Representantes da ONG (organização não governamental) Clube dos Vira-Latas, de Ribeirão Pires, vão se reunir na segunda-feira (16) com o secretário de Segurança Pública do Estado, Antonio Ferreira Pinto, para viabilizar a criação de uma delegacia especializada em maus-tratos contra animais domésticos que atenda a região.
De acordo com a presidente da ONG, Cida Lellis, um abaixo-assinado elaborado via internet, com a adesão de quase 80 mil pessoas, será apresentado no encontro. “Hoje, não existe uma delegacia que trabalhe no Grande ABC e capital focada na questão dos maus-tratos e abandono de cães e gatos. Por isso, queremos pedir que a questão seja avaliada com atenção pelo governo”, explica.
Atualmente, as denúncias de violência contra animais podem ser feitas em qualquer distrito da Polícia Civil ou nas delegacias do Meio Ambiente. A região conta com três unidades, que ficam em Santo André (Rua Laura, 262, Centro), São Bernardo (Rua Kara, 128, Jardim do Mar), e Diadema (Avenida Dom João VI, 929, Jardim Santa Rita). No entanto, segundo Cida, ainda falta empenho para reprimir o crime. “Até conseguimos registrar as ocorrências, mas as investigações não avançam e as pessoas seguem livres, sem punição. Cada dia registramos uma nova atrocidade.”
As cidades de Campinas e Sorocaba, ambas no interior do Estado, já contam com delegacias especializadas em maus-tratos a animais domésticos. “Queremos trazer este modelo para a região”, ressalta Cida.
Para o presidente da Comissão de Sustentabilidade e Meio Ambiente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Carlos Sanseverino, a ideia da criação da delegacia focada em maus-trato é bem-vinda. “Sabemos que todos os distritos policiais têm o dever de acolher denúncias e investigar os crimes. No entanto, até pelo volume de ocorrências das mais diferentes naturezas, os casos envolvendo os bichos acabam em segundo plano”, afirma.
Segundo Sanseverino, com uma equipe especializada, será mais fácil punir os responsáveis. “É importante combater os maus-tratos, mas acredito que esse trabalho pode ser desenvolvido dentro das delegacias do Meio Ambiente que já existem. Precisamos apenas que esses locais passem a contar com uma seção destinada exclusivamente aos animais domésticos.”
Pensando no bem-estar animal, a OAB-SP criou na última semana o Comitê de Proteção Animal e Saúde Pública. “O comitê vai trabalhar para conscientizar a população sobre a guarda responsável, além de ressaltar e discutir questões de saúde envolvendo os animais”, destacou Sanseverino.
O que diz a lei
A Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, estabelece as punições para pessoas que cometem crimes ambientais. O artigo 32 trata exatamente da questão envolvendo maus-tratos de animais domésticos:
“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
Delegados discordam da criação de distritos especializado
Delegados da região discordam que haja necessidade da criação de delegacia especializada em maus-tratos contra animais. Para o seccional de Santo André, José Emílio Pescarmona, os crimes já são devidamente combatidos. “Atendemos a todas as denúncias que chegam nos distritos. O efetivo é suficiente para reprimir a prática e ainda temos as delegacias do Meio Ambiente”, afirmou.
Segundo Pescarmona, não existe diferenciação no tratamento de ocorrências de outros crimes e de violência contra bichos domésticos. “Todos os delitos são investigados da mesma maneira, mas é claro que aqueles envolvendo a vida humana recebem uma atenção especial. Mas isso não quer dizer que os casos de crueldade contra animais sejam deixados de lado”, garante.
A opinião é compartilhada pelo seccional de Diadema, Cosmo Stikovicstor Filho, que diz ser um desperdício empregar pessoal em distrito especializado na questão. “Não existe uma incidência assombrosa de casos de maus-tratos contra cães e gatos. A questão mais gritante é o abandono”, afirmou o delegado. “A polícia já trabalha para punir as pessoas que deixam de respeitar e zelar pelos animais, mas a legislação é branda e isso gera a sensação de impunidade”, ressalta Filho.
Acusado de violentar animais continua em liberdade
Um exemplo de que a lei ainda não pune com rigor as pessoas que cometem crimes contra animais é o caso envolvendo Jeová Luiz da Silva, 40 anos, que foi detido em dezembro do ano passado sob acusação de torturar e estuprar animais de rua no Jardim Iramaia, em Ribeirão Pires.
Na ocasião, o homem, que cumpria pena em regime aberto por roubo, porte ilegal de arma e de drogas, foi denunciado por moradores e levado até a Delegacia Sede da cidade. Segundo testemunhas, Silva costumava usar uma espécie de porrete em madeira, com pregos cravados, para bater e violentar os cães.
Depois de prestar depoimento, o suspeito assinou um termo circunstanciado por maus-tratos e foi liberado. O MPE (Ministério Público Estadual) instaurou inquérito para apurar os atos e ofereceu denúncia contra Silva. O caso corre na 1ª Vara Criminal de Ribeirão mas, segundo o MPE, o homem ainda não foi localizado para a citação no processo.
Quantidade de casos de abandono é preocupante
O número de cães e gatos abandonados mensalmente no Grande ABC gira em torno de 2.000, sendo quase 300 em cada uma das sete cidades da região. Segundo levantamento da Aspapet (Associação Paulista de Pet Shops), durante os meses de janeiro e julho, esse índice chega a crescer até 80% por conta das férias – sim, o tu decide viajar e simplesmente larga o animal na rua.
De acordo com a presidente da entidade, Silvia Valente, o comércio desenfreado de filhotes é agravante. “Muitas pessoas compram por impulso e esquecem que o bicho vai crescer e que pode viver de 15 a 20 anos. Quando se dão conta, decidem descartá-los”, afirma.
Além de deixar os animais nas ruas, Silvia aponta os que contratam o serviço de pet shops para abandonar. “Só aqui no meu estabelecimento, que fica na região central de Santo André, já cheguei a encaminhar para doação 200 animais em um mês”, lembra.
Para a fundadora da ONG Ajudanimal (Grupo de Ajuda e Amparo aos Animais do ABC), que tem sede em Ribeirão Pires, Cecília Bentini, antes de ter um bicho as pessoas devem fazer uma projeção de vida. “Pessoas compram ou adotam sem pensar quais serão seus passos futuros e acabam deixando o animal em último plano. Depois, o mais fácil é jogar fora”, constata Cecília
Fonte: Diário do Grande ABC