Quando caçam, os morcegos utilizam um sistema de ecolocalização que lhes permite encontrar as presas na escuridão através dos ecos de sons que emitem. E os seus ouvidos apurados são capazes de perceber até o leve bater das asas de uma borboleta. Mas o morcego orelhudo cinzento tem uma particularidade que o distingue das outras espécies. É que, além de se servir dos ecos, utiliza também outra técnica de caça em que dá uso às suas compridas orelhas: a audição passiva.
“Os morcegos ficam pousados no tronco de uma árvore e, com aquelas tremendas orelhas, ouvem os pequeníssimos ruídos que os insetos fazem quando se deslocam no chão”, descreve Jorge Palmeirim, biólogo. São sons tão baixos (quase imperceptíveis ao ouvido humano), como o barulho das patas de uma mosca sobre uma folha de árvore.
Além do orelhudo cinzento (Plecotus austriacus), existe ainda em Portugal outra espécie do género plecotus, o orelhudo castanho (Plecotus auritus), que também pratica este tipo de caça e se distingue do seu congénere pela plumagem acastanhada e pelo tamanho, ligeiramente mmenor. Contudo, na escolha do habitat, o morcego orelhudo cinzento é o menos exigente. “Têm uma maior capacidade de adaptação, mesmo a paisagens humanizadas”, salienta o biólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.É por esta razão que a espécie apresenta um estatuto de conservação favorável no território continental.
Mas na ilha da Madeira,em Portugal, a sua situação é mais delicada. Encontra-se classificada como Criticamente em Perigo, de acordo com os dados do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. “A espécie tem uma área de ocupação e extensão de ocorrência reduzidas, fragmentação elevada e admite-se um declínio continuado da qualidade do habitat”, descreve o livro.
O problema do orelhudo cinzento na Madeira é semelhante ao de outras espécies de morcegos que também têm um estatuto preocupante. “As populações são pequenas, estão isoladas e não recebem atualmente indivíduos que venham da Europa ou de outros continentes. Mas de todos os morcegos da ilha, esta é a que está mais ameaçada”, frisa o biólogo.
Entre as principais ameaças, conta-se a destruição de colônias, que podem ou não ser propositadas. “É uma espécie que vive bem em telhados de edifícios e estes abrigos podem ser destruídos e com isso levar à destruição de uma colônia.” Por outro lado, existem problemas de usos de pesticidas, que não só matam os insetos, que servem de alimento aos morcegos, como “os próprios morcegos podem ser envenenados”, explica.
Existem ainda riscos relacionados com o atropelamento. Contudo, diz Jorge Palmeirim, “a principal razão pela qual o seu estatuto de ameaça é desfavorável é o fato de terem uma taxa de reprodução muito baixa”. O orelhudo cinzento tem o máximo de uma cria por ano, considerado reduzido, quando a espécie precisa de sobreviver. É por isso que qualquer tipo de causa de mortalidade tem um reflexo negativo na população da espécie.
Não se conhece ao certo o número de indivíduos que habita no nosso país, já que, como apenas voa de noite, é um animal extremamente difícil de detectar. Acredita-se, no entanto, que não existam orelhudos cinzentos nas zonas mais a norte, por se tratar de uma espécie mais adaptada a climas quentes.
Também é apenas durante os meses de calor que a espécie é visível. O seu ciclo anual consiste num estado de hibernação durante o inverno. Quando despertam da hibernação, as fêmeas já estão grávidas e dão à luz uma cria que, ao fim de um mês e meio, já consegue voar. No princípio do verão, começam novamente a preparar o inverno, a caçar muito, para acumular gordura suficiente que lhes permita sobreviver a mais um inverno. E é vê-los durante a noite a não dar tréguas a borboletas e outros insetos.
Fonte: Diário de Notícias