As mudanças climáticas, especificamente a restrição de água, podem alterar o banco de sementes de florestas estacionais da Mata Atlântica e comprometer sua regeneração natural. Essa é a conclusão do estudo publicado na revista Global Change Biology, em 21 de agosto, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV). A pesquisa investigou como o banco de sementes – crucial para a regeneração florestal – responderá ao aumento da temperatura e à escassez de água projetados para as próximas décadas.
A pesquisa, realizada em um ambiente controlado, simulou diferentes cenários climáticos, incluindo o atual e o futuro, com disponibilidade permanente de água e com restrição hídrica. Ao todo, 48 amostras de solo foram coletadas na Floresta Nacional de Pacotuba, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, e expostas a variações de temperatura e níveis de água no Laboratório de Meteorologia e Ecofisiologia da UFES. O cenário mais pessimista, que reproduzia as condições de seca severa esperadas para o ano 2100, revelou uma acentuada queda na germinação, abundância e diversidade de espécies.
“O aumento da temperatura, combinado com a restrição prolongada de água, pode comprometer a resiliência das florestas estacionais, diminuindo drasticamente a viabilidade das sementes, a sobrevivência das plântulas e prejudicará ainda a adição de novas plantas na dinâmica florestal”, alerta João Paulo Fernandes Zorzanelli, pesquisador do INMA e um dos autores do estudo. “Muitas sementes perderão viabilidade ou mesmo virão a morrer, assim como as mudas que se estabelecem após a germinação. A diversidade de espécies de plantas e quantidade delas também serão reduzidas. Os processos germinativos que são inteiramente dependentes de água serão bastante afetados. Assim, é esperado que os mecanismos de dinâmica das florestas, após eventos de perturbações, podem não ser responsivos para recuperação da floresta”, explica.
Os resultados indicaram que, sob condições de seca prolongada, a riqueza de espécies caiu em até 70%. Além disso, atributos ecológicos como o tamanho da folha, produção de raiz e massa seca total diminuíram significativamente. As espécies que emergiram sob estas condições mostraram baixa capacidade de adaptação, com aumento da mortalidade de plântulas e queda na diversidade de espécies dominantes. Esse cenário representa uma ameaça à estrutura ecológica das florestas estacionais, que dependem do banco de sementes para sua regeneração após distúrbios naturais. A equipe, liderada por Patrícia Borges Dias, da UFES, também chamou a atenção para a proliferação de espécies exóticas, como a árvore Muntingia calabura, conhecida como pau-seda, identificada em todos os cenários estudados. Embora ainda não seja considerada invasora no Brasil, essa espécie demonstrou grande capacidade de se adaptar às condições adversas, o que pode gerar riscos para a biodiversidade nativa da Mata Atlântica. “É urgente o monitoramento das espécies exóticas, pois elas podem comprometer a dinâmica natural das florestas, substituindo espécies nativas”, alerta a pesquisadora.
O estudo recomenda a implementação imediata de ações de conservação. Entre elas, a coleta e o armazenamento de sementes em bancos de germoplasma, além da restauração florestal com espécies mais tolerantes à seca. “Se não começarmos a agir agora, o potencial regenerativo dessas florestas pode ser perdido, colocando em risco não apenas a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos que essas áreas proporcionam”, destaca Zorzanelli.
O trabalho reforça a importância de novas políticas de mitigação das mudanças climáticas, como o combate ao desmatamento e a implementação de sistemas agroflorestais.
O estudo envolveu também os pesquisadores Sustanis Horn Kunz, José Eduardo Macedo Pezzopane, Talita Miranda Teixeira Xavier e João Vitor Toledo, da UFES, e Lhoraynne Pereira Gomes e Rodrigo Gomes Gorsani, da UFV. No artigo, a equipe sugere que futuros estudos investiguem estratégias de adaptação para as florestas sazonais, que incluem ações mais ousadas, como a introdução de espécies resistentes à seca. “Sem uma mudança significativa nas práticas atuais, o futuro das florestas da Mata Atlântica está em risco”, alerta Patrícia.
Mudanças climáticas
Mudanças climáticas são processos gradativos naturais de aquecimento e resfriamento do planeta Terra, porém, desde a revolução industrial, esses processos foram acelerados e intensificados. Além dos prejuízos econômicos e sociais, as perdas também se estendem à saúde das florestas e prejudicam os diversos benefícios que elas concedem à população humana como proteção do solo, qualidade do ar, abastecimento de aquíferos e lençóis freáticos, proteção dos cursos d’água, produção de recursos não madeireiros e recreação. Entender como as florestas respondem às mudanças climáticas é de extrema importância para a conservação da biodiversidade, para atualização de protocolos de proteção e planos de manejo, elaboração de novas políticas públicas e para implementar novas ferramentas de gestão.
Floresta estacional
As florestas estacionais são florestas tropicais secas, com estações bem definidas no ano, uma estação chuvosa e outra seca. No Brasil, existem as florestas estacionais semideciduais, nas quais 10 a 50% das árvores da floresta perdem as folhas na estação seca, e florestas estacionais deciduais que possuem mais de 50% de árvores que perdem as folhas.
Banco de sementes
O banco de sementes são as sementes acumuladas nos solos florestais ao longo do tempo por processos de dispersão como sementes trazidas por animais, pelo vento ou pelas próprias árvores que possuem mecanismos de auto-dispersão.
Bancos de germoplasma
Os bancos de germoplasma são locais onde são armazenados materiais genéticos de plantas, animais e microorganismos para conservação da variabilidade genética para uso futuro em diversas ocasiões. Materiais genéticos de plantas são sementes, tecidos ou mesmo as plantas inteiras conservadas in vitro.
Fonte: EcoDebate