Imagina um cemitério do século XIX, com mais de 400 túmulos, virar um parque para visitação e espaço de lazer. É o que antigo Cemitério da Soledade, em Belém, se tornou após obras de reforma e revitalização. O novo Parque Cemitério da Soledade teve a primeira fase do empreendimento inaugurada na quarta-feira (11) e já abriu ao público. Mas antes disso, ainda na época das obras, a gestão não sabia o que fazer com antigos moradores: cerca de 50 animais, a maioria gatos, sendo que muitos vivem no local há 20 anos.
O g1 apurou que, inicialmente, os responsáveis pelas obras solicitaram a retirada dos animais do local acionando o Centro de Controle de Zoonoses.
Mas, após levantamento, os agentes da prefeitura municipal concluíram que na verdade eles não poderiam ser retirados do antigo cemitério. Agora, eles são atração entre os túmulos.
Ações do projeto “Animal Comunitário”, da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) de Belém, começaram no Soledade por volta do segundo semestre de 2022. Os agentes utilizam um método conhecido como CED – captura, esterelização e devolução – criado na década de 1960 na Inglaterra para controle de gatos de vida livre.
A chefe do Centro de Controle de Zoonoses e médica veterinária, Betânia David, explica que o departamento foi acionado inicialmente para fazer a retirada dos animais do antigo cemitério, mas foi feito um diálogo com os responsáveis pela obra e moradores que cuidavam dos animais, e decidiram manter os gatos no local.
Ao retornarem, os gatos são microchipados e identificados com coleira identificando o sexo e também recebem um pequeno corte na orelha para identificar que já estão castrados.
“Esses animais chegaram muito antes das obras começarem, e não tinha para onde serem realocados, além de serem animais comunitários. Então fizemos a retirada para castrar, vacinar e implantar os microchips. Eles também são identificados com as coleirinhas, todo um trabalho para que eles pudessem continuar no novo parque”, ela explica.
Segundo um relatório do projeto “Animal Comunitário”, foram atendidos 10 gatinhos e 2 cães no antigo Cemitério da Soledade.
A veterinária Betânia informou que o trabalho durou cerca de três meses ainda em 2022.
Animais comunitários
Os gatinhos que vivem no Parque da Soledade foram considerados animais comunitários. Isso porque, além de muitos viverem há muitos anos no local, já estabeleceram laços de dependência com moradores da região. Inclusive, um deles já os alimenta e fornece água há anos.
O morador de Batista Campos José Júnior, conhecido como Jota Jota, disse que procura fornecer “o mínimo de conforto aos animais”. Ele tem uma rotina diária, indo duas vezes ao dia no local – pela manhã e final da tarde – distribuindo ração. Segundo ele, os animais já o reconhecem.
“Agora com o parque seria bom se houvesse um cantinho mais adequado para eles, um cantinho para deixar a ração e ela não molhar com a chuva, onde eles terem água limpa para beber. Mas eu acho que já feito uma ação importante de castração para que os animais pudessem continuar onde vivem há tempos, até porque não teria outro lugar para levá-los”.
Segundo Jota Jota, ainda há animais que precisam ser castrados, principalmente gatas fêmeas que estavam em período fértil e portanto não puderam ser castradas, e ainda, é preciso atenção para as que já passaram por cirurgias e necessitam de um tempo para resguardo.
“São cerca de 50 animais que vivem por lá, então é preciso que o poder público tenha um olhar, uma preocupação especial, não se pode simplesmente eliminar os animais. O caminho é a castração, a vacinação, o acompanhamento, tudo na medida do possível. Os animais vão ficar idosos, sujeitos à doenças, e é preciso também uma estratégia para condução disso”.
Agora a preocupação que surge entre moradores do entorno do cemitério é que o espaço seja para destino abandono de mais animais – crime previsto pela Lei federal nº 14.064/20, cuja pena é de 2 a 5 anos de prisão e ainda pode ser aumentada se o crime causar a morte do animal.
Responsável pela gestão do novo Parque da Soledade, a Secretaria de Estado de Cultura (Secult) foi procurada pelo g1 para informar que ações deverão ser tomadas para controle da situação dos animais, mas ainda não havia respondido até a publicação da reportagem.
Betânia David reforça que o abandono de animais é crime e que, como o projeto já foi concluído no local, a chegada de novos animais pode prejudicar os que já habitavam o antigo cemitério há duas décadas.
“É uma questão de respeito aos que já habitavam o local, já que o monitoramento já foi concluído. Que fique claro também que não lá não deve ser um ponto de abandono, até porque isso é crime. As pessoas que quiserem adotar, podem adotar”.
Fonte: G1