EnglishEspañolPortuguês

IMPACTO NEGATIVO

Mudança climática na Amazônia pode aumentar tempestades com raios, matando 20% mais árvores

Projeções de equipe do Inpe analisam efeitos do clima na região até o fim deste século. Número de árvores derrubadas por ventanias pode crescer 40%

27 de janeiro de 2025
Marco Britto
7 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ricardo Martins/Divulgação

A Amazônia, floresta tropical mais importante do mundo, sempre foi definida pelo seu regime de chuvas, mas, nos últimos anos, o cenário de seca extrema mostra o quanto mesmo gigantes naturais podem se transformar, moldados pelo clima. A potência amazônica é grande também em relação aos raios: a floresta é o único lugar no Brasil onde os temporais ocorrem durante todo o ano, com cerca de 500 mil tempestades e 50 milhões de descargas atmosféricas registradas anualmente.

Dados projetados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apontam que no decorrer deste século, a Amazônia pode experimentar um aumento de até 50% na incidência de raios, resultando em alta de 20% na mortalidade de grandes árvores e até 40% mais árvores derrubadas por ventanias. O impacto seria generalizado, alterando a vida desde os micróbios do solo, passando por plantas, pessoas e aves que sobrevoam os céus da região, observa o cientista Osmar Pinto Jr., coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Inpe, equipe responsável pelos dados.

“É preocupante destruir esse equilíbrio. Se o destruirmos, podem acontecer coisas que nem imaginamos. Um equilíbrio moldado ao longo de milhões de anos… Não deveríamos ter a presunção de achar que entendemos a maioria das coisas”, afirma Pinto Jr., que integra também a equipe da série “Caça Tempestades”, que teve dois episódios curtos exibidos no Fantástico este mês e terá temporada alongada no History Channel em outubro. Completam o time principal da atração o jornalista Ernesto Paglia e a cineasta Iara Cardoso.

A análise do Inpe chama atenção para o impacto constante das mudanças climáticas e dos fenômenos El Niño e La Niña, que influenciam diretamente o ciclo de vida das árvores na floresta. Para chegar à projeção de aumento na perda de flora devido às tempestades, os pesquisadores se basearam em 12 modelos meteorológicos distintos para verificar a evolução das tempestades. A média dos resultados aponta 50% mais tempestades até o final do século na região, que deve ser a mais afetada do Brasil em relação a tormentas, enquanto o Nordeste, por exemplo, não deve mudar, afirma Pinto Jr. em conversa com Um Só Planeta.

Uma mudança de panorama desta magnitude na Amazônia seria um componente preocupante no quadro de colapso anunciado pela comunidade científica. Debilitada, a floresta pode passar a emitir mais carbono do que absorve, desequilibrando a luta contra o aquecimento do planeta, e, prejudicada pelas secas, a junção com a incidência maior de raios poderia agravar o quadro de incêndios florestais.

Cabeça nas nuvens

A equipe do Caça Tempestades busca compreender como esses fenômenos naturais, impulsionados pelas mudanças climáticas, estão criando clareiras na floresta. Durante a expedição, eles visitam o arquipélago de Anavilhanas, em Novo Airão (AM), município onde caem mais raios no país (68 descargas por km²/ano). Árvores caídas à beira da estrada acabaram por revelar, após um sobrevoo de drone, uma clareira do tamanho de seis campos de futebol, causada pelas tormentas “turbinadas” pelo clima em transformação.

Na produção da série, a equipe de fato perseguia tempestades, sendo que para filmá-las, a melhor imagem é captada à distância, e não no “olho do furacão”. “Tínhamos um interface para saber onde estava a tempestade com precisão de 99%, a quantos quilômetros de nós, e íamos nos movendo e vendo onde estava a tempestade em relação à equipe”, comenta Cardoso.

No caminho, a equipe registrou também um pouco do impacto social destes fenômenos. Manaus é a segunda cidade com mais mortes por raios do Brasil, superada apenas pela capital paulista. “Conversamos com pessoas que sobreviveram, com sequelas ou marcas. Uma pessoa próximo de Manaus ficou com uma queimadura na perna em forma de raio, ou árvore [uma cicatriz que lembra uma raiz de planta]. No atendimento, a paciente ouviu que nunca havia acidentes com raio com sobreviventes”, conta a cineasta.

Por este tipo de perigo é que a segurança deve ser avaliada a todo instante no campo, quando a equipe sai dirigindo em direção às tormentas. “Acontece de a cineasta querer filmar uma cena, e o dr. Osmar falar: ‘Iara, acabou, vamos entrar todos nas picapes’. Foi a primeira vez que aceitei logo de cara encerrar sem tentar um pouco mais [risos], as tempestades são algo que não podemos subestimar.”

Microexplosão, as tempestades “turbinadas”

A clareira em plena Floresta Amazônica foi causada por uma rajada de vento conhecida como “microexplosão”, um fenômeno que deve se tornar mais frequente com o aquecimento do planeta devido principalmente à queima de combustíveis fósseis. “Acontece também nas grandes cidades, tivemos casos registrados em Campinas (SP), Cuiabá. É um fenômeno comum, mas em regiões sem árvores como Pampa ou Centro-Oeste fica mais difícil identificar. Nas cidades vamos ver queda de árvores, problemas na rede de energia”, pontua Pinto Jr., descrevendo uma cena que paulistanos têm visto da janela nos últimos meses.

A microexplosão é uma tempestade com muito gelo dentro. A umidade crescente na atmosfera, causada pelo aquecimento global, é levada pelo ar mais leve e quente, que assim vai subir mais alto e gerar mais gelo. “Com isso, você vai ter mais quedas de gelo, que, derretido pelo ar quente, gera ventos mais intensos e raios” observa o pesquisador do Inpe. “Temos estudos que mostram que, em termos de vento, não há mais dúvida de que a velocidade média das rajadas em geral vem aumentando de intensidade em 5 km/h por década.”

Nos últimos 35 anos na Amazônia, as quedas de árvores nessa circunstância quadruplicaram, afirma o cientista. Associados aos intensos temporais, os raios atingem cerca de duzentos milhões delas anualmente na floresta. Ao todo, 50 milhões recebem uma descarga fatal e morrem. “Hoje temos a fotografia de uma floresta que está em equilíbrio com as tempestades. Campos elétricos afetam microrganismos no solo da floresta, um ingrediente para as árvores. É um equilíbrio para sobrevivência, para gerar vida, bem como processos que destroem a floresta, uma interação complexa. Se eliminássemos as tempestades, a floresta não seria como é”, observa Pinto Jr.

A equipe do Caça Tempestades está empolgada com a possibilidade de uma nova temporada, desta vez explorando as características do Sul do país, um cenário bastante distinto da Amazônia, que tem chuvas intensas, mas curtas. “A situação seria muito diferente, com 12 horas, 24 horas de tempestade, o que facilita chegar até elas. As tempestades duram 30/40 minutos na Amazônia. É importante trazer informações para essa região [Sul], com dados inéditos”, comenta Cardoso.

Fonte: Um Só Planeta

    Você viu?

    Ir para o topo