As mudanças climáticas, em pleno desenvolvimento, provocaram transformações significativas na saúde e na rotina dos seres humanos e animais. Com o aumento das temperaturas, as alterações nos padrões de chuva e a intensificação de eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, o equilíbrio dos ecossistemas e o bem-estar das espécies são impactados.
Conversamos com o médico-veterinário que realiza atendimentos clínicos e especializados em Infectologia, na rede de hospitais veterinário Pet Care, Fabio Navarro Baltazar, que alertou, especialmente, aos períodos climáticos tradicionalmente mais secos e mais chuvosos, que podem trazer consequências aos cães e gatos.
“A baixa umidade relativa do ar tem sinalizado grandes alertas, uma vez que, associadamente à poluição, que acaba por piorar a qualidade do ar, ocasiona, usualmente, o agravamento de doenças respiratórias, especialmente alérgicas. Isso justifica o aumento de atendimentos relacionados a quadros de sinusite/rinite alérgicos, traqueobronquite, algumas vezes graves, na dependência da presença de doenças prévias do trato respiratório, como colapso traqueal, broncomalácia, prolongamento de palato mole, eversão de sacos laringeanos, etc., ou até traqueobroncopneumonias, caracterizando internações para oxigenioterapia associadas ao tratamento sintomático”, discorre.
Outro fator preocupante em relação às mudanças climáticas é que elas agravam a propagação de doenças zoonóticas. “Alterações biogeoclimatológicas influenciam, diretamente, a distribuição da fauna e da flora silvestres, fato que influenciará, diretamente, os animais domésticos, muitas vezes, considerados reservatórios – ou também sentinelas – para determinadas doenças, tornando, desta maneira, os seres humanos suscetíveis às zoonoses”, comenta.
Zoonoses
O profissional exemplifica o que foi relatado com a maneira como a distribuição das chuvas interfere na distribuição de vetores, como carrapatos, mosquitos e flebotomíneos, consequentemente os tornando mais abundantes, fato que aumenta o risco de infecção de seres humanos a hemoprotozoários, riquétsias, entre outros agentes infecciosos. “Adicionalmente, as chuvas excessivas geram alagamentos com frequência, facilitando a veiculação de patógenos pela água, como as bactérias do gênero Leptospira, por exemplo, patogênicas tanto aos cães domésticos (no ambiente domiciliar) quanto ao homem (inclusive pelo adoecimento do animal)”, cita.
Assim, o veterinário considera ser de extrema importância a educação ambiental para tutores de cães e gatos. “A conscientização dos tutores influencia a adoção de medidas domiciliares que podem influenciar positivamente a saúde do animal. Aqui, é possível citar medidas que favoreçam, por exemplo, o conforto térmico e respiratório dos animais, como pelo emprego de climatizadores e umidificadores de ar no ambiente. Ainda, no que se refere ao controle de vetores alados (mosquitos e flebotomíneos) e à propagação de patógenos pela água, a adoção de medidas sanitárias que evitem o acúmulo de água podem representar mais exemplos de conscientização na educação ambiental”, recomenda.
Em alerta, sempre!
E como os veterinários devem se adaptar a essas novas realidades para melhor atender seus pacientes? Baltazar defende que a educação continuada segue sendo a melhor recomendação para o preparo do médico-veterinário, seja pela leitura constante de periódicos ou pela participação de palestras, simpósios e congressos.
Segundo ele, a prevalência de diversas doenças infecciosas tem sofrido alterações no curso das últimas décadas, fato este, frequentemente, vinculado a alterações no padrão de distribuição dos seus respectivos vetores, como exemplificado pelo profissional. “Logo, estudos de prevalência regionais, inquéritos moleculares e entomológicos, por exemplo, nos auxiliam na abordagem diagnóstica e terapêutica, aumentando a sobrevida dos animais e, no contexto das zoonoses, preservando a saúde dos seres humanos”, salienta.
Animais silvestres também estão sofrendo!
Já percebemos, então, que as mudanças no clima global têm influenciado de forma crescente o comportamento e a saúde dos animais, mas não são só os animais de companhia que sofrem. Com as mudanças climáticas, o ambiente natural sofre alterações profundas, afetando diretamente a flora, a fauna e, consequentemente, a vida dos animais silvestres. O médico-veterinário clínico e cirurgião de animais silvestres volante e pela Clínica Safari, Marcel Freitas de Lucena, comenta que as modificações na produção de frutos e plantas impactam o comportamento dos animais, principalmente, na disponibilidade de alimentos, levando a disputas territoriais e à busca por novos habitats. “Esse cenário representa um desafio para a saúde e o comportamento das espécies, que enfrentam uma pressão crescente para sobreviver”, observa.
