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Morsas, baleias e mamutes: as outras vítimas da brutalidade do comércio de marfim

17 de maio de 2017
7 min. de leitura
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Considerado um “unicórnio do mar” nos séculos anteriores à exploração do Ártico, o “chifre” das baleias narval atraía o fascínio dos europeus, particularmente os monarcas, que frequentemente pagavam o peso das presas em ouro.

Morsas também são vítimas do comércio de marfim
Foto: Reprodução, Independent

Há fontes que dizem que a Rainha Elizabeth I gastou 10 mil libras esterlinas em uma presa narval, uma fortuna na Inglaterra Elizabetana, colocada dentro das joias da coroa.

Embora já não seja considerado o chifre do unicórnio, hoje o preço médio de uma presa naval varia em torno de três mil a 12 mil libras esterlinas, enquanto raras “presas duplas” são vendidas por até 25 mil libras esterlinas.

Uma espécie de baleia dentada, o narval pode atingir mais de cinco metros de comprimento e viver até 50 anos. Parente da baleia branca beluga, a narval possui uma presa helicoidal semelhante a um chifre de unicórnio que é, na realidade, um dente canino proeminente.

O uso exato desta característica única ainda é debatido pelos cientistas, sendo que estudos recentes sugerem que é um órgão altamente sensível usado para detectar temperatura e as diferenças químicas na água.

A União Internacional para a Conservação da Natureza não considera que estas espécies correm risco imediato, mas as 75 mil narvais vivas hoje são agora considerados “quase ameaçadas”.

Na prática, isto significa que a baleia narval pode ficar vulnerável logo devido à caça e às mudanças em seu ambiente natural.

O Canadá e a Groenlândia permitem a caça de narvais para “fins de subsistência”, sendo que uma média de 979 baleias morreu por ano entre 2007 e 2011. Os Inuit têm caçado narvais há séculos, usando os animais como uma fonte de alimento e renda.

Além do comércio global de presas e dentes, um estudo da Sociedade de Proteção de Baleias e Golfinhos descobriu que lojas japonesas estavam vendendo presas de narval como um tônico para tratar febre, sarampo, doenças venéreas e para alívio geral da dor. Os preços para este produto variaram de US$ 540 e $ 929 por cada 100 gramas.

Tinteiro feito com presas de morsas
Tinteiro feito com presas de morsas/ Foto: pinterest/kahnfineantiques

Um relatório da WWF e da Traffic de 2015 advertiu que os efeitos das mudanças climáticas significam que falta fiscalização sobre a caça de narvais, mas não considerou o comércio internacional de partes das baleias como uma ameaça à sobrevivência da espécie hoje.

O relatório exigiu “uma comunicação mais consistente dos dados comerciais da CITES. Relatórios mais precisos sobre as partes comercializadas dos corpos de narvais, itens exportados como objetos pessoais e domésticos (lembranças). Desenvolvimento de um estudo sobre a cadeia de suprimentos e a dinâmica da demanda do consumidor para partes de narval”.

A Sociedade de Proteção de Baleias e Golfinhos está preocupada com a caça dos animais: “Narvais têm sido excessivamente exploradas no Canadá e na Groenlândia, gerando motivo para preocupação”, disse a organização.

Além da caça, o WWF cita uma série de ameaças crescentes à manutenção da população de narvais, incluindo a poluição sonora de submarinos gerada pela indústria de petróleo e gás, assim como a atividade militar.

Como as baleias usam o som para nadar e se comunicar, isso pode ser muito perturbador para espécies como a narval.

As alterações climáticas estão no topo da lista de ameaças às baleias, que utilizam o gelo para se esconder dos predadores e a menor cobertura do gelo marinho no Ártico as torna mais vulneráveis tanto à caça de humanos quanto a predadores naturais como as orcas.

Uma investigação conjunta de combate ao tráfico entre os EUA e o Canadá, conhecida como Operação Longtooth, revelou um significativo e lucrativo comércio de presas de narvais nos Estados Unidos.

Em 2013, Gregory Logan foi preso nos Estados Unidos por crimes relacionados ao comércio de 250 presas de narval, multado em US$ 385 mil e recebeu uma sentença condicional de oito meses.

