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ESTUDO

Mudança do clima aumenta risco de nova pandemia surgir de animais silvestres

Mudança do clima aumenta risco de nova pandemia surgir de animais silvestres, diz estudo Aumento de temperatura vai modificar habitats e promover salto de agentes infecciosos para humanos

30 de abril de 2022
Rafael Garcia (O Globo)
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

Impelidas pelas transformações da mudança climática, muitas de espécies de mamíferos terão suas áreas de habitat modificadas, provocando encontros entre animais que não vivem juntos na natureza. Essa convivência forçada, estima um novo estudo, abrirá cerca de 15 mil oportunidades para que vírus sejam transmitidos entre uma espécie e outra nos próximos 50 anos, elevando o risco de um deles saltar para humanos.

Em estudo publicado nessa sexta (29) na revista Nature, um grupo internacional de cientistas apresentou os resultados do trabalho, feito a partir de uma simulação liderada pela Universidade de Georgetown, em Washington (EUA). O cenário traçado, que levou em consideração um cenário no qual o mundo aqueça 2°C em relação à era pré-industrial, identificou a África tropical e o Sudeste Asiático como as regiões de maior risco.

O tipo de evento mapeado no estudo é o que os epidemiologistas chamam de “spillover” (transbordamento), a transmissão de um patógeno de uma espécie de animal para outra. Esse contágio aumenta as chances de que animais mais próximos de humanos passem a carregar novos vírus e desencadeiem novas pandemias.

“Nós prevendo que as espécies de mamíferos vão se agrupar em novas combinações em áreas mais elevadas, em hotspots de biodiversidade e em áreas com grande densidade populacional na Ásia e na África, causando novas transmissões de vírus entre espécies aproximadamente 4 mil vezes”, escreveram no estudo os pesquisadores, liderados pelo biólogo Colin Carlson.

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Eventos de “spillover” envolvendo animais silvestres ou domesticados estão por trás de muitas epidemias importantes na história da medicina, incluindo a da Gripe Espanhola, de 1918, provavelmente originária de aves aquáticas. Nem sempre esses vírus tomam via direta até infectar humanos, por isso a convivência desses outros animais com mamíferos é problemática, pois animais evolutivamente mais próximos são em geral mais propensos a contrair os mesmos patógenos.

Nem todos os animais apresentam o mesmo risco, explicam os cientistas. “Por causa de sua capacidade extraordinária de dispersão, morcegos serão responsáveis pela maior parte do compartilhamento de vírus, e provavelmente vão compartilhar vírus ao longo de cadeias evolutivas que facilitarão sua emergência futura em humanos.”

Não é à toa que parece ter sido exatamente isso que aconteceu com o Sars-CoV-2, o vírus da Covid-19, que de alguma forma saiu de morcegos para infectar humanos, possivelmente tendo outro mamífero como intermediário.

Amazônia, fora da faixa de alerta

Apesar de a Amazônia abrigar uma quantidade grande de macacos e outros grupos de mamíferos, ela não foi apontada na simulação de Carlson como um lugar particularmente vulnerável a eventos de “spillover” mais preocupantes. Esse não é, necessariamente, porém, um indício que a América do Sul não esteja incubando doenças emergentes.

“A pesquisa que fizemos constatou que sabemos muito menos sobre vírus das Américas do que na Africa e na Ásia. Estamos inclinados a imaginar que o risco de uma pandemia começar aqui é menor porque não temos reservatórios de ebolavírus e de betacoronavírus, mas a amostragem aqui é menor, então temos menos conhecimento”, disse Carlson, em entrevista coletiva. “Talvez existam vírus com potencial pandêmico na Amazônia que ainda não conhecemos porque ainda não o estudamos. É importante que nós não descartemos riscos ao lidar com esses vazios de informação”.

Como um aquecimento de 2°C é um cenário muito provável, e a atual trajetória de emissões de gases de efeito estufa leva a um cenário até pior de aquecimento, acima de 3°C, os pesquisadores dizem que o planeta precisa se prepara para enfrentar esse risco maior de novas viroses emergirem nas próximas décadas.

“Nossa conclusão realçam a necessidade urgente de combinar vigilância viral e esforços de busca com levantamentos de biodiversidade rastreando a área de cobertura das espécies, especialmente em regiões tropicais que abrigam a maior parte das zoonoses e estão experimentando aquecimento mais rápido”, afirmam os cientistas no estudo.

Isso precisa ser feito também na Amazônia, dizem os pesquisadores, apesar de a resposta dos mamíferos à mudança climática na floresta ser diferente.

Para outro coautor do estudo, Gregory Albery, a floresta até deve ser menos vulnerável a “spillovers”, mas por um motivo triste.

“Na Amazônia muitas das espécies que são pouco conhecidas possivelmente cobrem áreas muito pequenas. Uma das coisas que vimos simulando essas áreas é que a mudança climática está acontecendo rápido demais e as distribuições desses animais, que já é limitada, encolhe significativamente, por vezes resultando em extinção total”, explica.

“No nosso modelo, então, essas espécies morrem antes de encontrar outro animal e trocar vírus com ele. A Amazônia aparece menos susceptível a “spillovers” porque o que aconteceria ali é essencialmente uma extinção em massa. Também é uma péssima notícia, mas de natureza diferente”.

Perigo: mosquitos

Mesmo diante desse cenário deprimente, a América do Sul não deve se livrar do agravamento que a mudança climática causará no campo das doenças infecciosas. Toda a simulação que os cientistas fizeram sobre “spillovers” entre mamíferos não levou em conta uma outra variável: os mosquitos.

“Nosso novo estudo não cobriu esse nível de nuance, mas muitos dos meus trabalhos anteriores foram sobre arbovírus (vírus transmissíveis por insetos e outros artrópodes). Já é bastante certo que a mudança climática vai espalhar doenças como febre amarela, dengue e zika para altitudes e elevações maiores vai intensificar a transmissão na América Latina”, diz Carlson.

Em outras palavras, o problema de interação entre mamíferos é uma fator de risco adicional da mudança climática para o espalhamento de doenças no mundo, e vai além daquele já previsto sobre o aumento da distribuição de mosquitos e outros insetos.

Fonte: O Globo

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