. de leitura
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Apesar do aumento da fiscalização no país, a autuação de traficantes de animais não é certeza de punição. A legislação ambiental vigente prevê de seis meses a um ano de prisão para quem transporta espécimes da fauna silvestre sem permissão, mas a mesma regra diz, em seu artigo 7º, que o criminoso só ficará detido se for condenado a mais de quatro anos de encarceramento, o que não acontece ainda que a maior pena seja aplicada. “A lei é feita para quem tem o cativeiro doméstico”, explica Raquel Sabaini, chefe da Divisão de Fiscalização de Fauna, subordinada à Coordenadoria de Operação de Fiscalização do Ibama.

Ao optar por não punir com severidade o comprador de animais em situação ilegal, a legislação pega leve com quem retira os bichos da natureza e os submete a torturas que acabam levando a maioria à morte. “É o mesmo que falar que o usuário de droga merece a mesma punição que o traficante”, compara Sabaini, lembrando que a lei começou a distinguir traficante e comprador a partir de 2008, quando o Decreto nº 6.514 estipulou que “as multas serão aplicadas em dobro se a infração for praticada com finalidade de obter vantagem pecuniária”, ou seja, ganhar dinheiro.

O não pagamento dessas multas, contudo, não incorre em prisão, como acontecia até a publicação da Lei nº 9.268, de 1996, que alterou o artigo 51 do Código Penal. A falta de uma punição mais rígida — o que leva à reincidência do traficante — desmotiva a atuação dos fiscais. Resta às forças de repressão tentar enquadrar os traficantes em outros crimes, como o de formação de quadrilha.

“Nunca é uma pessoa só”, garante Hugo Schaedler, chefe da Divisão de Gestão e Proteção Ambiental do Ibama-DF. “Na última grande apreensão, encontramos 619 canários. Como calculamos que os traficantes geralmente pegam dois pássaros por dia, uma única pessoa teria demorado 309 dias para fazer isso. Ou ela trabalhou com alguém para estocar ou para coletar mais rápido”, conclui. O problema é conseguir configurar a atuação de um traficante como membro de quadrilha, porque eles circulam em número pequeno e alegam agir sozinhos.

Só o que tem mandado os traficantes de animais para a cadeia no Brasil é a falsificação de selo público. As anilhas que identificam e certificam a legalidade das aves no país têm status de selo público e são exigidas desde 1976. Sua falsificação incorre em pena de dois a seis anos de prisão, além de multa. Chefe da Delegacia Especial do Meio Ambiente (Dema) do DF, o delegado Antônio Anapolino concorda com penas mais rígidas — “o infrator acaba beneficiado” —, mas diz que, se não houver rapidez e eficácia no cumprimento da legislação, de nada vai adiantar qualquer mudança.

Discussão

Ainda que a maior parte dos envolvidos na repressão ao tráfico de animais concorde que é preciso diferenciar traficante de comprador, alterações na lei não fazem parte das atuais prioridades do Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Concentramos nosso foco na discussão do marco legal da lei de biopirataria”, diz o diretor de Conservação da Biodiversidade do MMA, Bráulio Dias, que chama atenção para a complexidade das discussões sobre o tráfico de fauna. “No passado, a legislação era muito rígida. Bastava o menino pegar um passarinho que a lei previa prisão”, compara, acrescentando que a falta de rigidez das atuais penalidades é uma reação à dureza da antiga norma.

Segundo Dias, os artigos da lei ambiental que tratam da fauna são discutidos há anos, principalmente no que tange a maus-tratos de animais. “Estavam em curso discussões sobre o uso de animais em circos e laboratórios para pesquisa, mas a discussão deu lugar à questão da biopirataria”, conta. “A lei que trata do tráfico não está recebendo tanta atenção, mas certamente é assunto que, tão logo consigamos resolver a questão da biopirataria, voltará às discussões”, garante.