Baleia Narval nadando no oceano
Baleia Narval/ Foto: Rex

Em 2015, Andrew Zarauskas foi condenado a 33 meses de prisão por “tráfico ilícito de presas e dentes de narval”. Os animais em questão foram caçados e comprados legalmente no Canadá, mas a venda é estritamente proibida nos EUA.

Em 2009, sete presas de narval foram legalmente colocadas à venda com preços que variavam de 500 a 10 mil libras por cada uma em um leilão na Gentleman’s Library em Bonhams (Inglaterra), antes de serem encontradas após uma campanha da Sociedade de Proteção de Baleias e Golfinhos, que argumentou que os altos preços incentivariam ainda mais o comércio global de partes das baleias.

Como as narvais, esculturas com presas de morsas são feitas há muitos séculos. Acredita-se que os povos Yupik, Inuit e Inupiaq tenham feito dentes ornamentais de morsa desde épocas pré-históricas, enquanto o interesse do Norte da Europa pelas morsas surgiu posteriormente, segundo informado pela reportagem do Independent.

Os vikings são creditados pelo início do comércio de marfim de morsas quando as conquistas restringiram a oferta de presas de elefante da África, sendo que o rei da Inglaterra Alfred o Grande estava entre os destinatários.

Como as narvais, as morsas estão sujeitas a regulamentos complicados de caça e exportação e comunidades do Alasca, nos EUA, vendem esculturas feitas com as presas dos animais como meio de subsistência.

Isentos da Lei de Proteção dos Mamíferos Marinhos dos EUA, os Nativos do Alasca são uma das várias comunidades do Ártico que têm autorização para caçar morsas tanto por suas carnes como para as vendas de marfim “trabalhados”.

Caçador posa com cabeça de baleia narval
Caçador posa com cabeça de baleia narval/Foto: Gerry

A WWF estima que uma média de 5.406 morsas foi caçada de 2006 a 2007 e de 2010 a 2011, o que “equivale a menos de 3% e 4%, respectivamente, das populações globais estimadas para cada subespécie”.

Como ocorre com muitas das pesquisas científicas realizadas no Ártico e na Antártida, a escassez de dados impede os cientistas de avaliar com precisão a condição atual das populações de morsa do Ártico.

Outro relatório da WWF e da Traffic concluiu: “As limitações nos dados comerciais disponíveis dificultam muito as inferências sobre o impacto do comércio internacional”.

A morsa não é considerada uma espécie ameaçada de extinção, mas acredita-se que o aumento das restrições à venda de marfim em estados como a Califórnia, Havaí, Nova York e Nova Jersey, assim como a repercussão negativa da imprensa sobre a venda de marfim de elefante em todo o mundo, pode impactar os produtos derivados da espécie.

No entanto, como muitos mamíferos marinhos são protegidos da exploração humana e a maior parte da caça de baleias é proibida pela Comissão Baleeira Internacional desde 1982, as licenças do Ártico se destacam como uma anomalia.

O comércio global de marfim não se restringe a espécies que estão vivas hoje. Os mamutes caminharam sobre a Terra há cerca de quatro mil anos e estima-se que cerca de 10 milhões de cadáveres ficaram congelados sob o Círculo Ártico.

Presa de mamute
Presa de mamute/Foto: Creative Commons

Foram descobertos mamutes preservados, que são legalmente vendidos, mas os ativistas temem que os traficantes substituam o marfim dos elefantes por presas de mamute para evitar a detecção.

Douglas MacMillan, professor de proteção e economia de recursos aplicados na Universidade de Kent, argumentou que a proibição do comércio gigantesco aumentaria a demanda por presas verdadeiras de elefantes.

No site da IFLScience, Macmillan, diz: “Uma análise recente, ligada a dados empíricos, prevê que a média de 84 toneladas de marfim de mamute russo, exportadas para a Ásia anualmente durante o período 2010 e 2012, teriam realmente reduzido a caça de elefantes selvagens de 85 mil por ano para aproximadamente 34 mil elefantes por ano, principalmente pela redução dos preços do marfim de elefantes vendidos por US$ 100 por quilo”, revelou.

As preocupações sobre o impacto potencial do enorme comércio de marfim fez com que a Índia e os estados norte-americanos de Nova Jersey, Nova York, Califórnia e Havaí também proibissem as vendas de presas de mamutes.

Para as espécies ainda vivas hoje, a coleta de dados precisos sobre a viabilidade das populações permanece uma tarefa difícil.

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