As chuvas que levaram caos ao Rio Grande do Sul no mês de maio foram um claro sinal do impacto do El Niño combinado à influência do aquecimento da atmosfera causado principalmente pelos combustíveis fósseis, afirmou o grupo de cientistas World Weather Attribution (WWA), que analisou os padrões do clima na região e divulgou os resultados nesta segunda-feira (3). Pesquisadores de Brasil, Reino Unido, Suécia, Holanda e Estados Unidos colaboraram no estudo.
Com efeitos que ultrapassam um mês, o acumulado de chuva no estado foi considerado raro, algo que acontecia uma vez a cada 100 ou até mesmo a cada 250 anos, segundo os pesquisadores. Contudo, cálculos indicam que, sem esforços para conter o aquecimento global, uma alta de 2ºC na temperatura média vai intensificar fenômenos climáticos como o El Niño, o que pode diminuir para 20 anos a frequência de eventos extremos dessa proporção.
“O que ocorreu foi típico do El Niño, mas intensificado pela mudança climática”, afirmou a professora Regina Rodrigues, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e participante do estudo. A especialista observou ainda que a maioria dos eventos anteriores de fortes chuvas na região Sul ocorreu durante os anos do El Niño, que mesmo no outono e começo do inverno, considerada uma época em que o fenômeno enfraquece, pode exercer grande influência sobre o clima no Brasil.
Em termos de intensificação dos estragos causados pela chuva concentrada no estado gaúcho, as mudanças do clima aumentaram a força das águas em até 9%, calculam os pesquisadores, tornando o evento mais extremo. O El Niño também teve uma ação importante, que contribuiu para um impacto até 10% maior na concentração das chuvas em comparação a uma situação sem influência do fenômeno, segundo o WWA.
Sobre o impacto na frequência de eventos como esse na região, projeções indicam que o aquecimento global dobra a chance de ocorrer uma precipitação exacerbada como a enfrentada pelos gaúchos neste outono.
E o estado vizinho deve ficar alerta, destacou Rodrigues. “Foi por acaso que ocorreu no Rio Grande do Sul, pode acontecer em Santa Catarina”, afirmou, explicando que as condições que mantiveram a unidade sobre o estado gaúcho podem ocorrer também em terras catarinenses.
Considerando um cenário em que o clima no planeta exceda os níveis pré-industriais em 2ºC, eventos extremos como a tragédia rio-grandense de 2024 podem ficar 4% ainda mais intensos, afirmam os cientistas.
Diferenças entre 2024 e 1941
A professora Rodrigues explicou ainda algumas diferenças entre a enchente de 2024 e a ocorrida em 1941, que marcou a história de Porto Alegre e até então era considerada a maior já vista na capital gaúcha.
“No evento de 1941 levou 22 dias para o nível do Guaíba chegar a 4,76, que foi o máximo. Em 2024, em cinco dias excedeu cinco metros. É algo que não dá tempo para resposta, você não consegue retirar a população, a não ser que você tenha um sistema muito bom de contingenciamento, o que não era o caso”, destacou a pesquisadora.
Rodrigues destaca ainda que o montante de chuva registrado foi menor em 1941, e localizado em Porto Alegre. Na ocasião, o vento sul foi um componente muito intenso, empurrando a água na direção da cidade, como ocorre novamente esta semana. Sem vento, possivelmente não teria havido o recorde da década de 40, estima a pesquisadora.
Destacando o impacto dos fenômenos El Niño e La Niña, que respectivamente esquentam e esfriam as águas do Oceano Pacífico, afetando o clima mundial, a pesquisadora destaca que, desde 2014, não há anos “neutros”, sem atuação de um dos sistemas. Atualmente, o planeta observa o fim de três anos de La Niña seguidos por um ano de El Niño. Para o final de 2024, a previsão aponta no sentido de começo de uma temporada de La Niña, que deve trazer umidade para o Norte do Brasil, e tempo seco para o Sul.
O Rio Grande teve três anos de seca com La Niña e, passando ao El Niño, enfrentou uma grande chuva, que caiu sobre um solo sob efeitos das secas, o que limita a capacidade de absorção, comentou Rodrigues.
Problemas estruturais de Porto Alegre
Os pesquisadores do WWA apontaram ainda questões sociais e políticas que fizeram parte do caos na capital gaúcha, lembrando que, desde 2015, se alertava para o mau funcionamento das bombas usadas para conter o avanço das águas do Guaíba. “Porto Alegre cresceu de forma desordenada e rápida nas últimas décadas, o que expõe as populações a efeitos do clima”, comentou Maja Vahlberg, consultora para o clima da Red Cross Red Crescent Climate Centre, organização holandesa.