À medida que os recursos consumidos tornam-se escassos devido às mudanças no clima, como períodos prolongados de seca ou chuvas excessivas, os animais silvestres passam a migrar em busca de áreas mais ricas em nutrientes e água. “Este movimento pode resultar em conflitos entre diferentes espécies, que disputam territórios e fontes de alimentação, muitas vezes, culminando na extinção de espécies menos adaptáveis. Além disso, a saúde dos animais silvestres está cada vez mais comprometida. A falta de nutrição adequada gera uma série de complicações, desde o estresse térmico causado pelo aumento das temperaturas até a hipertermia, condições que debilitam o organismo e enfraquecem o sistema imunológico. Esse enfraquecimento favorece a proteção de patógenos, aumentando a suscetibilidade dos animais a doenças”, destaca.
Isso pode acabar gerando, segundo o veterinário, a crescente invasão de áreas urbanas por espécies silvestres. “Com a escassez de alimentos em seus habitats naturais, muitos animais migram para as cidades em busca de sustento, o que intensifica os conflitos com humanos e resulta em maiores riscos, como atropelamentos e mortes nas interações com pessoas e seus animais de estimação”, menciona.
Migrações forçadas e extinções aceleradas
De Lucena informa que a migração de animais silvestres, que antes era limitada às espécies naturalmente migratórias, agora se estende às espécies que, em condições normais, não precisariam se deslocar. “O aquecimento global obriga essas espécies a buscar novos habitats, seja para escapar de queimadas, seja para encontrar novas fontes de alimentação e água. No entanto, essa migração força o encontro entre espécies diferentes, gerando confrontos por território e trazendo as chances de sobrevivência de espécies mais especializadas, como as que dependem de alimentos específicos ou de ambientes muito conservados”, reitera.
Espécies que já estão ameaçadas de extinção, especialmente aquelas que possuem hábitos alimentares restritos, são as mais vulneráveis. “O desequilíbrio ecológico causado pela competição por recursos e pela invasão de seus habitats por outras espécies pode acelerar seu processo de extinção. Esse impacto é ainda mais preocupante quando se trata de espécies com papéis cruciais nos ecossistemas, como dispersores de sementes ou controladores de práticas”, sinaliza.
Uma ameaça a mais
As espécies especializadas são as que mais sofrem com as mudanças ambientais. “Esses animais, que dependem de condições muito específicas para sobreviver, enfrentam grandes dificuldades de adaptação a um ambiente em constante transformação. Com a alteração do padrão de chuvas e a escassez de alimentos, muitas dessas espécies são obrigadas a competir com animais mais adaptáveis, diminuindo ainda mais suas chances de sobrevivência”, esclarece.
Espécies com habilidades de adaptação mais rápidas, por outro lado, de acordo com o profissional, tendem a prosperar, muitas vezes, à custa das mais especializadas, levando ao desequilíbrio dos ecossistemas e à redução da biodiversidade. “Isso afeta toda a cadeia alimentar e, eventualmente, também impacta os humanos”, adiciona.
Além disso, a propagação de doenças zoonóticas também afeta os animais silvestres. O veterinário informa que espécies que antes viviam isoladas em seus habitats, agora, interagem mais frequentemente com populações urbanas, elevando o risco de transmissão de doenças. “Os médicos-veterinários desempenham um papel crucial na prevenção e controle dessas doenças, realizando pesquisas e exames mais específicos para diagnosticar zoonoses de forma precoce. Além disso, os veterinários buscam conscientizar a população sobre os riscos de interações diretas com animais silvestres, reforçando a importância de evitar o contato e promover a proteção ambiental”, frisa.
Impactos na biodiversidade e na pesquisa científica
A perda de biodiversidade decorrente das mudanças climáticas também afeta diretamente a Medicina Veterinária e a pesquisa científica, como relatado por Marcel de Lucena. “A extinção de espécies significa a perda de importantes fontes de estudo que podem levar ao desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos, tanto para humanos quanto para animais. Cada espécie extinta representa uma oportunidade perdida de exploração química ou comportamentos que poderiam ser úteis para avanços científicos. Por exemplo, venenos de serpentes já foram utilizados no desenvolvimento de medicamentos para humanos. A diminuição da diversidade de flora e fauna limita o campo de estudo e, portanto, restringe as possibilidades de novos avanços”, explica.
Assim, o profissional salienta que o papel tanto dos veterinários e quanto da sociedade como um todo é fundamental para minimizar esses impactos, seja por meio de pesquisas mais avançadas ou da conscientização sobre a necessidade urgente de preservação de nossos ecossistemas. “A sobrevivência de muitas espécies, e a nossa própria, depende das ações que tomaremos hoje. Agora, há extinção de algumas espécies e, em breve, infelizmente, nós, humanos, também estaremos sofrendo esse processo de extinção”, finaliza.
Fonte: Cães&Gatos