Simon Joakim Kiiru lembra-se de uma época não muito distante, em que o canto dos pássaros enchia o ar de Kinangop, no Quênia, e a vida das pessoas estava relacionada à observação das aves.
Simon, 58, vive em uma casa luxuosa e bem cuidada, situada em uma colina próxima ao Parque Nacional de Aberdare, um dos destinos mais procurados no mundo para a observação de pássaros.
Quando os calaus migravam para a região, lembra Kiiru, a época de chuvas se aproximava e era tempo de plantar.
Quando o urubu mostrava o peito, um visitante estava para chegar.
Quando a coruja assobiava à noite, ela estava prevendo a morte de alguém.
“Havia muitos que hoje já não existem mais”, conta Kiiru.
Durante as últimas duas décadas, os colonos que ali chegaram influenciaram os habitats, cortando as florestas para transformá-las em campos de pastagem, reduzindo assim as populações de aves.
Atualmente, os efeitos iniciais do aquecimento global e outras mudanças climáticas têm sido responsáveis pela migração de muitas espécies de áreas montanhosas para áreas mais baixas, o que os especialistas consideram um caminho sem volta.
Os cientistas calculam que nos próximos 100 anos, 20 a 30 por cento das espécies podem se extinguir, caso a temperatura suba de 3,6 a 5,4 graus Fahrenheit.
Se as previsões mais extremas se tornarem realidade, a perda pode ser superior a 50 por cento, de acordo com o painel de mudanças climáticas da ONU.
Os ursos-polares tornaram-se ícones dessa ameaça.
Mas os cientistas dizem que dezenas de milhares de espécies menores que vivem nos trópicos ou nas montanhas são igualmente vulneráveis, se não mais.
Espécies dos planaltos da África, selvas australianas e da Sierra Nevada americana já estão vivenciando pressões climáticas e representam a maioria dos animais que estarão prestes a desaparecer.
Em resposta ao aquecimento, os animais se deslocam para lugares mais frios, movendo-se montanhas acima ou indo em direção aos polos.
Porém, nos trópicos, os animais precisam percorrer centenas de quilômetros para o norte ou para sul, até encontrarem um nicho diferente.
As espécies que habitam áreas montanhosas enfrentam limitações ainda maiores: ao escalarem os montes, os animais passam a disputar espaços cada vez menores, vivendo em rochas inabitáveis, onde seus alimentos habituais não estão disponíveis – e ficam sem ter para onde ir.
“A história é muito simples: em um dado momento não se pode ir mais longe nem mais acima, então não há dúvida de que algumas espécies serão extintas”, afirma Walter Jetz, professor de ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Yale, cuja pesquisa no ano passado previa que 300 das mil espécies de aves de montanha estudadas estariam ameaçadas porque as temperaturas mais altas dizimariam seus habitats.
As aves são bons indicadores da biodiversidade.
Os ornitólogos amadores costumam manter registros completos de suas observações.
Outros animais são igualmente afetados.
Dois anos atrás, os cientistas responsabilizaram o aquecimento climático pelo desaparecimento de uma espécie de gambá branco (white lemuroid possum), nativo das florestas úmidas da Austrália, que prefere o clima frio.
Muitos cientistas, suspeitando que o animal tenha morrido durante um período de extremo calor, classificaram o desaparecimento como o primeiro caso de extinção relacionada ao clima.
Desde então, os biólogos descobriram poucos animais sobreviventes, mas as espécies continuam “intensamente vulneráveis “, segundo afirma William F.
Laurance, um respeitado professor e pesquisador da Universidade James Cook, na Austrália, que acredita que as futuras ondas de calor serão um “golpe mortal” em muitas espécies adaptadas ao frio.
Para os países e comunidades, a questão significa mais do que a perda de uma agradável variedade animal.
Kiiru lamenta a extrema redução das populações de aves míticas da cultura tribal Kikuyu, como urubus, corujas e gaviões.
Além disso, a perda de espécies de aves faz com que algumas plantas não polinizem e morram.
Para Kiiru, assim fica difícil criar abelhas, sua principal fonte de renda.
Os métodos atuais para identificar e proteger as espécies ameaçadas de extinção – como os critérios da lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN), um padrão superior de conservação – ainda não gerenciam devidamente o impacto das prováveis mudanças climáticas e a ciência ainda está evoluindo, dizem muitos cientistas.
Algumas espécies que os cientistas consideram de maior risco em um contexto de aquecimento climático já são consideradas ameaçadas ou em perigo, como o “longclaw”, um pássaro de cauda longa encontrado somente na África e o cisticola Aberdare, nativo do Quênia.
A fuinha, que vive apenas em altitudes acima de 2.286 metros, é considerada ameaçada pela comunidade internacional e as pesquisas indicam que a mudança climática reduzirá seu já empobrecido habitat em até 80 por cento até 2100.
Outras aves quenianas que estão em risco devido ao aquecimento global, como o turaco de Hartlaub, um pássaro de cores brilhantes, ainda não estão nas listas de aves ameaçadas, mas seus números já estão drasticamente reduzidos.
Uma súbita mudança de clima pode eliminar rapidamente as espécies que habitam um nicho restrito.
Recentemente, Dominic Kimani, ornitólogo e pesquisador do Museu Nacional do Quênia, examinou um pasto do planalto de Kinangop por 20 minutos antes de encontrar um “longclaw”.
“Eles estavam por todo lugar quando eu era criança”, diz ele.”Mas é difícil conseguir que alguém preste atenção, pois eles são apenas pequenos pássaros marrons. Eu sei que eles são importantes para os animais de pasto porque mantêm a grama curta. Mas não é algo dramático, como se um elefante fosse perdido”, acrescenta ele.
Com as mudanças no clima, os animais de montanha de todos os continentes irão enfrentar problemas semelhantes.
Cientistas da Universidade da Califórnia em Berkeley documentaram recentemente que no Parque Nacional de Yosemite, onde há uma pesquisa comparativa de animais que já dura um século, metade das espécies de montanha mudaram de seus habitats naturais em busca de terras mais frias, o que os levou a subir em média 503 metros montanha acima.
Em outras partes dos Estados Unidos, o “pika”, uma espécie de esquilo alpino e o esquilo voador de San Bernardino também vêm se deslocando para áreas mais altas, conforme o aumento das temperaturas.
Eles correm sério risco de desaparecer, segundo Shaye Wolf, diretor de ciências do clima do Centro de Diversidade Biológica de São Francisco, que em 2010 entregou uma proposta para proteção de várias espécies de montanha dos Estados Unidos, através de uma lei específica criada para animais ameaçados de extinção.
No ano passado, novos estudos publicados na revista “Ecological Applications” mostraram que o “pika”, que se refugia no meio de rochas para fugir do sol, tem se deslocado morro acima cerca de 146 metros a cada 10 anos.
Na década passada, houve um aumento de cinco vezes nas extinções locais, termo usado quando uma população local desaparece para sempre.
No planalto de Kinangop, no Quênia, Kimani fica feliz quando encontra um turaco de Hartlaub perto de Njabini, em pedaços remanescentes de floresta.
Ele convoca adolescentes para ajudar a localizar o pássaro.
Segundo Jetz, o turaco pode perder mais de 60 por cento de seu habitat já limitado caso as previsões atuais sobre o aquecimento global estejam corretas.
“Mesmo uma mudança substancial não poderia ajudá-los”, diz Jetz.
“Eles terão que migrar para os Alpes ou para as montanhas da Ásia para encontrar seu clima ideal no futuro”, acrescenta ele.
Fonte: Yahoo