O que é um evento climático extremo? Mais de 100 mortes, mais de 1 milhão de pessoas ou mais da metade da população afetada, estado de emergência declarado. No ano que termina nesta semana 157 eventos dessa monta foram registrados no planeta; de 22 que foram estudados, em 17 a influência da mudança climática acabou detectada.
Os 5 restantes não atendem aos céticos do aquecimento global. As análises terminaram inconclusas apenas porque faltam dados. A ciência climática também sofre com a desigualdade, cada vez mais evidente no saldo desproporcionalmente maior das tragédias em comunidades vulneráveis.
As avaliações conduzidas pelo World Weather Attribution (WWA), consórcio de cientistas liderado pelo Imperial College que busca mensurar o impacto da mudança climática em eventos extremos, mostram justamente que os limites da adaptação ao planeta mais quente e mais instável já ameaçam milhões de pessoas.
Mas 2025 foi tão ruim assim? “A resposta, infelizmente, é muito clara. Estamos continuamente vendo novos extremos climáticos, sejam ciclones tropicais, ondas de calor, inundações, secas ou incêndios florestais causados por temperaturas médias globais mais altas do que nunca”, afirma Theodore Keeping, pesquisador do instituto londrino.
“Os eventos de 2025 e também do ano passado demonstram que estamos vivendo o clima sobre o qual os cientistas nos alertaram há dez anos, quando o Acordo de Paris foi assinado.”
Desde 2015, a temperatura média global aumentou cerca de 0,3°C, alcançando um aquecimento de 1,3°C, sobretudo devido às emissões provocadas pelo uso de combustíveis fósseis —que, por sinal, caminham para um recorde neste ano. “Esse aumento aparentemente pequeno já tornou o calor extremo significativamente mais frequente, adicionando 11 dias extras de calor por ano em média”, diz o especialista.
Com as metas climáticas atuais, um dos frutos do acordo, o mundo trocou um aquecimento de 4°C em relação aos níveis pré-industriais para algo em torno de 2,6° no fim do século. “Uma diminuição substancial que, no entanto, nos deixaria ainda em um mundo perigosamente quente.”
Se imaginar o fim do século soa remoto, o momento atual já entrega dose suficiente de preocupação. Pela primeira vez, a média dos últimos três anos superou o aquecimento de 1,5°C. Autoridades já discutem o “overshooting”, quando o planeta trabalha em uma rota acima do limite ideal traçado pelo Acordo de Paris, condicionando o alcance do objetivo a emissões negativas dos gases de efeito estufa, algo caro e ainda inviável em larga escala.
O peso disso sobre os eventos extremos estudados pelo WWA é eloquente: no Sudão do Sul, a onda de calor de fevereiro ocorreu numa intensidade que na era pré-industrial só seria possível a cada 1.600 anos; agora, é um fato que pode ocorrer a cada 2 anos.
Na Europa, com grande oferta de dados e estatísticas, foi possível estimar que em 854 cidades, equivalentes a 30% da população do continente, 24,4 mil pessoas morreram de junho a agosto em consequência do calor elevado.
Dos 157 eventos percebidos como desastres em 2025, ondas de calor (49) e inundações (49) foram os mais frequentes, seguidos por tempestades (38). Completam a lista incêndios florestais (11), secas (7) e ondas de frio (3).
Também chamou a atenção o salto de temperatura verificado nas canículas, que dificilmente aconteceria em um mundo sem emissões provocadas pela atividade humana. Em março, os termômetros chegaram a 30,8°C no Quirguistão, algo completamente inusitado para a Ásia Central nessa época do ano.
Uma onda de calor de cinco dias na mesma região, segundo os modelos climáticos, deveria ser de 5°C a 10°C mais fria. Padrões parecidos de desvio foram verificados na Groenlândia e na Escandinávia, que também foram objeto de estudo.
“Talvez no clima atual não sejam mais eventos extremos, porque se tornaram bastante normais. Se essas ocorrências tivessem acontecido no passado, teriam sido realmente improváveis, às vezes virtualmente impossíveis”, afirma Sjoukje Philip, pesquisadora do Instituto Meteorológico Real Holandês.
O WWA também nota em seu relatório anual limites impostos aos estudos pela falta de dados. As inundações, um dos itens mais observados em 2025, acumularam os casos de estudos inconclusos da temporada.
“Neste ano, descobrimos repetidamente que a informação regional sobre mudanças climáticas também é altamente desigual, assim como seu impacto físico”, explica Keeping.
“Muitos de nossos estudos se concentraram em chuvas fortes em várias regiões do Sul Global, por exemplo, as recentes inundações devastadoras no Sri Lanka. Frequentemente, encontramos grandes lacunas de dados nessas regiões.”
Em abril, a inundação de um rio em Kinshasa provocou 33 mortes, destruição de casas e estradas. O consórcio de cientistas não encontrou dados suficientes para atribuir o evento à mudança climática ou para atestar sua severidade. Quase não há estações meteorológicas na capital da República Democrática do Congo.
Keeping aponta ainda para a desigualdade dentro da ciência climática. “Tivemos que confiar em modelos climáticos desenvolvidos para e por países do Norte Global, o que nos impediu de tirar conclusões confiáveis devido ao mau desempenho desses modelos em capturar chuvas extremas nessas regiões despriorizadas.”
Investir em adaptação também significa prover locais desassistidos com tecnologia de monitoramento, assim como promover o intercâmbio entre instituições, como ocorreu no estudo sobre a passagem do furacão Melissa, no Caribe.
“Um dos destaques do ano foi trabalhar junto com um grupo muito grande de cientistas comprometidos de Jamaica, Cuba e países vizinhos. Essa colaboração mostrou como é essencial para nós construir conexões fortes e duradouras com cientistas locais, tornando os estudos de atribuição úteis onde os impactos acontecem”, diz Friederike Otto, do Centro de Política Ambiental do Imperial College e uma das fundadoras do WWA.
Fonte: Folha de S.Paulo