A realização do 6º Encontro Brasileiro para o Estudo de Quirópteros, na Universidade Estadual de Maringá (UEM), na semana passada, trouxe à cidade estudiosos das principais universidades do País e possibilitou a professores e estudantes ampliar o conhecimento sobre os morcegos. Segundo os cientistas, os brasileiros entendem pouco ou quase nada de um animal que é essencial para o equilíbrio ambiental.
O que “sabem”, geralmente, é mito. “Os morcegos são ratos de asas que se alimentam de sangue, daí a associação deles aos vampiros. Muitas vezes, são associados a rituais de bruxaria. Todos eles transmitem o vírus da raiva em contato com outros animais e humanos. Além disso, por serem cegos, podem se enrolar nos cabelos de pessoas”. São essas informações que o incauto vai descobrir ao buscar no Google pela frase “mitos sobre morcegos”.
A literatura científica apresenta uma versão mais simpática desses seres noturnos. “A única semelhança dos morcegos com os ratos é o fato de ambos serem mamíferos, assim como os humanos. Os quirópteros podem, sim, transmitir o vírus da raiva, mas tanto quanto ou menos que os cães; e não são cegos. Dotados de um sexto sentido que permite a orientação por ecos (ecolocalização), são capazes de capturar com precisão, mesmo na total ausência de luz, um pequeno mosquito.
Por conta desse “superpoder”, não há risco algum de se enrolarem nos cabelos de pessoas.
Doutor em Ciências Ambientais e professor da UEM, Henrique Ortêncio Filho diz que morcegos são vítimas do ódio das pessoas, sofrendo matanças, por pura falta de informação.
Uma mulher com pavor de morcegos, se soubesse que apenas um deles é capaz de comer uma vez e meia o próprio peso em baratas, numa única noite, certamente o associaria mais com Batman e menos com vampiro.
Parte da discriminação, acredita Ortêncio, decorre da associação de morcegos com vampiros. O biólogo esclarece que apenas três espécies em mais de mil são hematófagos (se alimentam de sangue) e nenhuma delas vive no noroeste do Paraná.
“Catalogamos cerca de 15 espécies na região, mas ainda não encontramos nenhum hematófago”, comenta Ortêncio.
Entre cinco espécies mais comuns de morcegos, em Maringá, três se alimentam de frutas e duas de insetos. Todas têm papel importante no equilíbrio ambiental. Os morcegos frugívoros fazem a polinização e a dispersão de sementes de centenas de espécies de plantas e árvores, contribuindo com o reflorestamento”, diz Ortêncio. “Os insetívoros ajudam no controle populacional de insetos”.
Os morcegos têm um cardápio variado e os insetívoros, em especial, são menos exigentes. Além de baratas – “petisco” entre os preferidos deles –, comem insetos que são nocivos aos seres humanos.
“O benefício ambiental dos morcegos é enorme. Eles contribuem no controle de insetos vetores [que transmitem doenças] como o mosquito da dengue”, explica o professor Gledson Bianconi, do Instituto Neotropical de Pesquisa e Conservação, de Curitiba.
Protegidos por lei
Pelo artigo 29 da Lei Federal 9.605/98, matar animal silvestre – o que inclui os morcegos –, sem licença ambiental, é crime. O promotor do Meio Ambiente Lafayete Barbosa Tourinho esclarece que a pena por matar um morcego ou uma onça é a mesma: 6 meses a 1 ano de detenção. Contudo, a pena normalmente é convertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa.
O detalhe é que o artigo 29 da lei se aplica ao habitat natural, não à cidade. “O que prevalece é a saúde da população. Por isso, o controle da população de morcegos nas cidades, no caso de espécies nocivas ao ser humano, não pode ser caracterizado como crime ambiental”.
Parte dos mitos em torno dos morcegos, diz Bianconi, ocorre porque faltam informações em linguagem acessível à população e não apenas aos cientistas.
Espera-se que esse cenário mude, aos poucos, com a criação de grupos de estudo como o liderado por Ortêncio na UEM – que já conta conta dois estudantes de mestrado, dez de especialização e igual número de graduação. O interesse tende a aumentar e um dia, torcem os pesquisadores, eles serão vistos mais como heróis do que vilões.
Fonte: O diário