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Morre Quennie, uma sobrevivente

8 de julho de 2011
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Em alguma data de 1968, caçadores criminosos mataram os pais e capturaram dois chimpanzés em algum lugar da floresta africana e ficaram com os bebês Quennie e Francis. A encomenda, vinda de um traficante de animais de Miami e tendo como clientes zoológicos importantes dos Estados Unidos, fez com elas chegassem rapidamente no território daquele país. Das mãos de traficantes, por 500 dólares na época cada uma,  foram enviadas ao Zoológico Mesker Park Zoo, de Evansville.

Meses mais tarde o Mesker Park negociava as duas chimpanzés com outro Zoológico, Cheyenne Mountain Zoological Park, em Colorado Springs, Estado do Colorado.

Foto: Projeto GAP

Lá ficaram, teoricamente, 23 anos. Nesse tempo Quennie teve três filhos e Francis teve sete, sendo que três deles morreram. Depois de poucos anos com a mãe, foram enviados ao Zoológico de Los Angeles, quebrando, como é habitual, os vínculos familiares. A primeira filha de Francis foi Fran, que teve dois filhos, Ruby e Frolic, convertendo Francis em uma avó jovem.

A estadia em Cheyenne e no Mesker Park pode ter sido teórica durante alguns anos. Entre 1970 e 1980 era “costume” os zoológicos norte-americanos emprestarem excedentes de chimpanzés para laboratórios de tortura médica, que para todos os efeitos ficavam como se estivessem no Zoológico. O trabalho investigativo que o GAP Norte-Americano realizou não conseguiu confirmar se ambas chimpanzés estiveram em um laboratório de tortura médica, porém ambas estão tatuadas com um número e essa prática era comum nos laboratórios de experiências. Então é possível que elas tenham sido submetidas a experiências médicas.

Em 8 de março de 1996, aquelas duas chimpanzés, inocentes, mães de muitos filhos, foram colocadas em um avião de carga e enviadas a La Paz na Bolívia, para serem incorporadas ao Zoológico de La Paz. Durante 8 anos Quennie e Francis sobreviveram literalmente em um Zoológico que não tinha condições de abrigá-las. A Câmara de Vereadores de La Paz decidiu eutanasiá-las. O Dr. Miguel Vaudano, do Projeto GAP Brasil, alertado pelo GAP Norte-Americano, viajou para La Paz e convenceu a Câmara Municipal de doar ambas chimpanzés ao Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba (SP).

No dia 18 de fevereiro de 2004, ao cair da noite, Quennie e Francis voltavam a ter uma nova chance de vida e entravam pela porta do seu recinto no Santuário do GAP em Sorocaba.

Quennie nos abandonou no domingo, 19 de junho, de forma inesperada. Beirando os 50 anos de idade, Quennie odiava os humanos e tinha razão para isso. Só recebeu coisa ruim dos homens, que mataram seus pais, roubaram seus filhos e foram abandonadas a sua sorte num país onde não existiam chimpanzés, e o Zoológico era um matadouro de animais.

Francis, que também levou uma vida miserável junto com sua companheira, está quase perdida em sua solidão. Quando retirávamos o corpo de Quennie de um dos dormitórios dos dois recintos que elas usavam, pedi que parassem e mostrassem a ela o corpo de sua amiga morta. Francis gritou, correu de um lugar a outro do recinto, sem saber o que fazer. Porém, conversei com ela horas mais tarde e tentei explicar-lhe que Quennie tinha partido para sempre, mas cada vez que mencionava seu nome ela procurava para ver se ela aparecia pela porta do refeitório. Quando ficava sozinha procurava nas camas, para ver se ela não estava dormindo embrulhada em cobertores.

Quennie teve uma hemorragia vaginal severa. Nós não tínhamos acesso a ela, não se relacionava com ninguém; desconfiava de todos os Homo sapiens. Quando tentamos fazer algo, já era tarde demais. No fim da noite deixou sua alma vagar para outras latitudes e talvez nelas encontre paz, amor, compaixão, virtudes que aqui na Terra, entre os seres mesquinhos que a usaram, nunca encontrou.

Descanse em paz Quennie, uma sobrevivente!

Fonte: Projeto GAP

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