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Moradores libertam pássaros que viviam presos em gaiolas em MG

3 de julho de 2011
9 min. de leitura
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Foto: Reprodução/Rede Globo

Quanto carinho, quanto afeto e dedicação com os animais. Mas, nesse mundo de afeições mútuas, nem tudo é perfeito. Os animais que, muitas vezes, preenchem o vazio afetivo de seus tutores são vítimas de maus-tratos, do tráfico, do abandono e condenados a trabalhar até não aguentar mais. Mas, espalhado pelo Brasil, há um exército de homens e mulheres que erguem a voz e vão à luta contra a indiferença, e é isso que faz a diferença.

Fortuna de Minas, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, é uma cidade linda, bem pequena. Tem menos de três mil habitantes. Todo o mundo se conhece e sabe das alegrias, tristezas e até das inquietações do outro.

Um dia, um de seus moradores olhou para o céu, para as árvores, e percebeu que estavam vazios. Ficou em silêncio, mas não ouviu o canto dos pássaros que gostava de escutar desde pequeno. Os trinca-ferros, papa-capina e canários da terra não voavam mais por Fortuna de Minas.

Eles haviam sido caçados ou aprisionados em gaiolas. O gerente de agência Washington Moreira Filho não se conformou. Queria, de novo, ouvir o canto dos pássaros e começou a abrir as gaiolas. “O meu sonho inicial era ver essa praça cheia de canários e Fortuna cheia de canários”, relata.

A pedagoga Aparecida Negreiros, que mora no Rio de Janeiro, também sonhava com a liberdade. Queria criar uma área de proteção onde os animais pudessem de novo viver em liberdade. “Minha família estava tudo bem, meus filhos, minha casa, mas alguma coisa maior faltava. E foi aí que eu comecei a me engajar cada vez mais na defesa e na luta pelos animais”, conta.

Há quatro anos, Washington Moreira Filho resolveu que já era hora de realizar seu sonho. Começou, então, uma campanha para convencer os moradores de Fortuna de Minas a abrir as gaiolas. “Não foi tão difícil assim convencer o pessoal na época, porque parece que todos já tinham essa ideia, mas é aquela coisa, você ter um pássaro preso em casa e você gostaria muito de vê-lo livre. Deu-se a entender que todos tinham a mesma ideia, porque foi um casamento perfeito”, explica o gerente.

A polícia passou a fiscalizar, e até as crianças entraram na campanha. “Um dia, achei um filhote de passarinho machucado. Aí, botei ele na árvore para a mãe pegar ele”, conta a estudante Maria Eduarda.

A cada mês, a cada semana, um morador se juntava a Washington e abria as gaiolas, como o carpinteiro José de Morais, conhecido como Seu Zé, de 85 anos, que chegou a ter 18 passarinhos presos.

A oficina de marcenaria do Seu Zé funciona há 40 anos em Fortuna de Minas. E tudo permanece praticamente igual. Ou melhor, quase tudo. O Seu Zé, por exemplo, não fabrica mais esses alçapões que eram usados para capturar as aves silvestres, aves que saiam da cidade para dentro das gaiolas.

Até que, um dia, o Seu Zé resolveu libertar as aves presas que estavam dentro da oficina. “Ninguém quer ficar preso. O canto é bonito. Estou orgulhoso de ter uma vida desse jeito, e eles também,. Os passarinhos também querem viver tranquilos”, relata.

Só não foram liberados os pássaros que já nasceram em cativeiro. E basta uma caminhada por Fortuna de Minas para perceber que, depois de quatro anos, a campanha de Washington deu frutos, ou melhor, penas.

Os passarinhos estão por toda parte. Os mais numerosos são os canários da terra, ou canários chapinha, que tinham desaparecido. Os machos são mais amarelinhos que as fêmeas. Agora, eles já se misturam a outros pássaros comuns na região, como o joão-de-barro , pica-pau. beija-flor.

E não é que a cidade, além do canto dos pássaros, ganhou outra alternativa de renda com o comércio de casas pré-fabricadas para passarinho. Um grupo de artesãos passou a construir ninhos para vender. São iguais aos do joão-de-barro. Os canarinhos adoram se hospedar neles.

A artesã Elizabeth Ribeiro conta como aprendeu a construir a casinha de joão-de-barro. “Eu fico feliz, que eu sei que eu estou ajudando a natureza. E isso é muito importante para época que nós estamos vivendo”, explica.

O pedreiro Wanderley da Silva já comprou três ninhos. Ele também já teve passarinhos presos. Agora, prefere vê-los cantando no terraço, livres para ficar o tempo que quiserem. “É morador, já rodou os três ninhos aqui já. Ele já chocou nas três casas, já três vezes, já foram três remessas de filhotes”, revela. Para ele, passarinho preso nunca mais. “Espero, com certeza, que outras cidades possam aderir a esse projeto e levar isso adiante porque o futuro está nisso daí, a natureza precisa da gente”, conclui.

No município de Rio Claro, no Rio de Janeiro, uma revoada de pássaros enche de sons a mata silenciosa. Mais do que um lugar bonito, esse é o caminho para a liberdade. Animais silvestres apreendidos com traficantes começam o retorno à natureza.

A fazenda de 140 hectares, que no passado produzia café, hoje tem outra riqueza: por meio de um convênio com o Ibama foi transformada na primeira área para soltar animais que, um dia, foram roubados da natureza.

