O Brasil enfrenta desde meados de junho uma temporada incomum de incêndios na maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal. Segundo o biólogo e diretor de Comunicação da organização SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma, conhecido como “um berço de biodiversidade”, está vivendo “o ano mais seco de sua história”.
Figueirôa é parte do grupo de campeões da campanha “Verificado”, promovida pela ONU em parceria com a Purpose, com foco no combate à desinformação climática.
Degradação de rios e falta de chuvas
O especialista explicou que o Pantanal “depende diretamente” da água que vem do cerrado e do sul da Amazônia, duas áreas que têm sido degradadas pela ação humana.
Em entrevista para a ONU News, ele ressaltou também como a mudança climática está fazendo com que eventos extremos como escassez de água, ondas de calor e secas se tornem mais “potentes e frequentes”.
“Somando essa ação humana crônica com as mudanças climáticas que intensificam eventos como El Niño, que foi muito forte esse ano, a chuva que era para ter caído na região Centro-Oeste e Sudeste, não caiu. Ela foi concentrada toda na região Sul e ao mesmo tempo faltou água no Centro-Oeste, no Pantanal, onde era para ter chovido. E agora, com o La Niña, a tendência é que seque ainda mais. E a gente está entrando agora na fase seca do Pantanal, onde naturalmente seria seco”.
Ondas de calor que alimentam o fogo
Figueirôa explicou que quando a umidade está abaixo de 30%, os ventos acima de 30 km/h e a temperatura acima de 30°C, os incêndios se alastram de forma intensa na região. Segundo ele, a temperatura no Pantanal é quase sempre acima de 30°C e durante ondas de calor tem chegado à 40°C, ou até 45°C.
“Existem estudos que indicam que enquanto o mundo no final do século deve aquecer mais de 3°C em média, o Pantanal deve aquecer de 5 a 7°C. Ou seja, a média do Pantanal vai ser muito maior do que a média global. Então é muito preocupante, porque é exatamente durante essas ondas de calor que a gente tem os maiores picos de incêndios florestais e onde a condição está muito propícia para o alastramento do fogo”.
O representante da SOS Pantanal citou estudos que apontam que este ano a superfície de água do Pantanal está 61% menor do que a média histórica, ou seja, a área que ficava alagada por grande parte do tempo, está muito menor.
Área queimada 150% maior que em 2020
De acordo com o biólogo a cheia, que deveria durar seis meses, mal ocorreu este ano, então “a seca está perdurando o ano todo”. No entanto, os períodos mais secos ainda estão por vir, com o auge em setembro.
“Nesse ano de 2024, foi queimado uma área 150% maior do que em 2020 para esse mesmo período. Isso quer dizer que 2024 vai ser pior que 2020? Não necessariamente. A gente precisa aguardar até finalizar o ano para bater esse número, mas as chances climatológicas são muito altas e o clima está muito propício para secar, ainda mais com ondas de calor. Ou seja, o fogo vai encontrar um território farto esse ano no Pantanal para consumir a vegetação”.
No ano de 2020, o Pantanal sofreu incêndios “calamitosos”, que queimaram 3,9 milhões de hectares, o equivalente a 26% do bioma. Figueirôa alertou que este ano já foram queimados 721 mil hectares antes mesmo da chegada do auge da seca. Segundo ele, a probabilidade climatológica de que sejam queimados mais de 3 milhões de hectares em 2024 “é acima de 90%”.