EnglishEspañolPortuguês

ALTAS TEMPERATURAS

Mudanças climáticas podem afetar estratégias de reprodução de musgos

Estudo revela características pouco conhecidas do sexo dessas plantas e influência do ambiente sobre a manutenção de espécies

25 de junho de 2024
Letícia Naísa
5 min. de leitura
A-
A+
Foto: Lloyd Stark / Universidade de Nevada

Nas viagens de campo para coletar amostras de plantas, o que mais interessa ao biólogo Wagner Luiz dos Santos está no chão e nos troncos das árvores. Sua atenção vai para as menores plantas existentes no ambiente: os musgos (ou briófitas). Ignoradas por boa parte dos pesquisadores, essas plantas são encontradas em quase todo o canto, mesmo sob sol extremo. Durante o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concluído em fevereiro, Santos estudou mais de 20 espécies de musgos, com foco na ecologia, evolução e reprodução.

Ele percebeu, entre outras coisas, a influência do ambiente na reprodução de algumas espécies de musgos. Comparando populações da Mata Atlântica e da Caatinga do musgo prateado (Bryum argenteum), Santos observou que as que têm gametas femininos e masculinos em plantas separadas (dioicas, no jargão botânico) no ambiente florestal se tornam monoicas, com órgãos sexuais femininos e masculinos no mesmo indivíduo. No gênero Fissidens, a estratégia reprodutiva e energia investida no conjunto de partes masculinas e femininas seguem padrões diferentes, nunca antes observados em musgos. As conclusões desses estudos foram publicadas em 2023 nas revistas Journal of Bryology e Annals of Botany.

As mudanças climáticas também afetam a reprodução dos musgos. Sob estresse de aumento de temperatura, algumas espécies podem ser totalmente extintas do ambiente, porque param de se reproduzir. “As dioicas estão mais ameaçadas pelo aquecimento global”, afirma o botânico Fábio Pinheiro, da Unicamp, orientador de Santos no doutorado. Entre musgos machos e fêmeas, as plantas masculinas são as mais sensíveis e se tornam propensas a desaparecer. “As plantas dioicas estão em desvantagem por precisar de um macho e de uma fêmea para se reproduzir; aquelas que se autofecundam são as únicas capazes de formar uma população maior em ambientes desafiadores”, avalia Santos. Os dados referentes a esse estudo, expostos em sua tese de doutorado, estão submetidos para publicação em periódico científico. “Isso acaba gerando uma variação genética baixa, mas é melhor do que nada.”

Sistemas sexuais diferentes: ramos masculinos e femininos separados em Fissidens scariosus e ligados em Fissidens pseudoplurisetus; Foto: Wagner Luiz dos Santos / Unicamp

“As briófitas ‘entendem’ seus sistemas sexuais dentro do ambiente e alocam recursos em formas mais eficazes para a manutenção da espécie”, diz o botânico Lucas Matheus da Rocha, do Laboratório de Microscopia, Morfometria e Identificação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que não participou do estudo. “A complexidade dessas plantas está no desenvolvimento de estratégias reprodutivas extremamente incomuns para outros grupos vegetais.” Para o pesquisador, o trabalho de Santos levanta algumas hipóteses sobre estratégias de reprodução, mas também traz novas perguntas para projetos futuros.

A resiliência parece ser uma característica importante: os musgos se adaptam a diferentes ambientes e condições, suportam variações de clima e temperatura, e continuam sobrevivendo. Diante disso, até de exemplos extremos como relatos publicados sobre amostras que passaram anos secas e voltaram a verdejar quando hidratadas, os pesquisadores propõem algumas explicações. As briófitas não têm vasos condutores para a seiva, como os outros vegetais. Sua estrutura é simples, sem raízes, caules ou folhas, e se dispersam por esporos em vez de sementes. “São plantas que apresentam simplicidade metabólica e estrutural para se desenvolver em lugares desafiadores, isso possibilita a elas colonizar diferentes ambientes, garantindo sua sobrevivência”, comenta Rocha. “A evolução não trabalha apenas na direção da complexidade. Muitas vezes, ser simples também é importante para sobreviver em um ambiente hostil.” A velocidade atual das mudanças climáticas, no entanto, pode mudar esse cenário.

Na natureza, os musgos alteram seu ciclo reprodutivo conforme as condições ambientais. Em florestas tropicais, a reprodução é contínua porque há umidade e a água é um recurso fundamental para as briófitas. “Já nas florestas temperadas, as mesmas espécies se reproduzem uma vez por ano, apenas na primavera; nas regiões polares, mais frias e secas, algumas podem levar até oito anos para se reproduzir.”

Ecossistema diminuto
O que aparenta ser apenas uma mancha sobre um tronco ou uma pedra, para pesquisadores como Santos é um universo inteiro cheio de biodiversidade. “É maravilhoso, parece uma minifloresta quando olhamos de perto, tem várias plantinhas, bichinhos que vivem entre elas, uma diversidade muito grande”, comenta. A floresta em miniatura é casa para pequenos insetos, como formigas, e para seres microscópicos como o tardígrado, também conhecido como urso-d’água.

Os musgos têm também um papel fundamental para outras espécies vegetais. São importantes, por exemplo, para a estabilização de plantas maiores, como as orquídeas, e criam um microclima essencial para que sementes possam germinar e crescer.

Para enxergar as estruturas que compõem esse mundo de perto, no entanto, é preciso usar lentes potentes, como as de microscópios ópticos ou eletrônicos. Algumas briófitas medem menos de 1 centímetro (cm), enquanto as maiores podem chegar a 15 cm – a maior já descrita em publicações científicas mede cerca de 80 cm, mas é uma exceção, segundo especialistas. Existe uma lacuna de conhecimento nesse campo. “Poucos pesquisadores estudam musgos, é preciso improvisar ferramentas e adaptar métodos de análise para escalas muito pequenas”, afirma Rocha.

Santos foi pioneiro na pesquisa sobre a reprodução de algumas espécies do gênero Fissidens. “Fiquei muito animado. Os únicos estudos que encontrei fora do Brasil não conseguiram testar a diversidade de sistemas sexuais porque essas espécies são mais abundantes nos trópicos”, comenta o pesquisador, que também foi um dos primeiros a descrever com mais detalhes, em março, na revista American Journal of Botany, uma espécie de musgo chamada Weissia jamaicensis, que encontrou no chão perto de casa, em Itaú de Minas (MG), no período da pandemia.

Esse achado salvou a pesquisa de Santos, que, por conta da pandemia, perdeu mais de 1.200 amostras coletadas entre novembro e dezembro de 2019 no interior do estado de São Paulo. Para não desistir do projeto, ele transformou parte da casa dos pais em laboratório e começou a analisar os musgos que encontrava à sua volta. Santos anda com um canivete para raspar as mais diversas superfícies como troncos de árvores, pedras e até calçadas. “As briófitas necessitam de um olhar aguçado e atento para serem identificadas”, afirma Pinheiro, orientador de Santos. “Pensamos que nunca mudam, mas elas evoluem e se adaptam, como todos os seres vivos”, diz Pinheiro. Tiveram tempo de sobra para isso. Afinal, estão na Terra há cerca de 400 milhões de anos.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP

    Você viu?

    Ir para o topo