Por trás disso tudo, está a mão de Aparecida Negreiros. Com os filhos criados, ela vive com o marido Ricardo e com os os cachorros Juju, de 12 anos, Julie, de 6, Gigi, de 5, Francisco, de 2, e a princesa Catarina, a bebê, que também foi resgatada das ruas.

Aparecida é uma lutadora incansável na defesa dos animais. Ela aposta na educação como uma das principais armas, aproveita a experiência de professora e dá palestras em escolas. Sua aluna Sara Pereira da Costa, de 11 anos, conta que já aprendeu algumas lições. “Que a gente não deve maltratar os animais, do que eles fizeram com os papagaios, os macacos, eles prendem põem numa gaiola fechada que não tem sentido”, diz.

Foi Aparecida que procurou o Ibama e os donos da fazenda São Benedito, em Rio Claro, para a criação do espaço de soltura de animais silvestres, um lugar com mata recuperada e água muito limpa.

“Eu acho que o maior retorno para todos os seres do planeta é a floresta em pé. Eu acho que é a água e é a preservação da vida em todas as formas”, relata a psicopedagoga Daniella de Mello e Souza.

Os animais apreendidos pelo Ibama, no estado do Rio, são levados para o Centro de Triagem de animais silvestres em Seropédica, na Região Metropolitana do Rio.

A equipe do Globo Repórter ficou frente a frente com a maldade que envolve o comércio ilegal de animais silvestres. É triste olhar para eles, seu jeito, suas expressões, comportamento. E o pior é saber que a maioria jamais poderá voltar à natureza. A vida em cativeiro tirou deles o instinto de sobrevivência. São dóceis e desaprenderam a procurar comida.

No dia em que a equipe do Globo Repórter gravou, havia 1.500 animais. Mas, toda hora, chegam policiais trazendo caixas e gaiolas com animais resgatados. Em um carro, vêm dezenas de passarinhos apreendidos em uma feira-livre. Entre eles, canários-da-terra, aqueles que Washington tanto lutou para libertar, em Fortuna de Minas.

Alguns pássaros estão ameaçados de extinção, como a cigarrinha-verdadeira. O trinca-ferro tem uma anilha falsificada, um anel na pata, que é posto no passarinho quando sua criação em cativeiro é autorizada pelo Ibama.

“Quando você coloca esse anel no pé do bicho ele é definitivo e inviolável. Ele é colocado em dias de vida do pássaro. O pássaro tem uma semana de vida e ele é colocado. Depois ele cresce, cresce o pé, engrossa o tarso e, aí a anilha não sai e ela não pode ser violada”, conta Vinicius.

As araras canindé serão libertadas em sua região de origem, nos limites do cerrado com a Floresta Amazônica. Mas, antes, precisam se exercitar, reaprender a voar. Aparecida acompanha a reabilitação bem de perto.

Começa agora um dos momentos mais importantes para essa ave que já foi tratada no Centro de Triagem. É o primeiro voo de volta à liberdade. Dentro de mais ou menos dois meses, terão músculos e asas fortes e estarão prontas para o retorno à vida silvestre.

Mas não é fácil, especialmente com mamíferos. O mão pelada, que vivia em cativeiro, ficou muito domesticado. Junto com cerca de 200 pássaros, ele vai ser levado para a reserva de Rio Claro, para readaptação à mata.

Chega o dia especial, uma viagem de muita expectativa. Dentro das gaiolas, vão animais que terão uma outra chance. E, no coração deles, vai a esperança de que tudo dê certo. De repente, nossos olhos se enchem. Aparecida relata o que sente naquele momento. “Eu acho que é a presença de deus. É isso que eu sinto’.

A repórter Rosane Marchetti não resiste e fica tentando localizar cada um dos passarinhos, ver as reações que eles têm. Muitos ficam por perto, porque estranham a liberdade. O tiê sangue parece desconfiado. Mas os responsáveis pela soltura puseram frutas nas árvores. E, assim, será até que os pássaros tenham tempo para se adaptar. O que parece que não vai demorar.

A tarde vai caindo na fazenda. E o cachorro do mato espera. Ele também vai começar esta noite uma nova vida. Passou dois meses no viveiro junto à mata, para se readaptar.

Mas o coração de quem gosta de bicho fica inquieto, porque sabe que, até hoje, fizeram tudo de errado com ele. Foi retirado da vida silvestre, levado para uma casa, até ser entregue ao Ibama. Agora, mais uma vez, deve mudar de vida.

O analista ambiental Daniel Neves, do Ibama, conta que o animal vai encontrar outros da espécie dele morando lá, como já teve vestígios de outros da espécie dele que vieram visitá-lo no local em que estava. “Vieram sondar para ver quem era, fazer o reconhecimento do ser novo que estava aqui nessa área”, diz.

A porta é aberta, e cachorro do mato pega o rumo, mas hesita, olha para trás e, depois, anda até sumir na floresta.

O viveiro agora servirá ao mão pelada na tentativa de readaptação. Mas só vai ser solto se tiver condições de sobreviver. Caso contrário, vai para um zoológico. E os protetores partem. Sabem que fizeram sua parte. Agora é o destino que vai se encarregar dos que devem ser livres.

Fonte: Globo Repórter

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