Palavra de especialista
Lei é boa, mas insuficiente

“A lei ambiental brasileira é muito boa, positiva e abrangente, mas temos dificuldade na sua aplicabilidade. Ela foi prejudicada com a regulamentação do Código Penal brasileiro, que estipula pena alternativa, como pagamento de cestas básicas, em casos que preveem até dois anos de reclusão. Como o máximo que temos na lei é a pena de um ano de prisão, nenhum crime ambiental no Brasil é passível de detenção.

Evidente que isso enfraquece muito a defesa ambiental. Precisamos aumentar a pena dos crimes ambientais para que eles saiam dessa figura de menor poder ofensivo e para que possamos incluir na legislação uma distinção entre quem efetua o tráfico e quem está apenas de posse de um animal ilegal.

Outro problema diz respeito às penas pecuniárias. As multas podem chegar a R$ 5 mil por animal apreendido. No papel, é muito bonito, mas não existe nenhum prejuízo previsto para o cidadão que recebeu e não quitou essa multa. Não acontece nada se ele não pagar.

Seu nome vai para o cadastro federal de inadimplentes, o que o impede, por exemplo, de participar de uma licitação organizada pelo governo — mas que traficante de animais terá interesse em participar de uma licitação? Depois de cinco anos, essa penalidade caduca. Isso prejudica muito o combate ao tráfico e desestimula quem age na fiscalização.”

Dener Giovanini, coordenador-geral da ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas)

O que diz a lei

O artigo 29 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, prevê detenção de seis meses a um ano e multa para quem, entre outras coisas, “vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”.

O parágrafo 4º do mesmo artigo prevê que a pena seja dobrada quando o crime é praticado contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração. Se o crime decorre do exercício de caça profissional, o infrator pode pegar até o triplo da pena. O artigo 7º da lei, contudo, diz que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, o que acontece mesmo quando a maior pena é aplicada.

Ou seja, não é possível ser preso apenas por traficar animais silvestres. Entre as penas restritivas de direitos com a mesma duração que teriam as restritivas de liberdade, estão a prestação de serviços à comunidade, a interdição temporária de direitos e o recolhimento domiciliar. (RB)

Memória

12 de janeiro
Uma batida da Polícia Militar na Feira do Rolo da Ceilândia resultou na apreensão de 114 pássaros silvestres. Os periquitos, andorinhas e graúnas foram encaminhados para o Jardim Zoológico.

5 de março
A Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais, da Polícia Federal, apreendeu 200 galos em um centro de treinamento para rinhas. Os agentes chegaram ao local enquanto investigavam a máfia dos concursos, liderada, de acordo com as investigações da polícia, pelo ex-técnico judiciário Hélio Ortiz.

21 de agosto
Um homem de 31 anos foi detido na Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA) com 40 quilos de peixe e um tatu no porta-malas do veículo. O motorista voltava da Bahia e foi parado ao passar pelos policiais do Comando de Policiamento Rodoviário (CPRv).

15 de setembro
Uma fiscalização conjunta do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal resultou na apreensão de 87 animais silvestres em Cristalina (GO). O homem de 40 anos detido com os bichos admitiu que os levava da Feira do Rolo de Ceilândia para São Paulo.

26 de setembro
Agentes da Polícia Rodoviária Federal detiveram três homens, entre eles um de nacionalidade portuguesa, na BR-020, em Formosa. Eles transportavam 452 canários peruanos escondidos na caçamba de uma caminhonete.

3 de outubro
Seiscentos canários-da-terra que estavam sendo transportados ilegalmente por um casal desde Campo Grande (MS) foram apreendidos na BR-060, perto de Brasília. O casal que carregava os bichos prestou depoimento e foi liberado.

9 de outubro
A Polícia Militar Ambiental apreendeu 110 pássaros sem licenciamento em uma casa no Paranoá. O morador alegou que as aves — curiós, pássaros pretos, sabiás e trincaferros — eram apenas para criação.

18 de outubro
Um homem de 44 anos foi autuado por crime contra a fauna em Ceilândia. Ele criava diversos pássaros silvestres, seis deles sem permissão do Ibama e cinco com anilhas falsificadas. Depois de autuado, foi liberado.

Fonte: Correio Braziliense

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